A vida do bailarino Fellipe Camarotto é tão incrível que podia ser um filme. Tipo um longa-metragem dirigido por Quentin Tarantino e Woody Allen ao mesmo tempo. “É uma história fantástica, extraordinária. Mas não apenas para o positivo, também tem os momentos de surrealismo, de umas coisas que acontecem e você fala ‘gente, não é possível’”, diz Camarotto.
Quem assiste a esse filme ainda em construção fica encantado e emocionado. O começo já traz surpresas: um dos bailarinos mais prestigiados do Brasil, que rodou o mundo dançando no Bolshoi, sonhava em ser legista. “Via esses filmes e queria descobrir porque as pessoas morriam”.
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Nascido na periferia de Osasco, Fellipe Camarotto cresceu assistindo às apresentações de dança das primas. Quando, aos oito anos, pediu à mãe para fazer aula de dança, foi para o sapateado. “Na apresentação de final de ano, pediram pra fazer uma quinta posição, eu não sabia nem o que era isso”, conta. Ele alinhou os pés virados um para o outro com tanta facilidade que a escola de dança deu uma bolsa para que ele estudasse balé no ano seguinte.
“Com nove anos a gente não tem esse preconceito”, diz o bailarino, agora com 28 anos, sobre o balé ser considerado “coisa de menina”. “Mas, com o passar do tempo, não podia compartilhar com meus amigos, porque tem essa sociedade machista em relação à dança e à arte. Todo mundo achava que eu tinha uma vida normal, como eles, que era sair da escola e não fazer nada à tarde. Mas enquanto eles não faziam nada à tarde, eu estava no balé”.
Pelo fato de dançar e de ser homossexual, Camarotto se considerava muito diferente das pessoas. Na escola, encontrou uma amiga com quem podia ter papos mais abertos e filosóficos. “Os outros amigos não conseguiam acompanhar nossa conversa, era uma coisa totalmente diferente deles”. Ser um outsider o levou para a arte, mas também fez ele duvidar de si mesmo. “Foi ruim a partir do momento que comecei a me importar com a opinião das pessoas. Por eu ser diferente, e as pessoas falarem “ai, Fellipe, para!”, comecei a ouvir as pessoas e deixar de ser eu, deixar de ser esse diferentão, e tentar me adaptar.”
Aos 14 anos, Camarotto pensou em desistir do balé, mas um novo professor acabou sendo decisivo para sua carreira. “Ele me mostrou que poderia ser uma profissão, mas seria muito difícil para conseguir.” Depois de ouvir falar da Escola Bolshoi na TV, ele gravou um vídeo com a ajuda de uma amiga, e enviou o VHS sem contar para ninguém. A família toda se mobilizou para levá-lo na rodoviária e Camarotto, com 17 anos, se mudou sozinho para Joinville.
Sem bolsa, ele conseguiu um patrocínio com um empresário de Osasco. Três anos estudando e morando em diversas casas no sul do país, ele se formou e conseguiu seu primeiro emprego, na Companhia Jovem do Bolshoi. Foi o começo de diversas apresentações pelo Brasil, turnês na Itália e Uruguai, estágios na Rússia… Os sonhos se realizavam de forma natural, mas Camarotto avisou que este filme não é só alegria: o bailarino teve crise de pânico e começou a tomar remédios para se tratar porque “achava que ia morrer”.
“Sempre fui muito sonhador e sempre fui muito positivo. Tanto que quando eu tive crise do pânico parecia que era o oposto da minha vida”, diz. Com o sucesso na dança sempre acontecendo de forma muito natural, as crises de ansiedade foram importantes para que Camarotto cuidasse de si mesmo e decidisse seu destino. “Trabalhar com dança é muito difícil porque você tem que ficar o tempo todo provando o seu valor, tem muita pressão. Sou muito perfeccionista, cobro muito de mim, e estava me corroendo por dentro”. Ao fazer terapia, ele percebeu que lidar com essa cobrança não fazia bem para ele. “No palco eu estava mais dando prazer pro telespectador do que tendo prazer de dançar”, diz Camarotto, que desde 2014 trabalha dando aulas de balé, inclusive com cursos especiais para professores. “Consegui alcançar todos os objetivos que eu tinha e até os que eu não tinha. Viajei o mundo, fui uma inspiração para bailarinos mais jovens. Sinto satisfação agora em passar meu conhecimento”.
Entre os altos e baixos e as reviravoltas desse filme de tantos diretores, o ponto alto é com certeza a perseguição do sonho. “Eu não tinha essas amarras, esses preconceitos do mundo. Tudo era mágico, tudo era fantástico. Era uma perseguição de um sonho por amor”. Fellipe Camarotto termina nossa conversa contando que, ao gravar o vídeo que você assiste acima, se reconectou com esses sentimentos, numa experiência libertadora. “A minha dança tem muito a ver com a liberdade”.