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Imagem: Divulgação/Netflix.
Entretenimento

'Irmandade' traz grande elenco e produção, mas esbarra em lugares comuns

Série brasileira da Netflix estrelada por Naruna Costa e Seu Jorge conta a história de uma facção criminosa em São Paulo.

A nova série brasileira da Netflix, Irmandade, soa familiar. A história começa no jovem Edson (Seu Jorge), fugindo da polícia após uma denúncia do próprio pai. Após 20 anos encarcerado, sua irmã mais nova, Cristina (Naruna Costa), descobre que não só o irmão responde por mais crimes dentro da cadeia como também lidera uma facção criminosa criada dentro de um presídio em São Paulo, batizada de Irmandade. Farto dos maus tratos e a morosidade da justiça, Edson cria o grupo como resposta ao sistema corrupto do Estado. Cristina é advogada e foi criada sob o código moral rígido do pai, falecido não muito tempo atrás e agora se encontra em um sério dilema moral entre fazer o que a justiça brasileira considera o que é correto ou estreitar seus laços com o irmão.

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Irmandade estreia nesta sexta-feira (25) na Netflix e demorou cerca de dois anos para ser desenvolvida. Segundo Pedro Morelli, que assina a direção geral, criação e produção executiva, foi realizada uma extensa pesquisa sobre facções criminosas no Brasil, entrevistando pesquisadores, ex-presidiários, policiais e promotores para dar vida à Irmandade. “A primeira abordagem que pensamos foi a história ser contada do ponto de vista de um policial, mas isso é o que você mais vê nesses casos. Por isso, decidimos em contar sob a ótica de uma mulher, a Cristina, interpretada pela Naruna,” disse Morelli. É inevitável reconhecer muitos pontos em comuns da série com a história do Primeiro Comando da Capital, uma das maiores facções do país que nasceu em São Paulo nos anos 1990 após o Massacre do Carandiru, porém o diretor logo frisa que a série não se baseou na história de nenhum grupo específico da vida real. “Nós misturamos tudo”, explica.

Para viver Edson, um homem com um código próprio de ética e líder da organização, Seu Jorge disse que contou até com umas dicas de gíria e prosódia de Mano Brown, vocalista dos Racionais MCs, para viver um homem de São Paulo. O ator e cantor, nascido no Rio de Janeiro, conta que foi um trabalho “intenso e profundo” para mergulhar no personagem. Já a atriz Naruna Costa, com um extenso trabalho no teatro e televisão, revela que o enredo da série segue uma lógica de tragédia, acompanhando os dilemas e conflitos de Cristina perante o Edson e Marcel, seu irmão mais novo, interpretado pelo ator baiano Wesley Guimarães.

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Parte das gravações ocorreram em um presídio nos arredores de Curitiba, Paraná. Foi lá onde grande parte da produção e os atores classificaram como um momento desafiador da série. Sendo observados pelos homens encarcerados neste mesmo presídio, Seu Jorge conta que foi reconhecido e recebeu um “salve” de apoio. “O cara tava gritando da cela dele ‘representa nois aí’ e achei maneiro, porque eles estavam me bancando”, conta. “Gravando lá percebi o quão valiosa é a nossa liberdade.”

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Assim como grande parte das produções assinada pela O2 Filmes, a série é rica em detalhes e na ambientação que realmente consegue por alguns momentos transportar o espectador para uma São Paulo dos anos 1990, usando também uma boa seleção de músicas de rap da época. A sorte para a produção (e azar para todo mundo) é que o realismo nas cenas do Poder Judiciário ficou forte, até porque pouco mudou estruturalmente os fóruns criminais, gabinetes de juízes e no Tribunal de Justiça. Entretanto, o roteiro da série ainda cai em lugares comuns com personagens falando bordões ou precisando o tempo topo demonstrar quase que literalmente o que está sentindo internamente. Às vezes parece que o diálogo é de 2018, o que é perfeitamente normal.

Há uma certa forma de linguagem e narrativa bastante usada nas produções nacionais, muitas vezes sendo mais novelesca e não apostando em algo mais sutil e experimental que uma série pode abrir a possibilitar. Isso não significa que o estilo novela seja ruim ou que Irmandade não vale a pena o clique, só poderia ser mais.

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O curioso é que poucos meses antes de Irmandade, a Netflix lançou Sintonia, série produzida pela Kondzilla sobre três jovens da periferia de São Paulo. Grande parte dos comentários, positivos ou negativos, tocaram na questão das gírias usadas pelos personagens que transitam desde os becos e vielas da periferia de São Paulo, estúdios de funk e nos bastidores de uma facção criminosa. Houve uma inovação importante em Sintonia, a ponto de estranharem o uso de gírias atuais faladas por jovens da periferia.

Assim como as gírias e a linguagem codificada em The Wire são um elemento essencial para a genialidade da série do David Simon, Sintonia houve a mesma tentativa. Os atores em Sintonia, grande parte iniciantes, também se mostraram mais naturalizados com o “dialeto” do roteiro. Já Irmandade traz boas atuações porque os atores são experientes. Naruna Costa fez séries, peças e diversas produções artísticas com uma forte carga política, se mostrando muito confiante e natural como Cristina. Seu Jorge também estrelou em produções nacionais e internacionais, sabendo já como se preparar e se ambientar ao interpretar um personagem. No entanto, por conta de alguns lugares comuns no roteiro e a necessidade deste querer expor o tempo todo para o espectador o que está acontecendo e o porquê, os personagens de Irmandade acabam cansando um pouco por serem previsíveis.

A série conta com ótimos momentos e cenas, e isso acontece justamente quando não há pretensão de cravar nenhum argumento na cabeça do espectador. Aí que os atores, cenário e história brilham juntos na tela. Com destaque ao ator Pedro Wagner que interpreta Carniça, papel que o ator disse que saiu da sua zona de conforto, e foi livremente inspirado no vilão de Wild At Heart, interpretado por Willem Dafoe.

Vale a pena? Vale, mas poderia ter estourado muito mais na norte.

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