Como um Homem Criou o Único Museu do Mundo Sobre Menstruação em seu Porão

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Como um Homem Criou o Único Museu do Mundo Sobre Menstruação em seu Porão

A história de um colecionador de 73 anos de objetos relacionados à menstruação e do museu que um dia ainda pode acontecer.

Harry Finley posando ao lado de seus artefatos em seu Museu da Menstruação, 1997. Todas as fotos cortesia de Harry Finley.

Harry Finley gosta de contar uma história sobre um casal que queria visitar o Museu da Menstruação. Eles eram ingleses, estavam de férias em Washington, D.C. e combinaram visitar o museu de Finley durante a viagem, provavelmente entre a parada obrigatória no Smithsonian e o passeio no National Mall. Mas o casal nunca chegou ao museu. Mais tarde, pelo telefone, eles disseram a Finley que pegaram um táxi até o endereço que ele forneceu em New Carrollton, Maryland: nos arredores da cidade, essa região se tratava de um subúrbio, com ruas ladeadas por árvores – só que não havia um museu ali, apenas uma casa.

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Finley garantiu que eles estavam no lugar certo: o Museu da Menstruação era a casa dele. No entanto, eles ficaram com medo de visitar um museu dentro da casa de um estranho, principalmente um estranho solteirão de 50 anos – e sem deixar de levar em consideração o tema dele.

Se eles tivessem reunido a coragem para entrar, Finley os teria levado por uma escada estreita até seu porão de aproximadamente 37 metros quadrados, transformado no "único museu do mundo devotado exclusivamente à cultura da menstruação".

O museu em si, que foi inaugurado em 1994 e fechou repentinamente em 1998, estava cheio de todo tipo de artefato menstrual: a primeira propaganda de Kotex de janeiro de 1921; uma coleção de produtos Tampax de 1930; e um vestido rosa feito de copos menstruais. Há torsos de manequins pendurados no teto usando calcinhas menstruais e guardanapos sanitários. Andando pela exibição, você pode ver o gato de Finley, Mack C. Padd.

É o tipo de lugar que deixa as pessoas um pouco desconfortáveis, embora ele também permita que elas se abram e falem sobre coisas inomináveis – o tipo de lugar que, se fosse reabrir, provavelmente não deveria existir no porão da casa de alguém.

Um avental sanitário no Museu da Menstruação.

Harry Finley não é o que você espera de alguém no comando de um museu sobre menstruação. Ele nasceu em 1942 em Long Branch, Nova Jersey, no tipo de família normal bem norte-americana em que menstruação simplesmente não é um assunto para se conversar. Seu pai serviu no Exército, e sua mãe ficou em casa para criar os três filhos homens. Enquanto seu irmão mais velho seguiu os passos do pai e se alistou, Finley estudou filosofia na Johns Hopkins; depois, se mudou para a Alemanha a fim de começar uma carreira artística. Ele conseguiu emprego como diretor de arte de uma revista alemã, onde ganhou o hábito de folhear outras publicações procurando por inspirações de design. E, nesse exercício, ele cruzava com uma série de propagandas de produtos menstruais que pareciam muito diferentes das existentes nos EUA. Quando ele via uma propaganda interessante de produto menstrual, ele rasgava a página e a guardava.

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Quando ele voltou aos EUA depois de mais de uma década na Alemanha, ele tinha colecionado propagandas de produtos menstruais de todo o mundo. Mas isso ainda era apenas um hobby – algo que ele não comentava com amigos e a família, especialmente seus colegas da National Defense University de Washington, uma instituição de treinamento para a segurança nacional, onde ele trabalhava como designer gráfico. Era um trabalho chato, o tipo de emprego em que você bate o ponto todo dia esperando a aposentadoria chegar – o que deu a ele mais tempo para trabalhar em sua coleção de propagandas. Ele começou a visitar a Biblioteca do Congresso para pesquisar sobre a história da menstruação, e logo sua coleção começou a incluir informações históricas, comparações entre culturas e até produtos menstruais.

Finley não achou que isso se tornaria algo mais no começo – era só um hobby, a mesma coisa que colecionar cartas de Pokémon. Só que sua coleção acabou se tornando tão grande que ele pensou consigo mesmo: "Tenho tudo isso. Por que não fazer um museu para exibir?".

E assim ele fez. Aos 51 anos de idade.

Manequins mostrando calcinhas menstruais no Museu da Menstruação.

A grande inauguração do Museu da Menstruação foi em 31 de julho de 1994. Era um daqueles finais de semana caracteristicamente quentes de Washington em que até usar roupas é desconfortável, e Finley estava ocupado vestindo manequins em calcinhas menstruais.

