Da coluna ‘Please Kill Me‘.
Nos anos 90, a família do famoso vocalista do Dead Kennedys, Jello Biafra, vivia a alguns quarteirões da casa de JonBenét Ramsey em Boulder, Colorado. Em 1996, ele estava na vizinhança quando a garotinha loira de seis anos foi brutalmente assassinada. Por que o FBI nunca o entrevistou, isso o mundo nunca vai saber, mas aposto que ia ser muito engraçado.
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Em vez de falar com o FBI, achei melhor conduzir minhas próprias investigações no mundo selvagem de Jello Biafra para saber o que ele estava fazendo naquela noite fatídica… e quem roubou aquele pirulito de plástico do gramado dos Ramsey. Leia abaixo.
JonBenét Ramsey
Um dia depois do assassinato de JonBenét Ramsey, eles publicaram quatro ou cinco parágrafos sobre isso na primeira página do Boulder Daily Camera. No dia seguinte, foi o triplo disso; e no seguinte, eram páginas e mais páginas. O circo tinha chegado à cidade. Foi uma loucura.
Muitos jornalistas nacionais passavam a maior parte do tempo no bar do Harvest House Hotel enchendo a cara uns com os outros. Eu tinha acabado de voltar de um show de ano novo no Blue Bird, em Denver, e ainda estava animado. Tinha sido um show ótimo, muita energia. Eram três da manhã, a noite ainda era uma criança, eu estava entediado. O que eu podia fazer?
Vou pra casa da JonBenét!
Então, passei por ali na volta pra casa. A casa dela ficava a cinco minutos a pé de onde cresci. A temperatura estava bem abaixo de zero, com 60 cm de neve no chão, e os Ramsey tinham saído de casa para fugir da mídia. Tinha um caminhão da CBS ou da CNN lá. Algumas dessas vans de notícia estavam iluminando a frente da mansão dos Ramsey, com os motores ligados às três da manhã, no caso de alguma coisa acontecer.
Ainda me arrependo de não ter estacionado, pegado o gravador que eu sempre levava comigo, batido na porta da van e perguntado: “O que vocês estão tentando fazer aqui, gente? Agora eu estou entrevistando vocês! Cadê as malditas notícias? Vocês têm alguma?”.
Um dos meus amigos, Bob, conseguiu “adquirir” um dos pirulitos de plástico de natal que enfeitavam o jardim dos Ramsey. Ele tinha juntado um monte de artigos sobre ela e, junto com o pirulito, fez um altar para a JonBenét no quarto dele.
A CBS ficou rondando a região, tentando desencavar alguns suspeitos negligenciado do caso; então, o Bob convidou a CBS para entrar e ver o altar dele. E, sim, eles filmaram tudo e colocaram numa matéria! No segmento, eles apontavam o dedo para várias pessoas; aí vinha o Bob com o pirulito, falando quanto a JonBenét tinha significado pra ele. Eles caíram direitinho.
Então, um ou dois dias depois que isso foi ao ar, o FBI invadiu a casa do Bob e levou a coleção JonBenét dele toda, incluindo o pirulito. Ele nunca conseguiu isso de volta.
O dentista da minha família dizia que tinha sido o avô, porque ele tinha sido levado às pressas para o aeroporto de madrugada, mas nunca ouvi isso em nenhum outro lugar.
Não acho que foi o irmão menor dela, porque foi uma coisa sofisticada demais para uma criança daquela idade. Acho que ele não tinha nem esperma ainda, e eles acharam algum tipo de sêmen nela. Mas posso estar errado.
Meu tio tinha ouvido falar que a máfia de Detroit a tinha matado para punir John Ramsey pelo que ele tinha feito em Detroit. Mas, se a máfia quer foder com você, eles não matam a sua filha – eles te matam.
Outro rumor que corria pela cidade era de que umas 50 pessoas tinham cópias das chaves da casa. Os Ramsey confiavam nas pessoas e deixavam todo mundo entrar, faziam favores para eles. O problema é que, mesmo se só cinco pessoas têm as chaves, uma pessoa bem-intencionada pode fazer uma cópia para outra bem-intencionada, que faz uma cópia para outra, que tem um amigo não tão bem intencionado assim fazendo uma cópia pra ele.
Quer dizer, tinha tanta informação perdida, tanta desinformação, que as pessoas podiam apontar o dedo pra quem quisessem. Mas acho que o promotor Alex Hunter estava certo em não levar o caso a julgamento, mesmo quando o júri recomendou acusar os pais. Hunter era experiente e sabia que o caso não ia dar em nada. Acho que ele tomou a decisão certa, especialmente quando os pais foram inocentados mais tarde.
