Collage illustration of a man's bare legs behind a nuclear explosion.
Colagem por Hunter French / Imagens via Getty.
Tecnologia

Pornô apocalíptico mostra por que as pessoas têm tesão com o fim do mundo

Pornô de apocalipse e fantasias sexuais com o mundo acabando têm uma história antiga que ilumina como lidamos com o desejo durante crises.

No meio de uma pandemia global de meses, colapso econômico, calamidade climática e turbulência civil como nada que vimos na vida antes, o mundo – ou pelo menos o mundo como conhecemos – parece estar acabando.

E tem gente que tem tesão nisso.

Assim como rir num enterro, transar durante o apocalipse parece um tabu, mas também algo incontrolável. Muito já foi escrito sobre como o lockdown do COVID-19 fodeu com a nossa vida sexual: com coabitação ou isolamento forçados, todo mundo está um pouco doido da cabeça.

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Mas tem uma longa tradição de e excitar com o fim do mundo na pornografia. Como estudiosos e terapeutas sexuais com quem falei garantiram; mesmo quando encaramos o apocalipse, sentir essas coisas é muito humano.

Uma breve história do pornô de apocalipse

Definir “pornô de apocalipse” é complicado. Tem o pornô de desastre, um termo coloquial para se excitar com a ruína, o que é meio diferente do que estamos discutindo aqui.

Tem filmes adultos realmente sobre o apocalipse, como Crescendo 2012 de 2007, onde a premissa é que as pessoas estão transando como se não houvesse amanhã, porque não vai ter mesmo. Fora do pornô, esses cenários também aparecem na cultura pop. O clipe da Britney Spears “Till the World Ends”, por exemplo, mesmo não sendo pornográfico, cai na categoria de orgia de fim de mundo. Assim como “1999” do Prince. Melancolia, Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo, Armageddon – a lista de filmes de fim do mundo com enredos de sexo ou romance é grande.

Procurando “apocalipse” e “fim do mundo” em sites de pornô como o Pornhub ou Xvideos vai trazer resultados mistos. Você tem filmes retrô de pós-apocalipse estilo Mad Max, como Apocalypse X, e até uma paródia de Caixa de Pássaros (https://www.xvideos.com/video44185677/trickery-kali_roses_gets_fucked_during_birdbox_challenge). Comparado com os resultados para, digamos, tortura de pau e bolas ou autofelação, que rendem centenas de resultados, pornô de apocalipse aparentemente não é tão popular. Mas o que existe por aí tem mais enredo e maior valor de produção.

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Sexo apocalíptico pode acontecer no fim do mundo, ou só no fim deste mundo. Pornô de coronavírus pode cair na categoria de pornô apocalíptico, já que tem um tema de filme de terror distópico. Aí você tem o pornô de pós-apocalipse como o filme de 1987 The Load Warrior, uma paródia do Mad Max 2. Em Load Warrior, os homens são tipo vacas fornecendo a commoditie mais escassa e preciosa do mundo: sêmen.

Em Satisfiers of Alpha Blue de 1981, pessoas de um futuro distante viajam para um planeta de prazer erótico para ter seus desejos satisfeitos por computadores. Claro, um dos personagens sofre com questões de conexão, amor e romance versus a perfeição dos robôs sexuais artificialmente inteligentes – temas refletidos na cultura pop mainstream de hoje, com filmes mais recentes como Ela e Ex Machina ainda trazendo questões sobre humanidade e conexão sexual.

Não é o fim da humanidade, mas as oscilações, colapso e reconstrução da sociedade, que ainda ressoam hoje.

Na categoria de pornô pós-apocalíptico, o vanguardista Café Flesh de 1982 é um favorito de Laura Helen Marks, que estuda pornografia e é professora da Universidade Tulane. O filme se passa num futuro pós-apocalipse nuclear onde todo mundo fica violentamente doente se faz sexo, e quem não fica é colocado num palco para fazer sexo ao vivo para o resto.

Marks me disse que vê duas abordagens para pornô de apocalipse: uma estrutura social sem lei, ou o caso de um mundo completamente autoritário que gera párias e rebeldes.

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“No primeiro caso, há desespero, escambo e economias primitivas, o que pode fornecer um certo nível de perigo e excitação – um senso de ‘foda-se’”, disse Marks. “No segundo caso, os filmes oferecem um senso contrastante de ser controlado ou oprimido, o que argumenta de maneira similar uma fantasia sexual na direção oposta – para regimes restritivos e contenção.”

As duas abordagens jogam com fantasias eróticas de divisões de gênero, raça e classe, onde dinâmicas de identidade e poder são aumentadas para níveis caricaturais ou tornadas irrelevantes.

