Bombas, manifestação e "Fora Temer" no rescaldo do incêndio no Museu Nacional
Manifestação em frente ao Museu Nacional após incêndio. Foto: Valda Nogueira/Farpa/VICE

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Bombas, manifestação e "Fora Temer" no rescaldo do incêndio no Museu Nacional

Protestos nos arredores da Quinta da Boa Vista (com direito a confronto com Guarda Municipal e monarquistas) e no centro do Rio culparam o Governo Federal pelo trágico incidente.

Universitários, professores, curiosos, barraqueiros, guardas e policiais. Se boa parte da população carioca costuma ocupar os gramados da Quinta da Boa Vista nos domingos de sol, o parque voltou a ficar tomado na manhã desta segunda-feira (3), mas agora pelo luto. Enquanto o Corpo de Bombeiros ainda lançava água sob os escombros do Museu Nacional, centenas de pessoas se reuniram para um protesto nos arredores. E como se não bastasse a dor da perda de um dos maiores acervos históricos e científicos da América Latina, houve confronto entre os manifestantes e a Guarda Municipal.

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De longe era possível sentir o cheiro de queimado, que logo se misturou ao das bombas de gás da Polícia Militar — ela tentava impedir os manifestantes de entrarem em uma área mais próxima à fachada. “Quando um caminhão pipa entrou para ajudar os bombeiros uma parte da galera tentou entrar junto, e aí a Guarda e a PM vieram caindo em cima. Teve cassetete, gás de pimenta, bomba. Uma amiga minha estava na grade e teve a blusa rasgada, um outro cara não tinha feito nada foi agredido por vários guardas. Aí, a galera ficou puta”, contou Alice Medeiros, estudante de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Outra confusão ocorreu quando manifestantes perceberam a presença de dois homens que se diziam a favor do regime monarquista.

Um deles estava coberto por uma bandeira do Brasil, e o outro estendia com fervor a bandeira do Império. Ambos gritavam palavras de ordem enquanto eram cercados por dezenas. No meio da confusão, ele afirmou à VICE que "eles (os manifestantes) têm medo da monarquia". "Eu não falei nada, só balancei a bandeira, mas mesmo calado eu incomodei porque a bandeira incomoda", disse Marcelo Vitor. Vestido de paletó e calça social, o adepto aos Orleans e Bragança foi provocado e também provocou. Rolou pancadaria e a Guarda Municipal interveio para garantir que a dupla de manifestantes não fosse agredida pela multidão — o spray de pimenta foi usado mais uma vez.

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Manifestantes, políticos e reitor culpam governo federal

Mesmo com o impiedoso calor carioca, os manifestantes foram direto da Quinta para a Cinelândia, no Centro do Rio, onde houve um ato organizado por movimentos sociais e partidos políticos no início da noite. Milhares de pessoas ocuparam a praça, e por ali o alvo não parecia ser outro que não fosse o presidente Michel Temer. "A responsabilidade é também do senhor Sérgio Sá Leitão, ministro da Cultura, um golpista", tentou emplacar o deputado estadual e candidato a federal Marcelo Freixo (PSOL) no carro de som, mas o coro de "Fora, Temer" seguiu mais forte.

Manifestação na Cinelândia. Foto: Erick Dau/Farpa/VICE

Até aqui vemos um jogo de empurra. O Ministro da Cultura Sérgio Sá Leitão responsabilizou a UFRJ em entrevista à BBC Brasil, ao afirmar que “se você gerencia algo, você é responsável por isso”. Roberto Leher, reitor da universidade, por sua vez, cobrou a falta de investimentos do governo federal aos patrimônios tombados. “Não existe nenhuma linha de financiamento dos ministérios da Educação e Cultura para prédios históricos tombados pelo patrimônio histórico”, disse em entrevista coletiva na manhã de segunda-feira.

Como o gerenciamento do Museu Nacional é atribuição da UFRJ, muito tem se falado sobre a responsabilidade da universidade em não ter repassado recursos à manutenção do palácio. O argumento é de que, enquanto os repasses do governo federal à UFRJ aumentaram de R$ 2,6 bilhões para R$ 3,1 bilhões nos últimos três anos, os recursos para a manutenção do museu diminuíram de R$ 979 milhões para R$ 634 milhões entre 2013 e 2017, e somente R$ 98 milhões em 2018. No entanto, os dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) não preveem as dificuldades enfrentadas pela instituição, como os atrasos e contingenciamento.

