Transando a Amazônia de Jorge Bodanzky
Foto: Jorge Bodanzky

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Transando a Amazônia de Jorge Bodanzky

Com exposição no MIS-SP, Jorge Bodanzky falou conosco e nos mostrou as suas primeiras gravações com a Super-8, as origens do clássico do cinema documental "Iracema, uma transa amazônica".

Em 1968 estava parada em um posto de gasolina na rodovia Belém-Brasília uma dupla de freelances da revista Realidade. Dividiam o espaço com eles alguns motoristas de caminhão e jovens prostitutas, negociando sexo e caronas. O repórter estava no posto apurando informações duma pauta que hoje já foge um pouco da memória do fotógrafo e cineasta Jorge Bodanzky - "Me lembro que tinha algo a ver com dinheiro falso". Naquele dia sua atenção estava fixada na interação entre os choferes e as jovens garotas. "Achei aquilo interessante e pensei em contar a história da Transamazônica através desses dois personagens." Apesar de nunca ter feito um filme antes, esse se tornaria o enredo de seu primeiro filme e um dos clássicos do cinema documental.

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Reportagem para revista Realidade, Belém, 1968. Foto: Jorge Bodanzky

Muito antes do início das gravações de Iracema, uma transa amazônica, o frila do momento era como cameraman e correspondente para a televisão alemã. Além de render uns quirelos na conta, o trabalho rendeu contatos e um papo com um produtor de um canal pequeno e experimental que existia naquela época em terras germânicas. "Apresentei a ideia e ele me disse: 'A história é muito bonita, mas que garantia você me dá de que tem condições de fazer esse filme lá na Amazônia?' Ele imaginou que eu ia pegar o dinheiro e sumir." Sem pensar muito Jorge montou um bonde de caras que teriam coragem de ir de Fusca em plena ditadura militar de São Paulo até lá gravar as primeiras imagens do documentário. Partiram da capital paulista Wolf Gauer, Jorge Bodanzky e o jornalista Orlando Sena. "Filmei tudo com uma câmera Super-8. Levei esse filme mudo para o produtor alemão e ele me respondeu: 'Se você me conseguir essas imagens dentro do filme eu realizo a produção'", relembra Jorge, enquanto tomamos uma xícara de café no MIS (Museu da Imagem do Som).

O museu traz para o mês da fotografia a exposição No meio do rio, entre as árvores – A Amazônia de Jorge Bodanzky e apresenta pela primeira vez essas gravações feitas pelo Jorge nessa trip com os camaradas.

As primeiras imagens com a Super-8. Foto: Jorge Bodanzky

Apesar da produção gringa, o canal era pequeno e tinha pouca grana, então o jeito foi enfiar todo mundo em uma Kombi e partir de novo em direção ao Amazonas. "O único que foi de avião foi o ator Paulo César Pereio, o chofer do caminhão. Escolhemos ele por ser gaúcho, por estar em evidência na época e por ser muito bom em improvisação. A Edna, que fez o papel da Iracema, nós achamos em Belém do Pará. Na época ela tinha 14 anos, era estudante. Precisávamos de uma menina que tivesse pai e mãe, um endereço fixo para poder fazer um contrato no Juizado de Menores. Era difícil achar naquela época. O grande achado desse filme foi essa menina, hoje já uma senhora, avó, mas muito alegre e do mesmo jeitinho que ela está no filme", conta Jorge.

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Foto: Jorge Bodanzky

A construção da Rodovia Transamazônica era uma das grandes obras prometidas pelo governo do militar Emílio Garrastazu Médici.

Era questão de segurança nacional. Essa obra significava, para os milicos, ocupar a Amazônia, como se ninguém vivesse por lá nessa época, e integrar o Brasil levando desenvolvimento e progresso. Quando pergunto sobre a Amazônia daquela época, Jorge reflete: "O filme foi feito em 1974, e os problemas hoje ainda são basicamente os mesmos. O desmatamento por conta da construção hoje acontece com Belo Monte. As questões indígenas, o trabalho escravo, a ocupação desordenada, a poluição dos rios, a devastação das florestas, está tudo aí e já existia em 74, só que hoje a escala é bem maior".

Jorge Bodanzky filmando Iracema, Uma Transa Amazônica, 1974. Foto: Wolf Gauer

Apesar disso os barbudos se enfiaram nessa Kombi e rodaram a Amazônia em meio a guerrilha do Araguaia e postos de controle, cruzando sempre com autorizações fajutas. Gravando as cenas em takes únicos, a trupe concluiu essa grande obra.

Por fim, pergunto ao Jorge se Iracema teria sido filmado em 2016. "Por várias razões, não. Uma pelo total improviso na sua forma de fazer, outra é a questão do direito de imagem, naquela época não tinha isso, você soltava a câmera e saía filmando. O modelo político que temos hoje é muito bem intencionado, os incentivos fiscais, mas burocratizou o cinema, que é uma arte inventiva. Exigir do diretor que ele diga de antemão todos os frames que ele vai fazer, principalmente em um filme documental, é matar o filme, tira todo o frescor. O dinheiro é bem gasto se o filme é bom, o público é quem tem que avaliar se o dinheiro público foi bem gasto e não se a nota fiscal da gasolina está de acordo."

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O Jorge ainda mandou alguns frames daquela primeira gravação com a Super-8 e disse: "Se você olhar essas imagens vai ver que cumpri minha promessa ao produtor alemão".

No meio do rio, entre as árvores – A Amazônia de Jorge Bodanzky
MIS: Av. Europa, 158 - Jardim Europa, São Paulo - SP, 01449-000
19 de junho a 24 de julho de 2016
Terças à sábados, das 12h às 20h
Domingos e feriados, das 11h às 19h

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Imagem: Jorge Bodanzky

Imagem: Jorge Bodanzky

Imagem: Jorge Bodanzky

Imagem: Jorge Bodanzky

Imagem: Jorge Bodanzky

Imagem: Jorge Bodanzky

Imagem: Jorge Bodanzky