Por dentro das alegações de assédio sexual que destruíram o NeoGAF
Imagem: NeoGAF/Divulgação.

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Por dentro das alegações de assédio sexual que destruíram o NeoGAF

Relatos do dono do site, da mulher por trás das acusações e de vários moderadores mostram um escândalo complexo nos bastidores do fórum de games.

Matéria originalmente publicada no Waypoint . Conteúdo sensível a alguns leitores.

No final de semana passado, um dos fóruns de videogames mais populares do mundo, o NeoGAF, de repente saiu do ar. Depois de alegações de assédio sexual contra o dono do site, Tyler Malka, muitos dos moderadores do fórum excluíram seus perfis em protesto, as threads se referindo às alegações foram apagadas e os usuários do NeoGAF começaram a se revoltar. Agora o NeoGAF voltou ao ar, mas está "fechado para manutenção".

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Há incontáveis lugares para discutir videogames na internet, mas o NeoGAF é um dos caldeirões mais comuns, um lugar para fãs, desenvolvedores e críticos conversarem. E isso já tem 18 anos. O "neo" do nome veio da fragmentação do Gaming-Age, um site influente de videogames dos anos 90. GAF originalmente significava Gaming-Age Foruns. Agora, isso só é uma parte da longa história desses fóruns. (Mais de uma década atrás, escrevi para o Gaming-Age e fiz parte da equipe de moderadores do fórum.)

Depois de falar com Malka, com a mulher que fez as acusações e vários moderadores que ajudavam a comandar o NeoGAF, surgiu uma imagem complicada e desconfortável dos bastidores do site.

Uma história entre amigos próximos

As alegações contra Malka vêm de uma série de postagens no Facebook da cineasta norte-americana Ima Leupp, que estava compartilhando histórias de assédio sexual que encarou em sua vida e carreira como parte da campanha "#MeToo", na esteira das alegações contra Harvey Weinstein. (A "#MeToo" não foi realmente criada pela atriz Alyssa Milano, é meramente a última interação de uma campanha de conscientização que começou mais de uma década atrás.)

Leupp não deu o nome de Malka em seus posts originais, contando a história de "um homem, que dizia ser meu amigo", e o que aconteceu numa viagem para Nova Orleans em abril de 2015. Quando as pessoas perguntaram nos comentários que era o homem de quem ela estava falando, ela disse "Google Evilore". Na internet e nos fóruns do NeoGAF, Malka usa o pseudônimo EviLore.

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Leupp diz que os dois estavam bebendo e que depois ela passou mal no quarto de hotel. Enquanto ela se limpava no chuveiro, ele se aproximou dela "totalmente nu" por trás.

"Eu tinha namorado na época e não acho que dei a ele nenhuma razão para acreditar que eu queria isso", ela disse na postagem. "Eu não traio. Então eu disse que aquilo não era certo, que eu estava passando mal, que eu tinha um namorado, que eu não queria aquilo."

Leupp alega que Malka "ficou ressentido", e se tornou "mau" durante a viagem pela cidade. A relação dela com o namorado teria acabado logo depois, parcialmente pela culpa que sentiu no incidente com Malka.

Os dois trabalharam juntos no passado; Malka atuou em um dos filmes dela do começo de 2015. No final de semana, Leupp me mandou o roteiro da gravação, listando Malka como o personagem "Bandido 1".

"Eu não podia falar sobre essa situação porque o assediador é uma subcelebridade que teria retaliado e eu não poderia me defender", ela disse.

E de fato, ela não fez alegações públicas. Em vez disso, amigos tiraram screenshots da postagem e começaram a circular, eventualmente tornado a história pública e viralizando.

"Eu nunca quis falar sobre isso publicamente. Eu nunca quis que nada disso acontecesse. Era uma história que surgiu. Em vez de apenas repostar a hashtag, achei que se eu descrevesse mais detalhes de certas situações, isso se tornaria mais real para amigos na minha vida."

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Malka não comentou publicamente sobre as alegações, mas numa série de e-mails que troquei com ele no final de semana, ele foi contra a história. Os dois não se falam há anos, segundo Malka. Ele chamou Leupp de "profundamente perturbada e maliciosa", uma caracterização que Leupp, numa entrevista comigo nesta semana, atribuiu a tentativas de Malka de gaslighting.

"É uma tempestade perfeita de misantropia e oportunismo", disse Malka, que descreveu as acusações como "totalmente ridículas e sem base".

