Histórias aos pares SWR: coroas de pão e afrobeat



Quem já leu esta introdução, que faça scroll. Sim, vão levar com isto nas próximas semanas.

Estamos no ano 2013 depois de Cristo. Toda a Lusitânia está ocupada pela malta da pop, da pimba e da latinada… Toda? Não! Uma vila habitada por irredutíveis metaleiros resiste ainda (e sempre!) ao invasor. É desta pequena vila do norte de Portugal, de gente que faz da cerveja a sua poção mágica, de gente que nem medo tem de que o céu lhes caia em cima. É desta pequena vila que surgem as aventuras abaixo descritas. Nas Histórias aos pares SWR, convidamos duas personalidades do universo do metal por semana (até à data do festival) a partilharem as suas melhores histórias do SWR – Barroselas Metal Fest, que, este ano, realizar-se-á entre 24 e 27 de Abril, no sítio do costume.

Desenganem-se os que estão à espera de descrições detalhadas sobre concertos pesadões, ou sobre o virtuosismo daquele guitarrista ou de quem distribuiu mais porrada no mosh, porque há muito mais para contar sobre este pequeno festival do que aquilo que se possa imaginar.




(Baixista e vocalista de Theriomorphic, DJ de metal)

A caminho da minha décima quinta presença consecutiva no SWR, as histórias são inúmeras. Algumas boas, outras nem tanto, mas todas elas fazem deste festival algo de único. Escolher uma para contar, entre tantas — desde acidentes que podiam ter sido fatais, às amizades que ficam para toda uma vida —, não é fácil. Mas há uma que, sem dúvida, teve um papel fundamental, porque fez com que todas as outras viessem a ser possíveis, transpondo até as fronteiras do festival em si e fazendo com que várias outras histórias, directa ou indirectamente, fossem despoletadas pelos acontecimentos dessa noite memorável.


Algures em 1999.

Decorria o ano de 1999 e dois amigos desafiaram-me para ir a um festival no Minho, numa vila de qual nunca tinha ouvido falar. Disseram-me que era um festival organizado pelos irmãos Veiga, da fanzine Metalurgia. Não fazia a mínima ideia de quem eram os Veigas ou a tal de Metalurgia, mas a sugestão de voltar a passar um fim-de-semana cheio de heavy metal, regado a cerveja e outras iguarias, soou-me muito bem. Numa sexta-feira, carregado com mochila e saco-cama, juntei-me aos meus dois amigos e a um outro companheiro de viagem, que julgo não ter voltado a ver após essa aventura.

Saímos ao fim do dia e viajarmos numa velha carrinha que, se ainda existe, será certamente peça de colecção. Havia uma festa nessa noite, uma espécie de dia zero, na Casa do Povo, para fazer o aquecimento para os dois dias de festival. Subimos as escadas exteriores para o primeiro andar e entrámos na sala vazia onde estava o palco em que decorreria a segunda edição, ou, oficialmente, Attack II, do Steel Warriors’ Rebellion – Barroselas Metalfest (essa pseudo-intimidade de chamar o festival de SWR ainda não existia).

Depois das apresentações e das primeiras cervejas, começou a desenrolar-se uma daquelas festas que ainda hoje nos fazem rir, ao recordá-la. A dada altura, o sistema de som lançava clássico atrás de clássico e um punhado de malucos fazia headbanging frenético e air guitar, enquanto cada um subia ao palco da Casa do Povo e saltava para o chão repetidas vezes. Além dos quatro viajantes, os Veigas, um ou outro membro do staff da altura e mais outro conhecido jornalista do meio, não havia mais do que dez pessoas, mas essa festa espontânea foi bastante mais animada do que muitas outras festas, concertos ou festivais que vivi.

Após a sessão musical improvisada, a caminho da casa dos Veigas, passámos numa padaria que estava a abrir e ia ter pão quente. Cada um comprou uma regueifa e, retomado o caminho, alguém a pôs na cabeça, exemplo prontamente seguido por outros membros da comitiva. Assim, marchámos felizes, pelas ruas de Barroselas, coroados como Reis do Mundo, verdadeiros Guerreiros do Aço. As coroas acabaram devoradas com manteiga, na mesa da cozinha antes de irmos dormir. Ainda houve sessões de mosh, concursos de gases pestilentos e, por fim, uma sinfonia de roncos e respectiva distribuição de pontapés para os tentar silenciar. Os dias que se seguiram não foram mais calmos, longe disso, mas essa noite a cumplicidade que ali nasceu veio a dar origem a muitas outras aventuras memoráveis, que, inclusivamente, teriam influência na vida de várias outras pessoas.



JOAQUIM DURÃES (FUA)
(Lovers & Lollypops/ Milhões de Festa)

Passar som num festival de metal foi, desde sempre, um dos meus sonhos e ter a possibilidade de o fazer no melhor festival do género cá do burgo foi das propostas que mais me agradou aceitar. A noite começou com o DJ Kikas (da Degradagem) num set intercalado de clássicos do hip-hop com crust, grind e noise. Ninguém o compreendeu e foi rapidamente colocado de lado. Talvez, daqui a uns anos, percebamos o quão avant-garde foi o Kikas naquela noite. Logo de seguida, juntei-me ao Tojó (dos Black Bombaim) para aquilo que agora é conhecido como TOFU: um caldeirão de sons vindos de países longínquos, que funciona em qualquer sítio menos num festival de metal.


Os metaleiros inventaram o rebel bingo.

Ainda me lembro do Tojó estar a passar uma cena turca qualquer e uma gaja estar ao lado dele a gritar: “Passa metal! Passa metal!” De repente, toda a gente se lembrou de que tinha CDs no carro e foi assim que começou uma avalanche de discos pedidos, nunca antes vista pelos nossos lados. Não obstante, mantivemos a nossa toada psicadélica, o que valeu ao Tojó um banho de cerveja patrocinado pela mesma gaja que lhe tinha estado a gritar ao ouvido dele pouco antes.

Estava visto que a nossa estreia enquanto DJs do SWR tinha os seus minutos contados, mas eis que enveredamos por uma toada afrobeat e, com a adição de dois MCs, um cão e um velhote de Barroselas, a pista de dança incendiou. Durante uns momentos, o rei e senhor do SWR foi, nem mais nem menos, Fela Kuti e seus afilhados. A certa altura, parecia que estávamos numa qualquer festa em Lagos na década de setenta e não num festival de metal no coração do Minho, com gente semi-nua a dançar em cima do palco.

A celebração só acabou de manhã quando as malhas de afrobeat se esgotaram. Ou foi isso, ou foi porque o Ricardo ou o Tiago Veiga (já não me lembro quem) ordenaram o encerramento das festividades por se estarem a tornarem muito pouco trve.