E isso continua até hoje. Ainda é um assassinato não resolvido. Quer dizer, esse deve ser o maior sucesso dos tabloides desde o caso Dália Negra.
H. R. Giger
Foram poucos pontos positivos da minha prisão em 1986 por obscenidade quando a polícia invadiu a minha casa em resposta a reclamações do Parents Music Resource Center (PMRC). O promotor de Los Angeles Michael Guarino, que trabalhava para o promotor público municipal James Hahn, me fez ir a julgamento por distribuir “material prejudicial a menores”, porque o disco Frankenchrist vinha com um pôster da pintura “Penis Landscape”, do H. R. Giger.
Então, fui acusado de “distribuir material prejudicial”, o que nunca tinha chegado a um tribunal antes, e tenho certeza de que ninguém tentou levar essa acusação para um tribunal de novo. Foi um calvário de um ano e meio. Quer dizer, isso estava ligado ao ataque de Ed Messe à pornografia e também pretendia gerar publicidade para a primeira candidatura presidencial do Al Gore, em 1988.
Essa merda quase me fez ter um ataque nervoso; eu sentia que o futuro da indústria da música e da liberdade de expressão estava sobre as minhas costas. Mas o lado positivo é que, de repente, meus discursos nos shows foram parar em cafés e no circuito de palestras de faculdades, como se eu fosse “especialista em censura”. Eu falava de quem financiou o PMRC e que os objetivos reais deles se ligavam a Jerry Falwell, Pat Robinson e “Focus on the Family”.
Também pude conhecer o Frank Zappa e passei um tempo com Hans Rudolf Giger.
A primeira vez em que encontrei Giger foi a mais divertida. A gente se conheceu quando ele veio a Nova York, numa das raras visitas dele aos EUA com seu agente Leslie Barany. Eles me levaram para lá, porque Giger queria me conhecer depois de toda a merda que eu tinha passado com Frankenchrist. Foi na mesma época do festival CMJ, e Giger e um dono de galeria fresco estavam discordando por causa da exposição dele.
Era a noite de abertura: a exposição de Giger era numa sala e a do R. Crumb era na outra, e as pessoas ficavam indo e vindo. Giger descobriu que esse dono da galeria, que devia ser um infeliz com muito dinheiro, tinha colocado Where Are We Going? (o nome real da obra de Giger do disco Frankenchrist) e algumas outras obras supostamente mais explícitas numa salinha, onde ele podia trancar a porta.
Se pessoas importantes aparecessem, elas podiam entrar na salinha, porque gente assim podia pagar mais 50 mil paus em outra obra do Giger.
Giger estava furioso. Uma hora ele conseguiu que a porta fosse mantida aberta e a sala iluminada para todo mundo, mas a briga continuou e continuou. Aí as pessoas começaram a entrar, e Giger queria se divertir com a coisa toda; então, ele colocou uma daquelas máscaras de metal que ele fazia e se escondeu atrás da porta; quando as pessoas entravam, ele pulava e as assustava!
Ele fazia “Rahhhr”, tipo um lobisomem, e corria na direção delas.
Aí um monte de metaleiros começou a aparecer, e acho que o dono da galeria nunca tinha visto uma criatura assim antes, porque ele começou a pirar de novo e a impor um dress code no meio da festa.
O dono da galeria disse: “Agora vocês têm de pagar vinte e cinco paus para subir no elevador até o evento!”
Então, o Giger, claro, ficou furioso. Os metaleiros estavam lá para conhecê-lo, ele tinha acabado de fazer a capa de um disco do Carcass e a banda estava tocando no CMJ; então, todos esse pessoal do Carcass estava ali, e o dono da galeria estava louco!
Aí, quem entra de fantasia completa? O GWAR. O dono da galeria ficou tão puto que foi embora da própria festa e não voltou mais.
Giger ficou muito feliz de ver o GWAR. Ele ficou de muito bom humor o resto da noite.
Não sei como eu descreveria H. R. Giger. Obviamente, ele era muito brilhante, muito focado em seu trabalho. Na vez seguinte em que nos encontramos, fui visitar a casa dele em Zurique. Era um prédio duplex enorme. Um lado do duplex era imaculado, com um gramado perfeitamente aparado na frente. Aí tinha o lado do Giger, com o mato do jardim virando uma floresta!
