Há 30 anos com HIV, Micaela Cyrino diz: “hoje a longevidade é possível”

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A artista plástica paulistana Micaela Cyrino, 30 anos, diz que viver com a Aids é possível mas, com o preconceito, não. Ela nasceu com o HIV, via transmissão vertical, quando a mãe passa o vírus para o bebê. Nos anos 80, Micaela acabou por perder os pais em decorrência da Aids e, por isso, passou a viver em um abrigo para crianças portadoras do vírus.

Desde criança, Micaela toma remédios antivirais e diz não saber o que é viver sem o HIV. “Nunca tive essa consciência da gravidade do que era (ser portadora do HIV)”, me diz a artista que afirma sofrer mais como o racismo e o machismo do que com a sua condição de soropositiva.

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Muito da militância de Micaela, que ajudou a fundar, em 2008, a Rede de Jovens e Adolescentes Vivendo com HIV/AIDS no Brasil, se dá no combate à discriminação. Isso porque a trajetória dela mostra que é possível ter uma vida longa e saudável, mesmo com o vírus. O combate à sorofobia, no entanto, ainda anda a passos lentos. “O HIV é o vírus da imunodeficiência e o remédio evita que ele se prolifere no seu corpo. Mas, para mim, o que foi criado socialmente em torno disso é muito macabro”, destaca.

Micaela também me conta que os remédios antivirais melhoraram e já não causam tantos efeitos colaterais. Hoje, com rápido diagnóstico e tratamento adequado, é possível baixar a carga viral para níveis indetectáveis. Ela fala mais sobre sua experiência, tratamento e combate à discriminação na entrevista abaixo:

VICE: Oi, Micaela. Há 30 anos você convive com o HIV. Quando entendeu o que era o vírus? Ele te assustou?
Micaela: Nunca tive consciência da gravidade do que era (ser portadora do HIV). Sempre levei (o vírus) como algo que existe, que está no meu corpo e, por isso, teria que me medicar uma vida inteira. O que me pegou mais foi pensar que aquilo era algo pra vida toda.

Você toma medicamentos desde criança? Você já teve ou ainda tem efeitos colaterais, por conta do uso dos remédios?
Antes, eram poucos medicamentos, mas muito agressivos para o corpo. Não havia opções de remédio para crianças, nós macetávamos comprimidos, não tinha em gotas, era muito mais difícil. Na infância, eu cheguei a tomar 18 comprimidos. Hoje, tomo três. Sempre senti dor de estômago e tonturas por conta da medicação. Cheguei a ter uma hepatite medicamentosa e precisei ficar no hospital para me tratar. Foi quando mudaram o esquema de medicação.

Os remédios para controle do HIV evoluíram, certo? Como era antes? E o que mudou?
Todo o tratamento é recebido via SUS. Você pode ter acesso a médicos do sistema de saúde particular, mas os remédios são distribuídos pela rede pública. As fórmulas eram mais agressivas do que hoje. A medicina avançou e os protocolos de tratamento mudaram.

E qual a sua frequência de idas ao médico? Você fica preocupada com isso ou só faz acompanhamento anual? Como funciona?
Até dois anos atrás, eu ia ao infectologista uma vez por mês. Agora, passo por consulta, no máximo, três vezes por ano.

Todo soropositivo que trata o vírus com a medicação adequada pode chegar a ter uma carga viral indetectável?
Antigamente, você tinha o diagnóstico positivo (para HIV), fazia um exame que mede as células de imunidade no corpo e, para tomar o remédio, tinha que apresentar um determinado resultado. Hoje, assim que você recebe o diagnóstico, passa a receber os medicamentos. Isso permite que o vírus fique indetectável em seis meses.

Você pode explicar como o antirretroviral age no seu corpo?
É um assunto que tem muita desinformação no Brasil e existe um exercício de educação que não está sendo feito – em boa medida, inclusive pela imprensa. O HIV é um vírus que promove imunodeficiência e o remédio previne a proliferação dele no organismo.

Em um vídeo , você conta que, quando criança, seu nariz sangrou na escola e isso te remeteu a uma bomba prestes a explodir. Alguém te ajudou a lidar com a sorofobia durante a infância?
Eu sempre entendi que tinha HIV e precisava dar conta disso. A sorofobia me alcança em outro lugar. Por ter nascido com HIV, as pessoas pensam que eu não tenho culpa, então, eu lido numa boa.

Você foi retratada, numa matéria deste ano, como uma pessoa soropositiva longeva. Na sua infância, entretanto, dava pra imaginar que era possível viver bastante com HIV? É um mito questionar a longevidade de um soropositivo, atualmente?
Eu posso falar de mim. Entendo que a longevidade (com o HIV) é possível. Mas eu não tenho como falar de pessoas que recebem o resultado (positivo) mais adultas, quando a saúde mental acaba ditando muita coisa. Faltam, por exemplo, recursos dedicados à saúde mental da população negra. Basicamente, não existem políticas públicas voltadas para a população negra, que dirá saúde para nós. Até hoje, as mulheres negras são as que mais morrem em decorrência da Aids.

Ao longo da sua vida, você acha que o preconceito diminuiu?
Como eu falo publicamente da minha sorologia, a sorofobia não me atinge diretamente. Eu sofro muito mais com o racismo e com o machismo.

Qual a sua recomendação, como ativista, para um jovem recém-diagnosticado?
Eu acho que ele deve procurar informação além da internet, tem que cuidar muito da saúde mental, além de ser medicado assim que souber da sua positividade. Eu diria que também é muito importante cuidar da espiritualidade e de tudo aquilo que envolve ser você.

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