Quanto ao incidente descrito por Leupp, Malka chamou a situação de "totalmente harmoniosa e consensual".

Leupp, no entanto, disse que nunca deu indicações de que a noite se tornaria sexual.

"Lembro claramente de fechar a porta", ela disse, "talvez não totalmente, mas o suficiente para me sentir protegida. Eu não ia ficar pelada na frente dele e dizer 'Ah, vou vomitar. Quer entrar no chuveiro comigo?' Isso é nojento."

Ela chamou a insistência dele de que seu avanço foi consensual de "iludida".

Malka criticou Leupp ainda por apagar o post no Facebook depois que as alegações começaram a circular, como evidência de que ela estava inventando a história ou exagerando certos detalhes do encontro. Leupp me disse que não foi esse o caso; ela colocou o post como privado para que as pessoas parassem de fazer screenshots e compartilhar online, já que seu perfil também inclui outros assédios que ela sofreu.

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"Não deletei isso por vergonha ou algo assim, só fiquei com medo", ela me disse. "Isso nunca deveria ter ido a público. Eu nunca quis que isso acontecesse. Foi uma história que surgiu. Em vez de apenas repostar a hashtag, achei que seu eu descrevesse mais detalhes de certas situações, isso se tornaria mais real para os amigos na minha vida."

Ela não tinha intenção de falar com (ou sobre) Tyler de novo, mas ela também não tem trabalhado desde que as alegações vieram a público; ela está preocupada com sua segurança. Leupp disse que, na época, estava num relacionamento aberto com o namorado, mas a parte aberta era exclusiva para mulheres, não homens. Leupp diz que seu namorado conhecia e confiava em Malka.

Ele continuaram a sair juntos, segundo Leupp, porque ela atribuiu o incidente a ele "estar bêbado naquela noite". Eles falaram sobre o que aconteceu, "que não era legal", e ele pareceu receptivo ao feedback.

"Eu não tinha razão para não confiar nele", ela disse. "Foi uma coisa escrota, mas tendo a dar uma segunda chance para todo mundo. Ele já tinha me convidado para ir à E3."

Malka e Leupp fizeram sexo consensual uma vez depois do incidente do chuveiro.

A maior interação deles veio mais tarde naquele ano, durante a viagem para a E3, em Los Angeles. Malka alugou um AirBnB para os amigos ficarem durante a semana e diz que os conhecidos mútuos sabiam que o relacionamento entre ele e Leupp era sexual, já que eles compartilhavam uma cama. Mas Leupp contestou a natureza sexual da relação e, enquanto eles estavam mesmo dividindo a cama, eles nunca transaram na E3.

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"Acho que ele se sentiu rejeitado e começou a ir atrás de outra garota", ela disse.

Segundo Malka, ele foi direto sobre um "outro interesse romântico" participando da viagem, e que isso "poderia levar a algum lugar". Ele diz que uma das primeiras interações entre a outra mulher e Leupp se mostrou explosiva, resultando em Leupp se tornar "cada vez mais hostil e amarga". Ele disse que ela teve "dois surtos mentais públicos" antes da viagem acabar. Esses surtos, insistiu Malka, estavam relacionados a um "histórico de doenças metais sérias".

Leupp chamou essas insinuações de "mentira". Os confrontos com Malka naquele final de semana foram, segundo ela, porque Malka tinha se tornado agressivo com ela. Leupp também estava cada vez mais desconfortável com como ele estava abordando a outra garota: "Tentando deixar ela bêbada, passando a mão, a tirando do grupo sempre que podia e a isolando".

Malka diz que as acusações contra ele são produtos da hostilidade que se desenvolveu na viagem para a E3. "Essa acusação que ela fez no Facebook alguns dias atrás, foi a história que ela inventou para começar brigas mesquinhas e maliciosas durante a situação do triângulo amoroso anos atrás", ele disse.

O relacionamento deles acabou depois da viagem para a E3, enquanto eles estavam no aeroporto indo para casa. As tensões da última semana emergiram e Leupp chamou Malka de "quase estuprador", descrevendo suas ações como "inapropriadas". Os dois se bloquearam nas redes sociais depois disso.

