Parece cada vez mais que o acidente de avião ocorrido nesta segunda-feira na França, causando a morte de 150 pessoas, tenha sido causado porque um dos pilotos desligou o piloto automático e derrubou o avião intencionalmente. Por que ainda deixamos que pessoas pilotem aviões de passageiros?
A resposta mais simples é que, na verdade, não deixamos. Não é segredo nenhum que os aviões atualmente já são extremamente automatizados, e com a tecnologia disponibilizada hoje (mas não instalada no Airbus A320 operado pela Germanwings que caiu), seria possível que alguém em uma estação em algum lugar tivesse tomado o controle da aeronave e religado o piloto automático (ou até mesmo pilotado o avião do chão).
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Do jeito que as coisas estão, os pilotos usam os controles do avião por períodos curtíssimos de tempo em qualquer voo. De acordo com um estudo recente realizado pela pesquisadora da Universidade Duke, Missy Cummings, em que foram entrevistados 11 pilotos comerciais responsáveis por aviões Boeing e Airbus, eles mal encostam nos manetes. O estudo está disponibilizado ao final deste texto.
“Pilotos do [Boeing] 777 concordaram que passam cerca de 7 minutos em um voo comum de fato ‘pilotando’ a aeronave, ou seja, com as mãos nos controles”, escreveu no estudo Missy Cummings, ex-piloto militar e pesquisadora de sistemas não-tripulados do Laboratório de Seres Humanos e Autonomia da Universidade Duke e do Laboratório de Seres Humanos e Automação do MIT. “Os pilotos do Airbus declaram ter ‘pilotado’ suas aeronaves em metade deste tempo.”
“A reação inicial negativa logo foi seguida por uma série de questões de negociação, do tipo ‘Posso assistir filmes?’ ou ‘Posso ler um livro?’”
Cummings há muito fala sobre um futuro em que pilotos, no sentido tradicional do termo, não fariam nada – ela já viu pilotos de jatos perderem seus empregos para drones no exército, e espera que o mesmo aconteça, eventualmente, em aviões comerciais. Para ela, a maior parte destes aviões já são como drones, de certa forma.
“Aqueles três minutos em que os pilotos de Airbus controlam o avião não é porque é eles precisam fazê-lo, são apenas procedimentos. Isso ocorre somente durante a decolagem”, disse.
A noção de que pilotos não fazem lá muita coisa, claro, não é muito popular dentro da indústria de aviação.
É fato que o piloto automático não pode ser responsável por todas as possibilidades com as quais um avião pode se deparar, e puristas apontam para Sully Sullenberger, o piloto que conseguiu pousar em segurança um avião da US Airways no Rio Hudson após ter sido atacado por um bando de gansos. O heroísmo de Sullenberger, e outras ocasiões em que um piloto ou copiloto tiveram mesmo que tomar controle da situação para evitar um desastre, são usados como evidência de que estes pilotos ainda continuam necessários e úteis.
Mas, novamente, há casos, como os ataques de 11 de setembro, o voo 990 da EgyptAir de 1990, e o desastre desta semana, em que o piloto, ou um sequestrador, ou alguém pilotando o avião, torna-se a coisa mais perigosa para a segurança específica daquele avião.
“Os comandos poderiam vir de uma estação de controle em terra”
Mas a proposta não precisa ser preto-no-branco assim. Um avião controlado de forma inteiramente automática sofreria acidentes de tempos em tempos, mas deixar o controle completo à disposição daqueles a bordo, durante 100% do tempo, não deu certo também.
Então Cummings e outros tem pensado em um sistema em que um dos pilotos fica na cabine, e o outro é um robô – ou pelo menos um grupo de pessoas – em terra. De cara, economizaria muito dinheiro para as companhias aéreas com salários de pilotos, o que o torna atraente para estas empresas (agora se queremos automatizar tudo e nos livrarmos dos pilotos, é outra história). Além disso, poderia prevenir catástrofes como a citada anteriormente.
“Aquele Airbus poderia, com algumas simples mudanças, ser controlado remotamente”, disse Cummings. “Eles são operados com um sistema conhecido como fly-by-wire digital, onde os pilotos, por meio de zeros e uns, dizem ao avião o que fazer. Estes comandos não precisam estar lá, eles poderiam vir de uma estação de controle em terra.”
Pilotar um avião em terra firme (ou levá-lo acima do chão, em caso de emergência) levanta uma série de outras questões, notadamente preocupações com hackers. Mas os militares fazem isso com drones o dia inteiro e todos os dias, e comunicações criptografadas ajudariam muito na prevenção de algo assim. Os computadores à bordo poderiam, no caso de perda de conexão, pousar o avião automaticamente, o que já é feito com o drone Global Hawk dos militares.
Inclusive, é algo que a Boeing já patenteou. A empresa projetou e patenteou um “sistema de piloto automático ininterrupto” que poderia assumir o controle do avião desde o solo.
A empresa não me falou se este já foi instalado em algum de seus aviões, mas Cummings suspeita que não porque tal sistema teria que receber certificação da Administração de Aviação Federal norte-americana.
“A Boeing tem o compromisso de projetar aviões seguros e protegidos – de acordo ou excedendo todas as exigências regulamentares aplicáveis para segurança física e cibernética”, disse-me um porta-voz da Boeing. “Por questões de segurança, não discutimos características específicas do projeto de aviões.”
Tais funções surgirão, eventualmente. Uma empresa de pesquisas britânica chamada ASTREA testou aviões de passageiros 100% sem pilotos, e as funções automatizadas já existes não irão simplesmente sumir.
Cummings não acha que um dia nos veremos às voltas com aviões totalmente sem pilotos – não porque não pode ser feito, mas porque tem que ter gente a bordo para lidar com passageiros indisciplinados, marcação de assentos, essas coisas (outros sugeriram que este papel poderia ser desempenhado por um comissário de bordo, que também saiba pilotar o avião). Isso é, até chegarmos ao ponto de que um robô humanoide possa fazê-lo, uma possibilidade que de acordo com Cummings está muito mais distante do que aviões sem pilotos.
“Acho que veremos aviões de carga completamente automatizados em uso por empresas como a UPS e DHL”, disse. “Acho que a figura presente no avião de passageiros terá cada vez mais o papel de supervisora, com o resto sendo feita pela equipe em terra”.
Lembre-se que Cummings recentemente conversou com 11 pilotos de aviões comerciais sobre a ideia de trocar seus copilotos por um robô no solo. Suas primeira preocupações não foram quanto à segurança – pelo contrário, eles se viram pensando no que fariam na cabine sem ter alguém para conversar.
“As reações iniciais indicaram fortemente que ser a única pessoa ali seria uma experiência solitária, e sua preferência inicial era a de ter mais alguém na cabine”, escreveu Cummings.
“Em quase todos os casos, esta reação inicial negativa era logo seguida por uma série de questões de negociação, do tipo ‘Posso assistir filmes?’ ou ‘Posso ler um livro?’”, adicionou. “Ao reconsiderarem e com a ressalva de que enquanto pudessem fazer algo para se manterem ocupados, os pilotos no geral sentiam que a perda de outra pessoa não era algo tão ruim assim”.
Tradução: Thiago “Índio” Silva