Como ele operava o museu em sua própria casa, era preciso marcar hora para visitar; além disso, como ele ainda trabalhava em tempo integral na National Defense University, as visitas geralmente ficavam restritas aos finais de semana. Num final de semana normal, cerca de 15 pessoas desciam ao porão, nervosamente observando as coisas expostas e balançando a cabeça diante dos manequins, do jeito que as pessoas visitando o MoMA balançam a cabeça quando veem os quadros.

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Ele recebeu alguns visitantes importantes (pelo menos no reino da pesquisa menstrual): a equipe do Laboratório do Departamento de Biofísica da Johns Hopkins, que desenvolveu o copo menstrual Instead, fez uma visita. Assim como a Dra. Iris Prager, chefe de educação americana na Tambrands; a Dra. Alice Dan, então presidente da Society for Menstrual Cycle Research; um grupo de colegas do Smithsonian fez uma parada ali numa excursão de sábado (eles presentearam Finley com um conjunto de patentes menstruais incomuns). Entre o grupo de colegas, estava a Dra. Katherine Ott, que mais tarde se tornaria a curadora da divisão médica do Museu Nacional de História Americana do Smithsonian, que abriga sua própria coleção de produtos menstruais.

Uma coleção de propagandas da Kotex no Museu da Menstruação.

No entanto, ele também recebia visitantes sem ligação com a pesquisa menstrual que paravam ali talvez por acaso, geralmente um pouco desconfiados, para ver do que se tratava o museu. E era desses visitantes que Finley mais gostava: aqueles que nunca tinham ouvido falar de avental menstrual antes, que nunca tinham pensado em como as mulheres sangravam em outras partes do mundo, que muitas vezes nunca tinham falado sobre menstruação com ninguém.

Mais de uma vez, Finley diz que mulheres comentaram com ele: "Essa é a primeira vez que falo com alguém sobre menstruação". Para ele, isso era comovente e chocante. Ele achava que as mulheres falavam sobre menstruação o tempo todo – quer dizer, qual então era a conversa naqueles brunches só de amigas e nas festas do pijama de adolescentes? E pensar que ele – Harry Finley, uma cara que não teve irmã, esposa ou qualquer experiência com mulheres sangrando em carne e osso, quanto mais um diploma sobre o tema – estava provocando essa conversa? Ele ficava impressionado.

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Elissa Stein, que mais tarde escreveria Flow: The Cultural Story of Menstruation, lembra que visitou o museu com o marido. Quando ambos perceberam que o museu ficava dentro da casa de Finley, ela disse a ele: "Não me sinto confortável com isso". Porém, antes que eles conseguissem ir embora, lá estava Finley, parado na porta, os convidando para entrar. Assim, Stein e o marido estacionaram o carro e seguiram Harry até o porão de sua casa.

Estava escuro, e Stein lembra que os torsos de manequins pendurados pareciam uma cena de filme de terror. "Nunca vou me esquecer de descer aquelas escadas e pensar: 'Meu deus, vou morrer aqui!'."

No entanto, chegando mais perto, Stein viu o museu se iluminar. A exposição era um pouco parecida com um projeto de escola, com folhas de papel coladas nas paredes e manequins de plástico, embora a coleção em si fosse incrível: Tambrands, a empresa que faz o Tampax, tinha doado mais de mil itens diferentes dos arquivos deles, que incluíam a coleção mais abrangente de produtos Tampax desde 1936 até os dias atuais. Um cara na Holanda, que colecionava relíquias da Segunda Guerra Mundial, enviou a Finley cópias de livretos produzidos pelo governo nos anos 40 sobre menstruação na Holanda e Alemanha. Um figurinista do Folger Sheakespeare Theater criou uma réplica de avental menstrual para o museu. Um homem do Meio-Oeste norte-americano, que tinha fetiche por ver a namorada usando calcinhas menstruais, doou 30 delas quando se casou com outra pessoa (ela não compartilhava esse fetiche, e ele precisava se livrar das peças).

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"Era um baú do tesouro de artefatos menstruais", relembra Stein. "Ele sabia a cronologia e a história, e tinha uma riqueza de material. O que era curioso, porque ele era um homem – e por que um homem iria criar um museu sobre menstruação?"

A primeira propaganda de Kotex, de janeiro de 1921.

Finley, claro, está familiarizado com essa pergunta. Com toda a atenção que a exposição recebeu, muita gente questionou seu papel na operação. A defunta revista Sassy escreveu uma nota sobre o museu, aconselhando Finley a "investir em produtos de macho, amigo". Chamaram-no de pervertido no rádio durante um seguimento sobre o museu. Uma mulher escreveu uma carta a ele dizendo: "Que Deus feche seu museu horrível".