Entrei e vi algumas das pinturas mais famosas dele, aquelas que todo mundo conhece, simplesmente apoiadas numa das paredes. Tinha um original famoso do Joe Coleman pendurado em cima do fogão, com manchas de gordura. Ele também tinha os restos de um trenzinho que entrava e saía da casa por um túnel que ele tinha feito até o quintal. Claro que a entrada parecia mais uma vagina do que um túnel; dentro, havia reproduções em 3D daquelas pinturas infames dele, Babies in a Row.
Estava chovendo e fazendo muito frio naquele dia, e devia fazer algum tempo que o clima estava assim, porque cogumelos estavam crescendo por cima dos bebês, o que deixava a coisa ainda mais Giger. Depois de um tempo, ouvi uma música bem atonal, uma música de piano que lembrava Schoenberg, vindo da casa e achei que aquilo criava um clima muito incrível. “Uau, que música legal, o que será que é isso?”
Aí subi as escadas até o sótão, e o Giger estava lá sozinho, tocando piano. Ele olhou pra cima, me viu e parou de tocar. Ele não tocava mais. Parece que ele era um tecladista muito bom. Algumas gravações das músicas dele devem existir por aí, não sei em que estado ou onde.
Ramones
A primeira vez em que assisti aos Ramones foi em Denver, em 1977. Eu ainda estava chocado em poder ir até os bastidores e falar com um membro de uma banda de rock! Quer dizer, rock de arena era tudo que eu conhecia naquela época.
O que diferenciava isso de toda aquela merda idiota de sexo, drogas e rock ‘n’ roll do rock de arena – sem mencionar a porcaria do soft rock – era sobre o que eles estavam cantando. Quer dizer, eu e meus amigos maconheiros colocávamos Ramones para tocar e ríamos na parte do “Now I wanna sniff some glue, now I wanna have something to do”.
Eles tinham músicas supercurtas sem solo de guitarra, mas estavam cantando sobre se prostituir na esquina da 53rd com a Third ou sobre bater em alguém no Burger King. As pessoas nem falavam sobre essas coisas antes de o punk trazer isso de volta como uma vingança. A notícia sobre aquele show se espalhou. Depois que eu e alguns amigos o assistimos, meu melhor amigo virou pra mim e disse: “Eric, você leva os Ramones a sério agora?”.
Sim. Ah! Parte da beleza daquele show era que não só o som deles era poderoso, mas que aquilo assustou pra caramba a maioria das pessoas presentes. Não era só uma questão de eles serem poderosos, mas de quão simples eles eram. As músicas começavam, e a gente o pensava: “Uau… isso foi tão simples, qualquer um podia fazer isso! Eu podia fazer isso! Eu devia fazer isso!”.
E, claro, essas músicas estavam virando cabeças no país inteiro. Então, lentamente, os fãs párias solitários dos Stooges, que não conheciam ninguém como eles em suas cidades, começaram a se mudar para cidades maiores (especialmente Nova York, L.A. e São Francisco) e montar bandas. O resto é história. Johnny Ramone me escreveu uma carta quando o Dead Kennedys ainda estava na ativa, no meio dos anos 80, sobre por que ele achava que o punk não devia ser político e tal. O Johnny não curtia muito aonde o Dead Kennedys estava indo.
Respondi a carta, acho, mas não consigo lembrar o que eu disse. Foi uma carta amigável, mas mantendo minha posição. Sempre ouvi os Ramones como uma banda política simplesmente por causa dos temas que eles colocavam nas músicas.
Melvins
Conheço os Melvins há anos. Um amigo me deu uma fita cassete demo deles em 1984, quando eles moravam em Olympia. Depois assisti a shows deles um pouco mais tarde, nos anos 80 e no começo dos anos 90, quando eles se mudaram para cá. Não curti o som tanto assim na época.
Eventualmente, assisti a mais um show e comecei a sacar a deles. Talvez porque eles tocaram “Halo of Flies” naquela noite? Não sei, mas eles explodiram o teto do lugar; então, achei que era hora de começar a ouvir o som deles. Levou só mais um show para o Buzz e o Dale me abordarem para fazermos uma turnê. Eles queiram responder à versão falsa e reformada do Dead Kennedys, que estava tirando dinheiro das pessoas naqueles shows de fraudecore. Os caras do Melvins ficaram ultrajados com essa história; então, queriam fazer uma contra-turnê tocando só músicas do Dead Kennedys.
