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Comida

Pare de reclamar de quem coloca ketchup na pizza

Não adianta fazer uma cruzada pela educação alimentar de gente que não pediu pra ser salva.

Apenas aceite. Foto: Felipe Larozza

Um dia, muito cansada depois do trabalho, coloquei um miojo pra ferver e tomei um pito da minha roomate. Aquele macarrão frito e desidratado que insistia em comer porque 1) é indiscutivelmente o jantar mais barato do solteiro 2) fica pronto em três minutos 3) tem aquele gosto ótimo de porcaria, era, segundo minha amiga, péssimo pra minha saúde, estava lotado de sódio, eu não devia comer aquilo, etc. Daquele dia em diante, passei a comer miojo escondida da minha parça porque, bom, eu queria continuar comendo miojo.

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Sim, você está lendo um texto sobre ketchup, mas a história acima serve pra ilustrar o fato de que, no mundo, tem mais gente pensando em só comer alguma coisa do que gente pensando em comer alguma coisa que não lhe faça mal. Toda a sorte de congelados, enlatados e pacotinhos, sim, transformaram nossa alimentação numa montanha de sódio, gordura trans e açúcares. E a maior parte das pessoas que não se autodenominam como um foodie, seguem cagando e andando pra esse tipo de informação — mas ainda assim acham um verdadeiro crime colocar o ketchup na pizza.

Colocar ketchup na comida é um desses hábitos condenados por mascarar o verdadeiro sabor da tradição, no caso da pizza. Mas se o meu paladar pede aquele molho doce e ácido feito de tomate — e de um monte de coisa como vinagre, alho, saborizantes de mentira e conservantes — em cima da minha fatia de pizza, do macarrão de domingo, ou do meu mais pueril misto-quente, eu simplesmente obedeço à vontade inocente e infantil do meu paladar.

A imaculada pizza. Foto: Felipe Larozza/VICE

É um pecado colocar ketchup na comida, salvo na receita do estrogonofe e no cachorro-quente. Mas come melhor quem usa mostarda, o primo rico do ketchup — só até você parar pra pensar que a mostarda barata do supermercado é basicamente um ketchup, só que mais ácido e menos doce. O que é um inferno são os outros dizendo o que eu deveria gostar na minha vida. É a supremacia da tradição paulista sobre o hábito carioca e nordestino de colocar ketchup na pizza. E, olha, eu já reclamei com uma amiga que estava botando limão no jamón. Mas aprendi a lição. Se tem uma coisa que pode nos salvar de muitos dos infernos a que somos submetidos o tempo todo, esta coisa é o respeito da própria vontade. Então colocai ketchup em vossa comida, amém.

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Pra mim, ketchup na comida é como boteco depois do expediente. Você até sabe que deveria, sei lá, estar correndo na esteira ou estudando para o mestrado, mas é tão bom beber uma cerveja na terça-feira. Não quero que o mundo entupa as veias com essas e outras iguarias. Claro que existem doenças novas por conta da comida industrializada e do nosso modus vivendi de quem se fode pra trabalhar, bebe e fuma igual condenados (além de pôr ketchup na pizza). Mas, engraçado, mesmo com toda essa desgraça chamada de comida industrializada e tempos modernos, hoje nossa expectativa de vida é bem maior do que há 100 anos — no Brasil, a expectativa de vida ultrapassa os 70 anos, no século 19 se você chegava aos 50 era um matusalém. Então, a neura em pregar a reeducação alimentar promovida pela nova moda gastronômica de cozinhar sua própria comida com ingredientes orgânicos pode ser prejudicial à sua saúde por conta da sua paranoia.

Viva e deixe viver. Foto: Felipe Larozza/VICE

E junto da paranoia vem também a pegadinha. Porque num mundo em que até salgadinho chulé agora tem uma versão orgânica e saudável, é preciso dizer que estamos cercados de mentiras. O vegetariano não quer que bicho morra, mas tá de boa plantação de soja devaste a Amazônia. Isso sem contar a turma do ketchup orgânico que come salmão importado do Chile. Fica esperto que esse salmão é pior que frango que você compra no supermercado. O peixe que cheio de ômega três é também uma bomba de antibióticos com nadadeiras — eles são criados em cativeiro e têm seu processo de crescimento acelerado com ajuda de remédios. Não há mocinhos nessa história, só vilões.

E disse Hobbes, o homem é o lobo do próprio homem, portanto por que não ter pelo menos a satisfação e a liberdade de pôr ketchup na comida? Testar o paladar (no fim de semana fui num tailandês, comi uma sobremesa com coentro e gostei), conhecer novos lances me interessa. Mas não vai ser com proibicionismo do seu olho feio em cima da minha pizza com ketchup que vai fazer o mundo mudar. A revolução começa dentro de cada um. Não adianta fazer uma cruzada pela educação alimentar de gente que não pediu pra ser salva. Aliás, eu mesma, curtindo entender como se faz pão em casa e reduzindo gradualmente o nível de sódio da minha comida, vou terminar no mesmo lugar de quem tá mandando ver no ketchup na pizza. Então coma, ou não, mas, por favor, deixe comer.

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