Matéria originalmente publicada no Noisey US.
Pense em alguém que já trabalhou com Kanye West (coproduzindo Late Registration ) e Beyoncé (Lemonade), mas nunca sai se gabando por isso e tem um nome que não é facilmente reconhecido. Quem te vem à mente? Uma menina de 15 anos dos subúrbios de Maryland que tem uma vida secreta como megaprodutora? Um pseudônimo desconhecido de Jay-Z? Errou. Estamos falando do multiinstrumentista Jon Brion, que pode não ser um nome lá muito famoso, mas já participou de muita coisa por aí, seja nos filmes em que assume a trilha ou participando de Lemonade, de Beyoncé.
Videos by VICE
Um produtor e compositor de trilhas prolíficas cujo trabalho você já deve ter ouvido caso tenha assistido Magnólia, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, Huckabees – A Vida É Uma Comédia, Synecdoche, New York ou Descompensada. Seu mais recente trabalho é a trilha sonora da estreia de Greta Gerwig na direção, Lady Bird: A Hora de Voar, também indicado ao Oscar. Ao longo de 23 faixas, Brion cria um mundo tranquilo e imersivo, com cordas que deslizam, sopros, pianos e violões que casam perfeitamente com a exploração de Gerwig sobre amadurecimento, identidade e a intimidade característica da relação entre mãe e filha.Mas como este é um site musical, também queríamos saber um pouquinho mais sobre o trabalho de Brion com gente como Best Coast, Fiona Apple, Frank Ocean e Sky Ferreira. Ao longo desta conversa, Brion fala sobre como foi trabalhar na trilha do filme, a frustração que vem junto do trabalho em Hollywood e as lembranças de seu amigo, o finado Elliot Smith.
Noisey: O que você pode nos falar sobre as conversas que teve com Greta Gerwig após ter aceitado seu convite para trabalhar na trilha de Lady Bird?
Jon Brion: Normalmente assisto um filme no qual estou trabalhando duas vezes por dia ao longo de uma semana, então uma vez por dia ao longo da próxima semana e começo a concentrar em algumas cenas-chave — talvez eu toque piano ou guitarra enquanto isso. Após duas semanas, sinto que conheço tanto o filme quanto seu diretor ou editor, mais do que qualquer pessoa no público poderia, e assim posso abordar a tarefa com a confiança necessária. Mas no caso deste filme, já saí da primeira exibição com uma ideia na cabeça para o tema principal, então compus a maior parte do restante no dia seguinte. Quando falei com ela ao telefone pela primeira vez, uns dias após a exibição, peguei minha guitarra e toquei durante a ligação mesmo. O tema tem esse lance meio vacilante; como aquele momento na vida capturado pelo filme em que você está atrás de algo que não sabe bem o que é ainda. Mostrei o som pra Greta e a reação dela ao telefone foi de suspirar logo de cara e então falar “isso é ótimo”.
Imagino que um suspiro em alto e bom som de um diretor é a reação dos sonhos. Com que frequência você recebe uma dessas?
Com certeza. Ao contrário de algo como “está bom, mas…” seguida por palavras tropeçadas ao longo de 15 minutos, esta é uma reação muito rara. Quando alguém te contrata é porque ouviu algo que gostou e quando você acaba trabalhando com essa pessoa e cria algo novo de fato, muitas vezes acaba descobrindo que o que querem mesmo é que você crie cópias do que já foi feito antes: dá pra sacar na reação da pessoa. Já Greta foi bastante direta e visceral, mas o normal mesmo é lidar com tudo, desde indiferença até alguém tentar inventar umas desculpas por não ter gostado de algo, muito desse trabalho envolve lidar com isso. Logo, a reação de Greta foi como uma brisa de ar fresco nesse sentido e acho que isso se reflete nela como pessoa em geral — ela é legal.
Parece um tipo de temperamento bastante peculiar, considerando que este trabalho envolve muita paciência e habilidade para criar a visão que o diretor gostaria para seu mundo.
Você está completamente certo. Exige paciência porque é frustrante. Estas duas palavras são fundamentais para a realização do trabalho: quando alguém não gosta de algo em que você trabalhou por um tempo — entenda que compor é um ato extremamente pessoal — é como tomar um soco no estômago. Se eu estivesse produzindo um disco e chegassem com um som novo e eu dissesse algo como “sei não, viu?” isso seria considerado extremamente insensível. Mas um diretor pode muito bem ouvir cinco temas diferentes que levaram semanas para serem compostos e dizer “É, não sei. Toca alguma coisa diferente”. E aí você tem que engolir porque faz parte do ofício.
Há muita gente envolvida na parte criativa de um filme. Há ocasiões em que você e o diretor estão satisfeitos com a trilha e o produto final acaba saindo com uma versão diferente que não te agrada tanto?
