​Por dentro do e-commerce brasileiro de entregas para presidiários
No site Jumbo CDP, familiares podem contratar delivery de comida, cigarros, roupas e produtos de higiene para os detentos sem ter que visitá-los na prisão. Crédito: Divulgação

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​Por dentro do e-commerce brasileiro de entregas para presidiários

No Jumbo CDP, familiares podem contratar delivery de comida, cigarros, roupas e produtos de higiene para detentos sem ter que visitá-los na prisão.

Quando o filho de uma amiga do empresário Sebastião Albuquerque foi preso, em 2013, ela o procurou para desabafar. Além de relatar a tristeza, a mulher expôs a dificuldade de achar roupas para o rapaz. Não conseguia encontrar uniforme com a cor, o tamanho e o tecido exigido pela unidade carcerária.

Trabalhador da área de vestuário em São Paulo, Albuquerque se propôs a ajudar. Disse que produziria as vestimentas por conta própria. "Achei a proposta de corte e modelo bem fácil", conta.

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A partir daí, o empresário paulistano percebeu que muitos outros parentes de detentos tinham o mesmo problema. "Cada unidade segue uma especificação de cor, tipo de tecido e modelo", explica. "Não havia mercado e, para mim, era fácil de fazer. Aí resolvi criar um e-commerce oferecendo uniformes para presídios e Centros de Detenção Provisória – CDPs."

Para tocar o negócio, Sebastião procurou um programador e começou a oferecer, pela internet, peças para vestir gente nas cadeias de São Paulo. Em contato com clientes sacou que os presidiários não careciam só de roupas, mas também de produtos de higiene, alimentação e até cigarros. Nasceu aí, a princípio, um blog que futuramente viraria o site Jumbo CDP.

Confecção de roupas sob medida para os presidiários. Crédito: Sebastião Albuquerque/ Jumbo CDP

Jumbo, para quem não está familiarizado, é o nome dado a "cesta básica" enviada por familiares a detentos. Dada a carência de itens básicos no sistema penitenciário – aqui vale ressaltar que, segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), os encarcerados têm direito "à alimentação e vestimenta fornecidos pelo Estado" – cabe às famílias fornecer pasta de dente, roupas, produtos de limpeza, entre outros itens.

Antes do serviço de Albuquerque, a entrega só podia ser feita pessoalmente por familiares cadastrados nas unidades prisionais. Agora, por meio de poucos cliques e formulários na internet, o serviço serve como uma espécie de delivery para detentos. É o único do tipo no país. Por enquanto, a atuação se limita ao estado de São Paulo – das 164 unidades, realiza entregas em 147. Quando o site começou pra valer, três anos atrás, a média de entregas mensais era de cinco; hoje, diz Albuquerque, são feitas em torno de mil por mês.

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Aos 50 anos, o empresário afirma que possui 600 clientes fixos. "Quem procura nossos serviços são pessoas que não contam com experiência em ter parentes presos ou ainda gente que está cansada de ir aos portões das cadeias para entregar", diz. Os preços dos jumbos básicos variam entre R$ 120 e R$ 170.

No Jumbo CDP, familiares dos presos podem pesquisar os itens permitidos na unidade onde o detento cumpre pena, ou aguarda julgamento, e realizar a compra dos produtos sem sair de casa. Perfumaria, vestuário e limpeza são os mais adquiridos. "Nosso serviço faz com que as pessoas evitem filas, esperas para abertura de portões, o constrangimento e desgastes físicos e mentais para se entregar um jumbo", afirma Albuquerque. "Em alguns casos sai mais caro ir pessoalmente do que fazer o pedido pela internet."

Estoque de produtos de higiene e limpeza da empresa. Crédito: Sebastião Albuquerque/ Jumbo CDP

Como os padrões de mercadorias permitidas variam de uma prisão para outra, Albuquerque reuniu uma equipe e, durante dois anos, pesquisou os tipos de produtos que cada Penitenciária e CDP aceitam intramuros. "As informações sobre o que é permitido ou proibido no sistema só são passadas às pessoas depois que elas 'erram' nas escolhas", diz. "É extremamente desgastante para familiares e não são padronizados."

A psicóloga Amanda Santos, que vive há 13 anos em Londres, na Inglaterra, usou apenas uma vez os serviços do Jumbo CDP. O irmão dela foi preso em agosto de 2015 porque não havia pagado a pensão alimentícia – a dívida do cara na ocasião era de R$ 7 mil, já pagos, segundo a irmã dele. Ficou detido cerca de um mês. "Foi um sofrimento muito grande para toda a família, que nunca tinha tido um parente preso."

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Por causa da detenção do irmão, a psicóloga pesquisou e encontrou o site de entregas de jumbos. "Quando se tem um familiar preso, a família é humilhada pelos agentes penitenciários. Tratam a todos como se fossem vagabundos", diz.

Para evitar as humilhações atribuídas a agentes, Amanda realizou uma encomenda de R$ 600 para que o irmão tivesse o "mínimo" durante o um mês que passou no xilindró. "Queríamos que nada faltasse para o meu irmão. Ele foi preso no trabalho com a roupa do corpo. Comprei desde comida até roupa e cobertores para ele", conta Amanda. Ela diz que os valores pagos nos produtos do site foram semelhantes aos encontrados em supermercados.

Jumbo CDP está disponível também em app para Android. Crédito: Divulgação

Mas, como é de se imaginar, o comércio online de jumbos não é como qualquer outro. Na hora da compra, os parentes precisam se identificar. O site de Albuquerque informa que cada unidade requer tipos diferentes de documentos para cadastro de parentes de detentos. Os básicos são cópias autenticadas de RG e CPF; duas fotos ¾ recentes; comprovante de endereço; atestado de antecedentes criminais, que é emitido pelo Poupatempo. Para detentos comprometidos, a mulher ou marido devem apresentar cópia autenticada da certidão de casamento ou declaração de que mantém união estável com a pessoa.

Conferimos as unidades atendidas pelo Jumbo CDP e, a partir dos dados da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, atualizados em 7 de julho, calculamos o número de clientes em potencial para a empresa. São 126.839 detentos em penitenciárias, incluindo femininas e de presos que cumprem pena no regime semiaberto; 66.810 nos CDPs; 21.166 nos Centros de Progressão Penitenciária, além de 881 nos Centros de Ressocialização e de um Hospital de Custódia, totalizando um universo de 215.696 negócios em potencial (isso pelo fato da empresa do Albuquerque não entregar em todas as unidades). O levantamento "Presos x Delitos" da SAP, de 2015, afirma que na ocasião 221.636 pessoas estavam encarceradas no estado de São Paulo.

Se considerarmos o país, o mercado é ainda maior. No último dado oficial nacional, do Levantamento Nacional de Informações Penintenciárias divulgado em abril de 2016, havia, em dezembro de 2014, 622.202 presos no Brasil.No cálculo, porém, também devemos subtrair os muitos centros de detenções com condições precárias como superlotação e que, claro, não suportariam o serviço.

Ainda assim, ciente de todas as complicações do mercado, Amanda, a cliente de Londres, afirmou que pretende oferecer uma plataforma semelhante de serviços no Brasil. É bom que Albuquerque se prepare para a concorrência.