Uma visão erótica da Ditadura

Uma época conturbada da vida brasileira. Autoritarismo, “milagre econômico”, tortura, o boom da indústria automotiva, inflação, as greves. Todos esses acontecimentos históricos estão no interessante documentário Histórias Que o Nosso Cinema (Não) Contava da diretora Fernanda Pessoa. Mas não pensem que esse é um filme didático sobre os anos de chumbo. A realizadora foi corajosa: optou por repassar os anos da Ditadura Militar utilizando trechos de longas-metragens de sucesso comercial do período, que ficaram conhecidos como pornochanchadas. “Quando comecei a pesquisa eu tinha uma visão bem preconceituosa desses filmes. Mas descobri que existe uma variedade de produções e elas são muito diferentes entre si”, admite a realizadora.

Imagem via Facebook.

Ainda assim, o filme não aborda apenas a história econômica e política do Brasil. A cineasta também consegue introduzir lances do comportamento da época, como aborto, divórcio, drogas e feminismo. Fernanda Pessoa optou por seu documentário ser uma colagem de vinte comédias e dramas eróticos representativos daquele momento. São produções cariocas e paulistas que foram chamadas pela crítica e pelos intelectuais como as “pornochanchadas”. “Essas películas foram chamadas assim de maneira pejorativa. Todos estão no meu filme por uma razão específica ou dentro de um certo contexto ficando esquecidos. Um exemplo é o Noite em Chamas do Jean Garrett que eu jamais chamaria de “pornochanchada” se tivesse que classificá-lo. Esse filme foi considerado “pornô-social” numa crítica do Leon Cakoff”.

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A maior dificuldade encontrada pela diretora e equipe técnica foi selecionar e encontrar cópias dos filmes em boa qualidade. “Nossa primeira dificuldade foi captar dinheiro para a produção. Mas o mais trabalhoso mesmo foi fazer a aquisição dos direitos e a busca por cópias de boa qualidade. Demoramos dois anos para conseguir adquirir todos os direitos e muitas cópias estão em péssimo estado de conservação”. 

Fernanda também conta que diversos detentores dos direitos dos longas não possuem cópias e órgãos que deveriam preservar as películas não estão num bom momento. “A Cinemateca Brasileira deveria possuir e preservar toda produção nacional, mas eles estão passando por uma crise institucional que impede a instituição de funcionar direito”. 

A diretora também destaca o trabalho do montador Luiz Cruz na realização do Histórias. “Eu cogitei montar o filme eu mesma. Mas eu sentia uma necessidade de um olhar exterior que me ajudasse a organizar esse material. Ele conseguiu dar sentido a algo que estava apenas na minha cabeça”.
A fórmula de Histórias Que o Nosso Cinema (Não) Contava é bastante parecido com outros docs brasileiros contemporâneos que utilizam trechos de filmes antigos por colagens como Belair (2011) de Bruno Safadi e Cinema Novo (2016) de Eryk Rocha. A diretora, no entanto, acredita que seu filme é diferente desses outros dois. “Eu sempre soube que além de fazer uma colagem, queria criar uma narrativa e um sentido, fazendo que os filmes dialogassem entre si, o documentário tinha que contar uma história”.

Histórias obteve resultados satisfatórios de crítica e público na última Mostra de Cinema de Tiradentes. O documentário estará presente em festivais internacionais como o Thessaloniki Documentary Festival na Grécia e no Cinélatino Toulouse na França. O longa-metragem também está confirmado para a Mostra de Tiradentes em São Paulo que acontece no final de março no Cinesesc. “Espero que esse trabalho entre comercialmente e rode o país participando de vários festivais e mostras nacionais. É um filme com a cara do Brasil”.

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