Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.O trecho a seguir é do novo livro do fotógrafo Richard Sandler, The Eyes of the City (que sai dia 15 de novembro pela powerHouse), com quase 200 fotos de rua tiradas em Nova York e Boston entre 1977 e 2001. No texto abaixo, que aparece no posfácio do livro, o escritor Jonathan Ames explica o que torna Sandler tão especial para ele.Tenho muita sorte de ser amigo de Richard Sandler. Ele é engraçado, estranho e atormentado. Ele é um cara raivoso e pacífico; doido e sábio; cheio de compaixão e mal-humorado; e acho que tenho muita sorte de amar esse cara e ser amado por ele. E tem esse outro bônus incrível de ser amigo do Richard. Sua arte. Suas fotos e seus filmes. Com eles, ele mudou meus olhos. Ele mudou meu cérebro. Ele mudou o jeito como lido com o mundo ao meu redor. Ele revela coisas que eu não tinha visto antes, ou talvez tivesse, mas dá voz a elas e agora tenho certeza que elas estão lá.
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Mas o que ele me mostrou? O que vemos nessas imagens? Acho que boa parte do que vemos é assustador. Elas são de um tempo, quase um quarto de século antes dos eventos de 11 de Setembro de 2011, e assim podemos visitar o passado de maneira muito visceral — e que alegria é ver as pessoas despreocupadas, sem olhar para nossos novos mestres, os celulares — mas essas imagens também me enraízam no presente, como uma aula de história que nos ensina o que está acontecendo agora. Acho que vemos nesses reflexos do passado a marcha sonâmbula para a morte de agora. Vemos as pessoas como elas eram, como cadáveres congelados em Pompeia. As vemos e olhamos no espelho. Esse é um documento de como vivemos antes de morrer. Essas fotografias são como cenas de um filme de terror, e ainda assim são imagens das nossas vidas. Especialmente nossa vida na cidade. A peça que fazemos diante dos outros nas ruas, vivendo tão perto da maneira como fazemos, como ratos em uma toca. Uma peça de ganância, decadência, vaidade, beleza, ânsia, significados escondidos, coincidências, amor, horror, mundaneidade, sofrimento, tédio, solidão.
Essas imagens, em parte, gritam para nos acordar e abrir os olhos para o que está acontecendo, ver como tudo está passando, para ver a presença de deus em toda parte, em cada sombra, se há um Deus, e em parte, Richard está escrevendo tudo, fazendo um registro, explorando sua própria solidão e mortalidade, obrigado a documentar como uma forma de dizer que está vivo, enquanto aponta maravilhado e horrorizado, mostrando a nós e a ele mesmo como vida e morte, dentro e fora das sombras da cidade, parecem andar de mãos dadas.
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Aí, claro, também temos a alegria dele em fazer arte. Encontrar em segundos, o momento que a fotografia de rua exige, a composição perfeita, tentando capturar o presente como um sopro de fumaça antes que ele desapareça e se torne passado. Ele deve se sentir: "Eu vi e fotografei!" Então imagino que há um grande prazer no que ele faz, mas também dever ser uma terrível obsessão e um fardo esse desejo de registrar, de viver o tempo todo como uma câmera. Para nos dar essas imagens, como um presente, ele passou milhares e milhares de horas, décadas na verdade, sempre à espera, vigilante, pronto para testemunhar como um astrônomo que enlouqueceu e nunca para de olhar o céu, desesperado para entender o universo sempre em mutação e então contar o que viu.Eu não poderia fazer isso, mas Richard me ensinou a abrir os olhos mais do que nunca, compartilhou sua obsessão, mesmo que um pouco, e então você vê como a vida ao nosso redor se aproveita quando olhamos para ela, revelando sua beleza e sua feiura horrível; seus fenômenos lunáticos e mensagens secretas; seus sonhos e pesadelos. Mas, apesar do que eu disse antes, essas imagens são mais que um filme de terror. Elas também são uma carta de amor. Uma carta de amor para o nosso mundo e todos nele. Richard está dizendo: "Eu te vejo, você esteve aqui, você foi incrível, eu te amo, eu te amei".The Eyes of the City sai dia 15 de novembro pela editora powerHouse. Encomende o livro aqui.
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Noose, East Village, NYC, 2001