Esta matéria foi originalmente publicada na edição impressa de abril da revista VICE.
Em dezembro, Lewis e eu fomos admitidos na oficina de San Salvador, em um dos dois barrios rivais em Remedios, uma pequena cidade da costa norte na província cubana de Las Villas. Os trabalhadores nos receberam com uma mistura de confusão e surpresa, uma reação apropriada, acho, para dois estranhos aparecendo em seu local de trabalho apenas com uma garrafa de rum e um entendimento bem básico da língua. Ficamos parados lá, constrangidos, num canto de um grande pátio, cercado por quatro armazéns de frente aberta. Equipes de caras de 20 e poucos anos nos cercavam, martelando e pintando o que seria um fundo hipnótico para um confronto anual de fogos de artifício de proporções bélicas, um evento chamado Parrandas.
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Entre a multidão, notei um cara em particular, usando shorts jeans rasgado. Ele fumava um cigarro enquanto aplaudia o trabalho dos outros. Ele notou meu olhar e se aproximou, recusando minha oferta de um Camel (“Isso é cigarro de mulher”) e se servindo de um pouco de rum, antes de nos dar um pouco de água da garrafinha que estava carregando. Ele se chamava Ditto e tinha pele clara com sardas e olhos azuis. Ele era um dos muitos homens que trabalhavam no local nos últimos dois meses. Ele explicou que aqueles eram os últimos dias de trabalho pago antes que o dinheiro fornecido pelo estado acabasse. Como resultado, o ritmo de trabalho era frenético, sabendo que o prazo teria que ser cumprindo antes que o dinheiro secasse.
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Enquanto o sol começava a se pôr, as equipes se dispensaram. Uns dez continuaram ali. Eles se reuniram no fundo do barracão, pegando os últimos raios de sol e terminando a pintura. Um jogo de basebol era transmitido no rádio com estática no fundo.
Em Remedios, passamos a maioria das noites na praça principal da cidade, bebendo e assistindo bandos de adolescentes passearem, os braços dados, ignorando os assovios e gracejos. Ao redor da praça, rostos se iluminavam com as luzes dos celulares.
Quando não estávamos na praça, jogávamos dominó nas esquinas. O pessoal juntava cadeiras e bancos de várias casas, roubadas dos membros mais jovens das famílias e de baixo dos pés de mães descansando. A mesa, uma porta velha, veio de uma das duas casas. Ditto era proprietário de uma que só usava em caso de necessidade.
A inscrição nas moedas de pesos cubanos diz patria o muerte. Perguntei se Ditto acreditava nisso. Ele riu. Perguntei no que ele acreditava então, e ele fez o gesto de acariciar uma barba (o sinal cubano para Fidel Castro). Os sentimentos sobre o falecido líder variam com as idades: para as pessoas mais velhas o suficiente para lembrar da revolução — e das turbulentas relações subsequentes com os EUA —, Castro é um semideus, intocável. Para os que são muito jovens para lembrar essa era, ele representa um sistema econômico datado e a causa dos males de Cuba.
Nas semanas seguintes, quando os carros alegóricos do Parrandas foram concluídos, Ditto e seu primo Pacholo não tinham trabalho, então pegamos um ônibus para a praia. O motorista confiscou nossa garrafa de rum, nos sentamos como garotos de escola no fundão, passando por cidades poeirentas e terras vazias. Outdoors pontilhavam a paisagem com slogans nacionalistas; um deles se opondo ao bloqueio, uma injustiça contra Cuba. Passamos por um porto onde navios enferrujados flutuavam sem tripulação, a maioria do tipo pesqueiro. Não havia iates ou lanchas; o único barco navegável era um de desembarque militar. Ficamos imaginando quanto tempo de prisão você pegaria por roubá-lo. “Quinze anos”, apostou Pacholo. A praia em si saía de bancos de concreto, fundações de um hotel inacabado, uma construção aparentando ter sido abandonada décadas atrás. Além dela, a água verde crestada se estendia até a costa dos EUA. — PETER LANE
Tradução do inglês por Marina Schnoor.