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Uma história de ações questionáveis

Essa não é a primeira vez que Malka foi criticado por uma possível má conduta sexual, uma situação onde Malka ofereceu um conjunto confuso de explicações para seu comportamento e ideias de consentimento. Em 2012, Malka estava viajando pelo mundo e compartilhando histórias sobre a jornada num thread do NeoGAF. Um usuário começou uma thread depois de ler uma passagem onde Malka falava sobre tocar uma mulher:

Uma das várias postagens que Malka fez em defesa de suas ações em 2012. Imagem: NeoGAF.

"Em um ponto, uma garota num bar que não falava inglês veio até mim e começou a flertar, depois me pediu para pagar um drinque para ela, como [o usuário] Itxaka traduziu quando eu não sabia o que diabos estava rolando. Eu ri, porque os drinques lá eram dois euros, o que consenti, e depois agarrei a bunda dela forte para mostrar que ela não ia tirar vantagem de mim, e ela desistiu de me tratar como alvo e foi embora sem pegar seu drinque."

"Ela começou a agarração. Estávamos brincando e rindo sobre a coisa toda e eu a vi mais tarde naquela noite e as brincadeiras e risos continuaram. A indignação feminista nesse tópico não poderia estar mais longe da verdade."

Em resposta, Malka tentou se defender dizendo que era um "cenário específico" onde todo mundo estava "chapado, com milhões de pessoas numa festa onde o normal é jogado pela janela", e que a mulher iniciou o contato físico. No entanto, nessa postagem e em outras, Malka foi além de simplesmente descrever um incidente, oferecendo suas crenças sobre consentimento, e por que ele se sentiu confortável para "agarrar a bunda dela".

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"Peguei na bunda dela para deixar claro que não sou um capacho gerador de drinques e fui embora", ele disse na época. "Essa é uma escalação do contato? Sim, de certa maneira. É uma iniciação do contato? Não. Você ainda quer dar queixa de mim por assédio sexual? Provavelmente, e nenhuma quantidade de contexto vai te convencer do contrário nesse caso, mas fico um pouco nauseado que pensem tão pouco de mim."

Quando pressionei sobre o incidente, e como a coisa ficou parecendo sob a luz das últimas alegações, Malka chamou a situação de "algumas frases mal pensadas no meio de uma passagem sobre os eventos daquele dia". Sua descrição dos eventos na Espanha se tornou menos agressiva, uma "troca fofa e divertida" em vez de um ato de poder para mostrar sua dominância. As duas caracterizações que Malka fez daquela noite não poderiam ser mais inconsistentes ou diferentes uma da outra.

Malka afirma que o incidente foi exagerado para difamá-lo, uma consequência da posição forte do NeoGAF no GamerGate, mesmo tento sido discutida no próprio NeoGAF.

(É verdade que o NeoGAF tomou logo cedo uma posição severa contra a retórica do GamerGate, frequentemente banindo e fechando threads com as discussões. Muitos dos primeiros lugares onde as alegações de Malka foram discutidas eram espaços online abertos ao GamerGate.)

Dada a relação hostil entre o GamerGate e o NeoGAF, alguns imaginaram se as alegações contra Malka não foram fabricadas por envolvidos no GamerGate. Vários moderadores com quem falei disseram que essa foi a reação inicial interna. É uma coisa comum ter usuários "sacrificando" suas contas postando comentários inflamatórios, sabendo muito bem que serão banidos.

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"O drama online não é novidade para o NeoGAF, mas quando a alegação é que o dono do site assediou alguém sexualmente, e é permitido que isso saia do controle até um ponto onde a coisa fica feia, é difícil justificar continuar aqui."

Todos os moderadores com quem falei pediram para serem mantidos anônimos, citando medo de assédio e exposição online, o que acontece muito entre a equipe do NeoGAF, mesmo antes do incidente.

Quando as alegações surgiram, um moderador me disse que Malka rapidamente as negou. Mas um coro de perguntas legítimas emergiu; até a equipe de moderadores queria mais respostas. Num canal privado do Slack para moderadores, Malka disse que uma declaração pública viria em breve.

"O drama online não é novidade para o NeoGAF", disse um moderador, "mas quando a alegação é que o dono do site assediou alguém sexualmente, e é permitido que isso saia do controle até um ponto onde a coisa fica feia, é difícil justificar continuar aqui sem saber se há um plano claro. Não saber como a coisa se desenrolaria foi o que selou o acordo para mim. É impossível moderar o fórum de boa fé quando sou incapaz de responder honestamente perguntas que as pessoas podem ter sobre essa questão."

A espera foi o que fez esse moderador, e muitos outros, desistir.