Certamente. Ser um compositor e ir em estreia de filme é algo bem complicado nos dias de hoje. Tudo está no computador, dividido em pedaços que podem ser movidos, então qualquer um com acesso ao processo de mixagem e que tenha dúvidas quanto à música, pode alterá-la. A coisa toda pode ser jogada no lixo no último dia possível, ou então mixada por trás de um monte de efeitos sonoros e você nunca saberá até ver o filme. Já fui ao cinema em ocasiões em que a melodia que devia estar em tal parte do filme simplesmente havia sumido. Nada do tipo “ah, abaixaram o volume do oboé aqui, que dó”, mas sim trocar trechos inteiros de lugar ou simplesmente sumir com eles. Há muitos e muitos casos do tipo e de compositores entrando em colapso. Ou seja, ir a estreias não é uma experiência lá muito bacana. Não sou um cara muito ansioso, mas meu deus, que morte horrível é ficar ali durante uma estreia. É o tipo de trabalho que só fica abaixo da alimentação na hierarquia da produção cinematográfica.
Jon Brion dando duro (foto por Annie Leibovitz)
Você também já trabalhou com muita gente fora do cinema. Que tipo de qualidade você busca em alguém para firmar essas parcerias?
Se tem algo que eu posso considerar é se esta pessoa está fazendo algo de interessante ou se a nossa combinação pode levar a algo interessante. Trabalho com um grupo bastante diverso de pessoas e acho que os limites traçados pelos outros são bem bobos, bem como a noção de arte versus entretenimento popular. Sempre me interesso por quando essas fronteiras se cruzam ou nem mesmo existem — quando nada disso importa. Temos aí esses arquétipos babacas de artistas que nos foram empurrados: grandeza não tem nada a ver com quantas pessoas percebem o seu trabalho, pra mim, quando algo é bom, isso fica evidente por si só. Em suma, creio que o que procuro é algo que tem chances de ser bom, é isso que espero toda vez.
Quem é mais difícil de agradar: um diretor qualquer ou Kanye West?
Depende do dia, viu? [risos]. Acho que todo diretor tem um pouco de Kanye, nunca conheci nenhum que não fosse assim e tenho certeza que se Kanye fosse um deles, diria que é o maior diretor de todos os tempos.
Como foi trabalhar com ele?
O que foi interessante mesmo é que ele queria expandir, senti mesmo que ele tentava fazer algo pra se comunicar com muita gente, só que com qualidades que não se via nos discos dos outros naquela época. Você vai achar isso engraçado, mas uma das coisas que conversamos naquele tempo foi sobre como esse negócio de pagar de fodão já estava meio cansado no meio do hip hop.
Suas ideias sobre arte e popularidade são quase que perfeitamente exemplificadas em um disco como Lemonade, de Beyoncé, que é impressionante enquanto obra e extremamente bem-sucedido. Como foi trabalhar neste disco?
Ela fez um excelente trabalho ao reunir estes dois mundos. Foi divertido demais ouvir o disco tomando forma enquanto Beyoncé trabalhava nele, bem como foi divertido criar os arranjos ali. Quando você ouve alguém com um propósito real como diretores brilhantes que tem uma visão clara do que querem, é ótimo fazer parte disso. Tem gente que sabe que tem o mundo ao seus pés e sabe como usar isso de forma interessante, fiquei bastante impressionado ao longo de todo o trabalho e suas ambições, chegando ao ponto de ser uma manchete mundial o fato de estar lançando um novo álbum. E quando ela o fez, não era só uma série de canções, há ideias de verdade ali, argumentos que ela considera importantes de serem feitos ou reiterados para o mundo todo. Quando alguém pega um momento cultural que tem a atenção de todos e usa para mais que só uma música, você só embarca nessa onda maravilhosa.
Sei que Elliot Smith foi, além de amigo, um colaborador . No papel de alguém que já trabalhou com tanta gente talentosa, quão especial ele era enquanto artista?
Que compositor excelente. Perdê-lo foi a pior das perdas, digo isso de coração. Sinto que ele era o melhor de nossos compositores e sua perda é incalculável, o que só torna tudo ainda mais doloroso. Tenho lembranças de alguns momentos específicos de doçura sua. Antes de dar cabo de sua mente, visto que passou anos distante de si mesmo, ele era uma criatura de uma doçura imensa. Não que não tivesse toda aquela angústia dentro de si como todos nós temos, mas lidar com ele no dia-a-dia tinha muito mais de timidez e ternura em seus bons tempos. As lembranças que tenho são tão importantes que nunca terei como falar sobre de forma adequada; a natureza de sua música pode sugerir uma amargura sem fim, mas ele era bem o contrário disso quando estava em seu melhor momento.
Siga Daniel no Twitter.