“Assim podemos nos entregar a fantasias de subversão da hierarquia tradicional, ou renderizações hiperbólicas dessas hierarquias”, disse Marks.

Enquanto o mundo tenta definir o “novo normal”, pessoas estão participando de orgias pelo Zoom e convidando o mundo virtual para sua vida sexual mais do que nunca e – combinado com o fenômeno único de 2020 do “fome de pele” – não é estranho que todo mundo esteja um pouco excitado o tempo todo.

Por que somos atraídos por pornô do fim do mundo

Na vida real, sexo à abeira do colapso global é um pouco mais complicado do que o Prince e a Britney fizeram parecer. E a impressão de que todo mundo anda mais excitado agora – seja pelas piadas no Twitter ou todos os ensaios pessoais circulando sobre o assunto – pode não ser a história completa do que as pessoas estão realmente experimentando.

“As pessoas estão sendo impactadas pelo estado do mundo no momento – e pode ser difícil lidar com toda a incerteza e turbulência”, disse Kristen Mark, diretora do laboratório de de saúde sexual da Universidade do Kentucky. “Pelos nossos dados, notamos que a vida sexual das pessoas, na maior parte, está sendo impactada negativamente em termos de frequência. Para aqueles que continuam sexualmente ativos, eles tendem a ser mais abertos para experimentar e tentar atos sexuais diferentes. Isso pode oferecer uma distração do mundo ao redor, algo que faz as pessoas se sentirem bem, e a novidade pode ser útil.”

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“Algumas pessoas buscam prazer, intimidade e conexão como uma distração de sua ansiedade, enquanto outras experimentam uma queda na libido por causa da ansiedade.”

Parte disso pode ser biológico. A psicoterapeuta e terapeuta sexual de Nova York Dulcinea Pitagora me disse que quando as pessoas estão sob níveis mais altos de stress – digamos, sendo bombardeadas por tragédias nas notícias todo dia, por desemprego, ou falta de intimidade no lockdown – o cérebro e o corpo buscam por todas as fontes possíveis de oxitocina e dopamina.

“As pessoas tendem a ser mais suscetíveis ao fenômeno de se apaixonar quando estão sob stress intensificado, graças a uma mudança na química do cérebro e do corpo, como níveis amentando de cortisol (o hormônio do stress) e adrenalina”, ela disse. “Então tem algo acontecendo com os níveis químicos durante desastres naturais, mas também há fatores psicossociais que vêm com perceber que muitas pessoas estão morrendo, além de ter que evitar passar tanto tempo quanto gostaríamos com as pessoas. O medo associado a um contexto de restrição leva muita gente a experimentar um pico no desejo como um mecanismo de enfrentamento.”

Pitagora disse que tem visto algumas tendências em seu consultório recentemente. “Um benefício da agitação recente é que algumas pessoas estão se conscientizando de seu privilégio”, ela disse. “Como resultado, algo que está acontecendo em relacionamentos é que as pessoas estão descobrindo diferenças em privilégio entre os parceiros, ou na consciência ou valor cercando seu privilégio, o que leva a conflitos e às vezes até ao fim da relação.”

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Outra coisa que Pitagora tem visto é um aumento e diminuição de frequência no sexo e desejo, dependendo de como a pessoa lida com a ansiedade. “Algumas pessoas buscam prazer, intimidade e conexão como uma distração de sua ansiedade, enquanto outras experimentam uma queda na libido por causa da ansiedade.”

Independente de como você está se sentindo no aparente fim do estado atual das coisas, esses sentimentos provavelmente são OK e saudáveis, sexualmente falando. “Desejo sexual é comandado por muitos fatores. Por stress, ansiedade, exaustão, incerteza, contexto do relacionamento e pressão social, então aceite o que vier”, disse Mark. “Desejo sexual e flutuações no desejo são partes naturais da experiência.”

No processo de trabalhar por que nos sentimos como sentimos agora, talvez histórias e pornografia apocalípticas possam trazer alguma clareza – ou pelo menos alguma distração, já que ninguém pode sair de casa. O pornô pode ser um espelho da sociedade, mesmo filmes eróticos bizarros dos anos 80. Se perguntar como o sexo vai se encaixar no futuro pode iluminar nossos desejos e valores no presente.

“O pornô tem se mostrado um lugar interessante para ideias assim, porque por um lado, claro que o pornô vai lidar com um cenário relacionado a sexo, mas, por outro, muitas visões do sexo no futuro são estéreis, sem intimidade, ou expressas em algum tipo de economia ilegal”, disse Marks. “Acho esse tipo de filme pornô conflituoso particularmente interessantes, e às vezes eles podem gerar níveis inesperados e surpreendentes de erotismos, mesmo sendo simultaneamente sombrios.”

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