"Horas se passaram sem uma declaração", disse outro moderador. "Outros mods começaram a reclamar sobre as coisas ruins que recebem fora do site. A coisa estava começando a parecer muito familiar. Esperamos, mas não havia declaração."

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A coisa era familiar porque o NeoGAF tinha se envolvido em outra tempestade recentemente.

Em junho de 2017, um usuário e ex-moderador do NeoGAF, Amir0x, foi preso por acusações de pornografia infantil. A polícia teria encontrado "53 imagens e um vídeo de pornografia infantil no celular de Goldberg, além de provas de que ele havia baixado pornografia infantil em um notebook". O vídeo supostamente mostrava crianças de quatro anos de idade.

"Na época", disse um moderador, "as notícias estavam chegando depressa e como equipe, decidimos contatar Malka e deixar ele formular uma declaração, porque esse é o site dele. Levou um tempo pra entrar em contato com ele, e quando conseguimos, ele enrolou para escrever a declaração. A declaração que ele publicou no final estava longe de ser o que esperávamos, e acabou colocando a mira em alguns de nós."

A declaração de Malka sobre Amir0x, que pode ser lida na íntegra aqui, diz que ninguém sabia o nome verdadeiro de Amir0x e dá uma explicação sobre por que a gerência demorou tanto para fazer uma declaração oficial. Um moderador disse que essa afirmação era "claramente falsa" e que "os usuários sabiam que era conversa fiada".

Os moderadores não tiveram permissão para fazer declarações subsequentes, resultando em críticas compreensíveis sobre por que a gerência faria uma declaração tão tímida sobre a própria história.

"Cheguei muito perto de desistir na época", disse o moderador. "Acho que muita gente se sentiu assim. Ainda não sei por que não desisti. Acho que porque o GAF em si é muito importante para mim mesmo agora."

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Preocupado com outro incidente Amir0x e possibilidade de exposição e assédio, os moderadores foram desistindo um atrás do outro. Quando perguntei sobre o êxodo, Malka aceitou pouco da responsabilidade, em vez disso apontando como uma "caças às bruxas" estava tentando macular ele e o NeoGAF.

"Uma porção significativa da equipe se levantou em resposta [às alegações]", disse Malka, "o resto da negatividade deste ano atingiu um pico. 2017 tem sido deprimente e tóxico para moderadores nas redes sociais, com mensagem políticas num fórum que deveria ser principalmente sobre videogames. Eu entendo, e não culpo nenhum deles por ir embora."

Ninguém sabe o que acontece agora

O futuro do NeoGAF é incerto. Todo tipo de alternativa para os fóruns está aparecendo, mas um herdeiro para o trono dificilmente surgirá tão rápido. Malka me disse que o NeoGAF deve voltar operando com força total, e que num futuro próximo, ele será reestruturado para focar mais exclusivamente em videogames. O NeoGAF aparentemente vai "se afastar das discussões off-topic cada vez mais insustentáveis que tornaram 2017 um ano tão estressante para todo mundo".

"Quanto a mim, não tenho motivo para ir me esconder embaixo de uma pedra", ele disse. "Estarei no leme como sempre estive."

Ainda é estranho que os primeiros comentários de Malka sobre as alegações tenham vindo para um repórter, não para a comunidade em si. Mais de 48 horas depois que as questões foram levantadas, Malka ainda não disse nada nas redes sociais. Um padrão parece emergir: Malka foi lento e constrangido para responder às revelações de que um de seus próprios moderadores, um progressista, era pedófilo, e Malka foi lento e constrangido para responder às alegações feitas sobre sua própria conduta.

E isso combina com o que os moderadores com quem falei descreveram como o estilo de gerenciamento "largado" de Malka quando se trata das políticas do site – exceto em casos onde é conveniente para ele.

"Historicamente há muito insatisfação com casos onde ele passou por cima de nós, criou políticas por capricho, ou fez coisas só depois que pedimos", disse um moderado.

No final das contas, pode ter sido as próprias ações de Malka (ou inação) que levaram ao fim do NeoGAF.

A mulher que falou sobre o caso, no entanto, só quer seguir com sua vida.

"A única coisa que ganho com isso é assédio", disse Leupp. "Não estou tentando acabar com a vida dele. Eu não estava tentando denunciá-lo. Eu estava respondendo a uma maldita hashtag sobre abuso sexual, e essa história se encaixa muito bem. Quem entra no chuveiro com uma garota nua vomitando?"

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