Eu disse: “Não; se eu for fazer uma turnê, quero tocar músicas novas. Tenho um monte de outras músicas que nunca toquei com ninguém. Vocês querem fazer um disco?”.
E eles toparam.
Biafrismos Futuros
Ultimamente, tenho feito esse negócio de banda de novo. Finalmente consegui lançar a Jello Biafra and the Guantanamo School of Medicine. Agora, temos quatro coisas lançadas, dois discos e dois EPs. O último disco se chama White People and the Damage Done. Isso saiu no começo de 2013, e a turnê diminuiu a velocidade recentemente. Ainda temos alguns shows para fazer no Texas e qualquer coisa local que apareça, mas, fora isso, para mim, vai ser a hora de, hum… puxar a tomada por um tempo. Tenho que me esconder e escrever a nova fornada de músicas da Guantanamo School of Meds.
Não sou muito bom em compor músicas quando estou em turnê. Tenho de ficar sozinho por um tempo para colocar meu cérebro na zona certa, não ter que ficar atendendo o telefone e abrindo e-mail toda hora.
Eu costumava compor em Boulder, mas isso começou a ficar difícil no meio dos anos 80; então, tenho escrito as coisas aqui, em São Francisco. Mas todas as músicas do Dead Kennedys foram escritas em Boulder. Naquela época, não existiam essas coisas de secretária eletrônica, e-mail ou sei lá mais o quê. Sempre que o telefone tocava em casa, alguém tinha de atender. Nove em dez vezes a ligação era pra mim, e lá se ia mais um dia da minha vida.
Então, tive de me afastar dos dois; o Dead Kennedy e eu tínhamos de nos afastar de Jello Biafra o suficiente para eu conseguir tirar o cérebro da bunda e começar a escrever de novo. Também estou tentando laçar alguns outros projetos, incluindo um álbum há muito adiado dessa coisa muito legal que fiz em Nova Orleans, porque me desafiaram. Isso se chama Jello Biafra and the New Orleans Rounchin’ Soul All-Stars.
Eu estava na casa dos meus pais e fui ver um show em Denver do Cowboy Mouth e do Dash Rip Rock. Eu nunca tinha ouvido falar do Cowboy Mouth, mas eles me impressionaram. Fred LeBlanc é o baterista-vocalista mais carismático que alguém poderia imaginar. Talvez até mais carismático que Levon Helm.
Eu estava no show do Dash Rip Rock, e a história é que um deles me ouviu cantando junto com um dos covers deles, que, claro, era mais velho que o rock ‘n’ roll de Nova Orleans ou um pouco de gospel. Aí o Fred e o Bill Davis, que é o cara principal do Dash Rip Rock, me puxaram de lado no camarim e me desafiaram a ir a Nova Orleans, no Jazz Festival, e tocar um set de covers de soul antigo e rhythm and blues de Nova Orleans. E eu o convenci a acrescentar um pouco de garage rock também, porque isso tem mais a ver comigo. Então, tocamos com toda uma sessão de metais e um pianista incrível, o Pete Gordon, com quem eu já tinha trabalhado antes.
O Pete se juntou a nós e todo mundo se divertiu muito, mas a gravação multicanal ficou um desastre. Aí o Ben Mumphry, que trabalhou com Pixies, Frank e mais um monte de gente, me ligou e disse: “Eu estava no show, acho que posso consertar isso se você levar a gravação pro meu estúdio”.
Então, lentamente, ele está fazendo versões bem coerentes com muito apelo trash, sabe? “Workin’ in a Coal Mine”; “Mother in Law”, a música de Ernie K. Doe; temos “House of the Rising Sun”; e fizemos “Bangkok”, porque Alex Chilton tinha sido adotado por Nova Orleans depois que se mudou para lá e ele tinha acabado de morrer. Precisávamos fazer uma homenagem. Até fizemos “I Walk on Gilded Splinter”, aquela música muito legal do Dr. John do disco Gris-Gris.
Não ficou a coisa mais perfeita do mundo, mas dá pra ver que todo mundo estava se divertindo e que o salão estava pegando fogo.
Em 1975, Legs McNeil cofundou a Punk Magazine, que é parte do motivo pelo qual você sabe o que essa palavra significa. Ele também escreveu Mate-me Por Favor, que basicamente fez dele o Studs Terkel do punk-rock. Além de trabalhar como colunista da VICE, ele continua escrevendo em seu blog pessoal, o pleasekillme.com.Siga o cara no Twitter.
Tradução: Marina Schnoor