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análise

A cultura da “cabeça de baixo”

Quinze exemplos de “machismozinho” no quotidiano. Aqueles que servem de inspiração aos “Netos Mouras” desta vida.
Não é preciso ter dois dedos de testa para saber que a sociedade é ainda marcadamente patriarcal. (Foto por Bruno Lisita/VICE Portugal)

Desde tenra idade, somos confrontados com as diferenças entre o homem e a mulher que ultrapassam as regras da anatomia. Esses detalhes subtis (ou nem tanto) vão-se enraizando no cérebro ao longo da vida e, em indivíduos ultra-conservadores, dificilmente mudam. O pior é quando esses "pormenores" são transportados para a violência física e psicológica.

Através do actual frenesim de notícias sobre assédio sexual à volta de figuras públicas no estrangeiro - por cá, são poucas as que se expõem -, e o inacreditável acórdão de um juiz português (Neto Moura) que justifica a violência de dois agressores (homens) com o adultério da vítima (mulher), somos lembrados da cultura patriarcal e misógina na qual a sociedade está negativamente alicerçada.

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Vê também: "Terra sem homens: nesta aldeia do Quénia só há mulheres"


E não julgues que as gerações mais novas estão imunes a esta forma de estar. Com os ensinamentos e a moralidade dada pelos pais (e por outros adultos que as rodeiam), os "critérios do passado" são um constante fantasma. O clássico de depois das refeições, em que as miúdas ficam a ajudar na cozinha e eles são libertados para fazer o que bem entenderem, continua a ser habitual em muitas casas.

Também não é de menosprezar que haja inúmeras mulheres que concordem com determinados tópicos que vais ler a seguir (inclusive frases corriqueiras). Não fossem elas o reflexo da sociedade que as envolve e as influencia, sendo a tradição judaico-cristã, no espectro ocidental, um dos culpados deste mind set. Como exemplo máximo, a assimetria entre homem e mulher na Igreja Católica, em termos hierárquicos, é aterradora.

Outra evidência: para a maior parte dos seguidores desta religião (ou de outras, se preferires), quando se fala de Deus projecta-se a ideia de um homem e raras são as vezes em que se fale de um ser feminino. Por alguma razão será.

Eis quinze exemplos que revelam um género masculino a pensar com a "cabeça de baixo" (alguns, literalmente…) e confirmam um machismo disfarçado de mentalidade normal, que vê o sexo oposto como inferior. Para estes "cro-magnons", elas jamais usarão "as calças".

1. "QUERIDA, VÊ LÁ SE FAZES RAPIDAMENTE A COMIDA, POIS VAI DAR A BOLA"

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Há quem pense que a sua esposa nasceu para ser a sua cozinheira, mulher de limpeza e escrava em tarefas lúdicas no meio dos lençóis.

2. ELA NO AUTOMÓVEL OU NA MOTO

"Para uma mulher nem conduzes mal…".

3. VERGONHA, INVEJA E A CONTA DO JANTAR

Receio que os outros saibam que ela contribui com mais dinheiro para o orçamento familiar. E, na hora de pagar o jantar, seja em grupo ou a sós, ele prefere dar o dinheiro para que não pensem que ela o sustenta. É a inveja e o receio da "diminuição da masculinidade" a falarem mais alto. Por falar em dinner & money, vê abaixo uma cena da série Hello Ladies, de um dos autores do emblemático The Office.

4. DO VESTIDO CURTO À VIOLAÇÃO É UM TIRINHO

"Esta veio em trajes provocadores, depois não quer que se metam com ela, ou mesmo que a violem".

5. OS PIROPOS NO MEIO DA RUA E…

Os "esfreganços"/"apalpanços" nos transportes públicos que levaram Joana Amaral Dias, candidata à Câmara lisboeta, nas últimas autárquicas, a sugerir, carruagens de metro exclusivamente no feminino, ou zonas específicas nos autocarros. De seguida, não faltou quem a acusasse de incentivar a segregação.

6. O PÚDICO ENTRE PORTAS

"O quê? A mãe dos meus filhos a fazer-me blowjobs e depois vai beijá-los? No way!".