Seus colegas entraram na onda, mas seu chefe pediu que ele não discutisse seu interesse por menstruação no escritório e não revelasse onde trabalhava em entrevistas sobre o museu. Uma vez, ele mencionou o museu para uma de suas colegas da National Defense University. "Sim, comecei um museu de menstruação na minha casa", ele falou casualmente. Ela o olhou como se tivesse ficado sabendo que a Rússia tinha declarado guerra aos EUA.

Só que sua família não aceitou a coisa muito bem. Quando ele contou para sua madrasta, de quem ele era bastante próximo, ela disse que ele era doente e uma desgraça para a família. Até hoje, ele não pode falar sobre o museu com seu irmão ou a cunhada; além disso, seus irmãos postiços se recusam a falar com ele desde que ele comentou sobre o museu 20 anos atrás.

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Ainda assim, foi a reação das pessoas que realmente estudavam o tema que mais incomodou Finley. Ele convidou pessoas envolvidas com a indústria de produtos menstruais para visitar o museu: todos recusaram. Ele apareceu em uma ou duas reuniões da Society for Menstrual Cycles Research, em que pôde "sentir a hostilidade" das mulheres na sala. Era como se ele fosse um garoto com notas do Banco Imobiliário tentando entrar na Bolsa de Valores.

"É meio estranho dizer que ele realmente tinha um museu, apesar de ele o chamar assim", frisa David Linton, que dá o curso sobre menstruação no Marymount Manhattan College e é parte do conselho da Society for Menstrual Cycle Research. Linton destaca que Finley é um cara legal, mas como levar a sério alguém que nunca estudou as coisas de forma verdadeiramente acadêmica? "Ele se saiu bem em reunir todas essas coisas, porém não tem nenhuma qualificação formal. Ele é um colecionador amador."

Ott, a curadora do Museu Nacional de História Americana do Smithsonian, compartilha essa opinião. Ela reitera que "ele certamente teve muito cuidado, pesquisou e dedicou tempo ao seu museu", embora isso também seja uma confusão de objetos sem uma narrativa real para conectá-los – e, claro, com tudo reunido num espaço não convencional e até bizarro. "Ele sabe muito sobre esses objetos, mas um contexto maior se perde – narrativas maiores que museus usam para explicar como coleções se encaixam na história", ressaltou Ott.

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Linton, que estuda representações da menstruação na sociedade, admite que há desafios para se tornar um estudioso sobre o tema quando se é um homem. Porém, da maneira como ele vê, Finley nem ao menos tentou.

"Olha, eu não digo que sou um especialista em menstruação. Eu sei algo sobre a construção social do tópico", explica Linton. "Acho que Harry é sobre o Harry. Ele quer que isso seja sobre ele."

"Ele é muito possessivo com essas coisas", diz Stein. Quando começou a escrever Flow: The Cultural Story of Menstruation, ela imediatamente pensou nele e em sua coleção. "Falei com Harry e disse: 'Eu adoraria apresentar sua coleção [no meu livro]'. Ele não se interessou."

Isso a decepcionou. Finley sempre falava que gostaria que mais pessoas vissem sua coleção, e ela estava ali oferecendo uma chance de que o mundo inteiro a visse – e ele diz não?

"Senti que ele tinha ficado ofendido porque eu tinha a oportunidade de falar sobre menstruação, e ele não", ela analisa. "Era como se isso tivesse de ser sobre ele."

(Finley nega. "Pelo que me lembro, Elissa não me perguntou se eu queria ser o coautor ou 'apresentar minha coleção' em seu livro. Ela perguntou se poderia fuçar – foi o termo dela – nos arquivos para procurar ilustrações para o livro. Isso me deixou desapontado.")

Autorretrato de Harry Finley segurando um copo menstrual e com artefatos de seu museu ao fundo.

Em agosto de 1998, o Museu da Menstruação fechou. As visitas a cada final de semana se tornaram muito cansativas, pois Finley sofreu uma angioplastia e teve de implantar um stent coronário. Sua família praticamente o tinha deserdado por causa disso, e as mesmas pessoas que apreciavam menstruação pelas lentes acadêmicas o rejeitavam. Isso tinha se tornado um fardo, e ele acabou dizendo "Chega!". Quando as pessoas perguntavam se poderiam visitar o museu, ele recusava educadamente.

