Essa reportagem integra a série Brazica, a nossa busca pelo lado mais inusitado do futebol nacional. Acesse todas as matérias aqui.
A homofobia no futebol é onipresente. Ela está nas músicas cantadas pela torcida, no gesto do jogador, na piadinha do dirigente, na fala do árbitro… O que poucos comentam é de outra influência tão ou mais importante que fica fora do universo boleiro: a imprensa. Pode reparar: em anos de manchetes sensacionalistas e mesas redondas — algumas mais parecidas com mesa de boteco sem nenhuma relevância — muitos profissionais da imprensa normatizaram o preconceito contra LGBT+.
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Os alvos mais icônicos da imprensa recente foram Richarlyson, o jogador de futebol mais perseguido do Brasil, e Emerson Sheik, atacado pela foto publicada em uma rede social dando um selinho em um amigo.
O caso de Richarlyson, volante hoje sem clube, extrapola todos os limites. Na televisão, sempre foram comuns suas longas reportagens com duplo sentido. Se ele jogasse vôlei, era pauta; se mudasse o penteado, pauta; se cantasse num karaokê, não daria outra, era pauta. A única coisa que era pouco comentada era sua qualidade técnica, algo que o levou a vestir a camisa da Seleção Brasileira em 2008.
Nos jornais e sites noticiosos, suas fotos eram escolhidas de forma maliciosa. Um movimento de aquecimento, uma risada, uma pose diferente, tudo era motivo para expor o atleta. As manchetes também puxavam pelo tom ambíguo. Exemplos assim não eram raros: “ Em uma semana, Richarlyson diz ter dó de Sheik, assume opção sexual e é elogiado por Ronaldinho”. Outra: “ Ex-namorada de Richarlyson revela que não fez sexo com o jogador em três meses de romance”. (Um detalhe: a orientação sexual que ele assume é a de heterossexual.)
O atacante corintiano Emerson Sheik também foi vítima desta homofobia. Em agosto de 2013, o jogador, que na época jogava pelo Corinthians (ele voltou ao clube em janeiro deste ano), postou em seu Instagram uma foto de um selinho em um amigo, Isaac Azar, dono do restaurante Paris 6. Menos de 24 horas depois ele estava em rede nacional pedindo “desculpas” e tentando se explicar sobre o acontecido. Novamente a heterossexualidade precisou ser assumida. Alguns debatedores de mesas redondas aproveitaram a deixa para provocar os corintianos e chamar o gavião de beija-flor.
“Muitos jornalistas tratam este comportamento como algo do futebol. Acham que isso é parte da zoeira”, comenta o jornalista Breiller Pires. “Mas a gente tem uma grande responsabilidade na perpetuação desses preconceitos. Em vez da imprensa ter uma abordagem crítica com este tipo de comportamento, no futebol a gente acaba estimulando.”
Aos 32 anos, 11 dedicados à reportagem, o jornalista, que em 2016 foi premiado no 33º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo com a reportagem “Abuso sexual e tráfico de crianças ainda assombram o futebol brasileiro” publicada na VICE Brasil, reafirma a importância do tema. “Me preocupa a imprensa não ter visão crítica e combativa porque a homofobia e o preconceito e o tabu levam a coisas mais graves como a questão do abuso sexual”, diz. “Muitos jogadores não revelam terem sido abusados porque é um ambiente homofóbico. Isso se torna um tabu porque envolve meninos.”
O jornalista considera que a presença feminina nas redações ajudou a diminuir a homofobia e o machismo, mas relembra um outro ponto importante na cobertura esportiva: a falta de jornalistas assumidamente gays que cobrem futebol. “Tem vários colegas que nós desconfiamos que são gays, mas que não têm abertura para se assumir, porque sabem que dificilmente vão trabalhar, que o público provavelmente vai rejeitar um comentarista gay e muitas vezes só de falar sobre já te associam.”
“Se a gente se reprimir em tocar em temas tabus, em tocar em feridas com medo de ficar marcado por algum rótulo, pô, tem que abandonar o jornalismo, porque o nosso papel é contestar, ser combativo”, finaliza o jornalista.
Assista ao nosso documentário Bicha!, um mergulho na homofobia do futebol brasileiro:
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