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"Em 2015, nós estávamos destacando problemas no telhado, e era necessário fazer intervenções importantes. Uma parte a UFRJ fez com seus próprios recursos, mas era necessário ampliar a recuperação do prédio de uma forma geral. O sistema de prevenção de incêndio foi um dos itens mais destacados para o projeto do BNDES. Todos sabíamos que o prédio estava em condições vulneráveis", completou o reitor. Alexandre Kellner, diretor do Museu Nacional, foi mais enfático: "Não adianta só chorar, temos que agir, e agir se dá em linhas. Primeiro: imediatamente a concessão desse terreno. Não estou mais pedindo, eu estou exigindo. Mudou. Segundo, imediatos recursos para que a gente possa dar segurança a esse terreno” bradou Kellner.

Manifestação na Cinelândia. Foto: Erick Dau/Farpa/VICE

Horas depois, o Ministro da Educação Rossieli Soares anunciou o repasse inicial de R$ 10 milhões para a recuperação do museu. No entanto, nem ele nem nenhum outro ministro estiveram presentes na comemoração dos 200 anos da instituição, em junho. Não dá mais tempo. O palácio que abrigou a família real e guardou por 200 anos a história de povos extintos, uma infinidade de insetos raros e a memória de nativos indígenas agora é cinza e ferro retorcido.

Acervo histórico de 200 milhões de itens destruído

Dos mais de 20 milhões de itens do acervo do Museu, só o que sobrou foram os itens que estavam no primeiro andar e em um prédio anexo. Entre eles, o meteorito Bendegó, achado na Bahia em 1784 e levado ao museu em 1888, há 130 anos. Vasos indígenas do acervo também foram recuperados, mas a parte de Linguística dos povos nativos foi destruída.

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Carlos Sousa, historiador recém formado pela UNIRIO, estagiou no museu durante o primeiro semestre de 2017 e lamentou o estado de conservação das peças. “De todos os museus federais que visitei e trabalhei, ele era o que estava em pior estado mesmo. Foi até um choque. No Museu da República (no Catete, onde Getúlio Vargas se matou) o armário tem portas contra incêndio, enquanto no Nacional roupas e documentos eram guardados em armários de madeira ou ferro com péssima refrigeração”, afirmou o jovem de 26 anos. “As áreas destinadas ao acervo técnico tinha cheiro de mofo, muita madeira acumulada em alguns ambientes”, comentou.

Uma boa notícia surgiu entre as cinzas do Museu na manhã desta terça-feira (4): bombeiros encontraram um crânio que pode ser de Luzia, um dos itens mais lamentados por pesquisadores e entusiastas do museu. Encontrado em Lagoa Santa (MG), em 1974, ele é o mais antigo fóssil humano achado em terras brasileiras, e é estimado em 12 mil a 13,5 mil anos. Foi batizado de “Luzia” em referência ao crânio de Lucy, o mais antigo do planeta. Agora, um grupo de especialistas vai analisar o material para conferir se o crânio encontrado é mesmo o de Luzia.

Em um post no Facebook, o bombeiro Rafael Luz afirmou que estava de folga e decidiu voluntariamente ajudar os companheiros a conter o incêndio. A missão principal era salvar Luzia.

“Em determinado momento, pedi que o Vitor (um funcionário do museu) me mostrasse o local onde ficava a Luzia. Eu sabia a importância e relevância dessa peça. Fomos levados à sala onde ela estava (a exposta era uma réplica). Junto com o Tenente Coronel Vitoriano, entramos em uma sala ainda com focos e avançamos. Fizemos um esforço gigantesco e conseguimos nos aproximar e abrir o armário. Ao procurar Luzia, encontrei o armário vazio e um ferro incandescente que derreteu minha luva e queimou meus dedos. Doeu, muito. Saí da sala e chorei. De dor? Não. De frustração. Eu queria ter achado Luzia”, escreveu na rede social.

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Mais fotos das manifestações nesta segunda no Rio:

Manifestação em frente ao Museu Nacional. Foto: Valda Nogueira/Farpa/VICE

Manifestação em frente ao Museu Nacional. Foto: Valda Nogueira/Farpa/VICE

Manifestação na Cinelândia. Foto: Erick Dau/Farpa/VICE

Manifestação na Cinelândia. Foto: Valda Nogueira/Farpa/VICE

Manifestação na Cinelândia. Foto: Francisco Proner/Farpa/VICE

Manifestação na Cinelândia. Foto: Valda Nogueira/Farpa/VICE

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