7. O SEXAGENÁRIO E A SUA "LOLITA"

Entre o comum dos mortais, existe uma maior compreensão para com os gajos que tenham relacionamentos com alguém que podia ser sua filha, ou neta. É incomum ver-se o contrário. Há um certo apontar de dedo à mulher que apareça com o seu "Lolito".

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8. (B)ANALIDADES

"Se não me deixares ir por trás e continuares com essas pretensas dores de cabeça, depois não te queixes que procure noutro sítio".

9. GABAROLICE VERSUS EMBARAÇO

Ouvimos dizer em tempos o seguinte: se eles têm um historial onde afirmam ter "comido" dezoito, deve subtrair-se para metade. Elas é o oposto. Se dizem que já foram "para a cama" com três, deve-se somar o dobro. É a linha "ténue" entre o orgulho e o embaraço em admitir… Como sabes e foi expresso aqui, eles são glorificados como playboys se têm uma grande actividade sexual, elas umas "putinhas" se o fizerem indiscriminadamente. Sobre este assunto, recomenda-se o livro (e porque não oferecê-lo no Natal?) He's a Stud, She's a Slut…, da feminista Jessica Valenti.

10. COMENTÁRIO ALGURES DEPOIS DA MEIA-NOITE

"Esta veio sozinha à discoteca…Deve querer festa, deve…"

11. QUANDO O ADULTÉRIO É SOMENTE PERDOADO NO MASCULINO

Nesta alínea, usualmente ele acaba com a ligação afectiva imediatamente. Do outro lado da barricada, após a descoberta - e dependendo do grau de amor e da independência financeira - acontece a pergunta clássica, "Do you love her?". A tentação carnal é invariavelmente perdoada aos homens. Vê abaixo o que o projecto School of Life, do escritor suiço Alain de Botton, tem a dizer sobre a necessidade em "mijar fora do penico".

12. AS "RAMBOIADAS" DOS FILMES PORNO

A perspectiva do homem e a sua satisfação são as que mais se notam. Depois há quem conclua que isso deve ser praticado em termos pessoais.

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13. ELE PODE, ELA DEPENDE

Num relacionamento, se ela pretender ir a uma festa sem a companhia dele, há uma questão subjacente, ou seja, "Só vão amigas, certo?". And it gets worse, quando vem o afirmativo, "Só vais se eu for. E mai nada". Control freak, anyone?

14. TODOS (POUCO) IGUAIS, TODOS (UM TANTO OU QUANTO) DIFERENTES

Já se sabia que eles dominam os lugares de decisão, que as diferenças salariais entre os dois géneros continua a aumentar e, às vezes, é escandalosamente maior do lado masculino. Agora, num pequeno inquérito feito por uma psicóloga portuguesa, 80 por cento dos participantes acha que as mulheres têm que trabalhar mais para provar o seu valor. Por favor, não digas nada sobre esta sondagem ao engenheiro da Google que defende as desigualdades laborais. Naturalmente, acabou por ser despedido

15. O PODER DE DECIDIR, EXPLORAR E ABUSAR

O escândalo que envolve o produtor de cinema Harvey Weinstein foi o rastilho para que outros poderosos fossem denunciados. O assédio sexual é uma praga nos quatro cantos do Planeta e em todo o tipo de profissões. A balança entre quem manda e quem necessita é difícil de ser equilibrada.


Notas finais:

1) O sexismo acontece igualmente em muitas outras situações diárias da convivência humana. Não te acanhes e dá "cartão amarelo (ou de outras cores)" se fores alvo ou presencies algum acto.

2) Num recente episódio do programa "E Se Fosse Consigo?", na SIC, também foi relatada a violência das mulheres sobre os homens. Apesar de menos em termos estatísticos, a verdade é que também os há. E entre eles? Sim, não devem faltar casos de sexual harassment. Por falar nisso, Kevin Spacey, actor de House of Cards, não ficou nada bem na fotografia neste último fim-de-semana…

3) Há quase 20 anos, depois de ter sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, José Saramago explicou o que o leva a pensar que elas conhecem melhor os homens, do que estes em relação ao sexo oposto. Interessantíssimo, o seu ponto de vista. Espreita aqui parte da entrevista à RTP, a partir do minuto 21.30)

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