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A coleção permaneceu fechada por quatro anos, quase intocada. Mas seu porão começou a ter infiltrações, e muitas das propagandas e fotografias sofreram com a umidade; então, ele foi obrigado a colocar tudo em caixas num armazém.

"Fiquei com o coração partido", lamenta Finley. "Passei não sei quantas horas e gastei muito dinheiro fazendo isso. Agora está tudo destruído."

É difícil entender por que a coleção significa tanto para Finley, especialmente porque ele mesmo não consegue articular. Ele é fascinado pelo tópico, com certeza, e devotou muitos anos à sua coleção – mas fica claro que o museu representava algo além do que puro interesse acadêmico. Em seu site, ele justifica sua paixão dizendo que queria "fazer algo de valor" e que tinha gostado assunto. Só que essa não parece ser a história inteira.

Até hoje, ele ocasionalmente atualiza o site, embora mesmo isso se apresente de uma maneira que parece um tanto o inconsciente do espectador. O lugar é um labirinto de mais de 3 mil páginas, cada uma com um número incompreensível de links por página. Algumas páginas só podem ser acessadas depois de clicar numa série de outras páginas numa sequência específica, e é fácil encontrar algo fascinante enterrado no site e nunca mais conseguir achar isso de novo.

Algumas partes são profundamente pessoais. Numa página chamada "Voltando à perseguição: Outra razão para começar o museu", Finley descreve seu irmão mais novo, Jim, que morreu tragicamente aos 21 anos de distrofia muscular (sua mãe morreu cinco anos depois, "de tristeza"). Ele detalha sua própria depressão na adolescência, incluindo fotos das cicatrizes de autoflagelação em seus braços. Ele escreve sobre ter sido internado numa ala psiquiátrica; a época em que alguém envenenou e matou seu gato; sua suspeita de que possa sofrer de transtorno bipolar; e sua solidão extrema.

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A página não tem nada a ver com menstruação. E, ainda assim, isso está lá, casualmente, como parte do pacote. Quando ele foi entrevistado pelo Washington Post em 1995, um ano depois da abertura do museu, Finley contou que a morte da mãe e do irmão o deixou "com medo de casar e ter filhos". E talvez, na falta dessas experiências íntimas de vida, ele se voltou para esse tema profundamente íntimo e colocou todo seu coração nisso para fugir da solidão.

Um trecho de um dos quadrinhos de Harry Finley descrevendo o futuro do museu. Se ele não conseguir encontrar um espaço permanente para sua coleção antes de morrer, ele vai doar tudo para o Powerhouse Museum de Sydney, Austrália. Veja a tira completa aqui.

Se Finley quisesse, ele poderia reabrir o museu. Ele sabe que ainda teria de enfrentar o tabu da menstruação, mas muita coisa mudou desde 1994. As pessoas querem falar sobre choque tóxico, menstruação livre, Barbies que menstruam e retratos de Donald Trump pintados com sangue menstrual. Uma congressista está tentando mudar a indústria de absorventes. Essa é praticamente a era da menstruação.

E daí que o museu deixa as pessoas desconfortáveis? Finley gosta de comparar isso ao Museu do Holocausto em D.C., onde os visitantes podem andar entre os vagões nos quais os judeus eram transportados para a morte nos campos de concentração. Isso não é confortável. Finley foi lá uma vez e disse que nunca quer voltar – foi muito angustiante –, embora admita ter ficado feliz em visitar. Foi importante para ele, assim como é importante aprender sobre menstruação.

Ele não quer ceder a coleção a qualquer um. Ele tem exigências: a exposição tem de ser permanente. Não pode ser algo temporário ou uma exposição itinerante, tampouco algo armazenado em arquivos que os visitantes precisem "agendar" para ver. O museu deve ser público – um lugar onde homens mulheres e crianças possam ver a coleção de graça. De preferência, a exposição deveria ter um prédio independente, com seu próprio café e loja de presentes, além de um espaço para uma cabana menstrual nos fundos. E já houve ofertas. A Biblioteca Schlesinger, da Universidade de Harvard, pediu a coleção a Harry, assim como o Smithsonian. Finley respondeu "Não, obrigado". "Eu sei aonde isso vai parar", ele comenta. "Eu conheço a sala onde as coisas ficam. E é como uma gaveta."

No fundo, Finley – hoje com 73 anos – sabe que, se seu Museu da Menstruação for se reerguer um dia, isso vai acontecer depois que ele tiver partido. Ele está muito velho e não tem o dinheiro para começar um projeto assim sozinho. Alguém mais jovem precisa fazer isso. Mas ele espera que alguém faça, que seu legado viva e que tudo isso signifique alguma coisa no final.

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Tradução: Marina Schnoor