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Te Enganaram: a “Briga” Entre a Pitty e a Anitta Não Tem Nada a Ver

Eu tava lá e pedi pra Débora Lopes e pra Marie Declercq explicarem porque geral tá viajando.

Por André Maleronka.

Bom, eu estava na tal gravação do Altas Horas ontem em que, segundo o site Ego, a Anitta e a Pitty discutiram. Depois de relutar um monte, li a tal matéria. Me incomodou. Por exemplo, a reação da plateia não foi bem assim. Era uma molecadinha interessada que sim, aplaudiu a Pitty num dado momento, mas e daí? Eram todos homens. E pelo que entendo, nesse assunto não importa a opinião deles — fora ser claque dum programa de entretenimento. Nem a minha, a propósito. Então vou só dar um breve depoimento do momento e deixar pra duas mulheres discorrerem sobre o caso.

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A conversa foi um tanto tensa porque sempre é tenso esse tipo de papo, mas na hora minha visão do que pegou foi: sororidade.Descrevi a cena na redação e as feministas me confirmaram. Não vi um embate. Acho inclusive que a Pitty foi supergenerosa com a Anitta, que reproduzia um senso-comum ali. Se não estou enganado, é uma das lutas feministas.

Me incomoda demais ver um monte de gente reproduzindo um discurso raso que só serve pra criar animosidade entre duas figuras públicas femininas que são referências pra muitas pré-adolescentes brasileiras. Criar uma falsa dicotomia de rock X funk. Por conta disso, contei o que vi pra Débora e pra Marie que escreveram os textos abaixo pra ajudar a explicar esse tipo de lance, já que eu não sou o mais indicado pra tanto. Saca só:

Por Débora Lopes.

"Bate boca", "rivalidade", "briga". Os portais da internet adoram aproveitar qualquer mínima brecha na vida das celebridades – principalmente quando são mulheres – para fazer notícia e rechear as redes sociais com mais burburinho. A patrulha não para nunca: colunistas, blogs, grupos de Facebook, comentários em sites.

Anitta e Pitty possuem papeis importantes na vida das meninas que curtem suas músicas. Digo por experiência própria: brincar de "girl power" nos anos 90 com as Spice Girls fez de mim alguém que realmente passou a ver o mundo com outros olhos. Virgem de tudo, eu mal tinha conhecimento do que era sangrar rigorosamente uma vez por mês. Não muito tempo depois de cantar "Wanna Be" num inglês improvisado, lembro de xerocar uma página de livro com dizeres de Betty Friedan e Gloria Steinem sobre a questão do feminismo e colar na parede do quarto, ao lado da minha cama. A ideia era rememorar todas as manhãs aqueles tópicos que passei a considerar como objetivo de vida: não me submeter ao mundo patriarcal, não ser conduzida pelo pensamento dos homens, não tolerar ser diminuída por ser mulher e tantos outros.

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Ninguém perde quando duas musas do pop nacional expõem suas opiniões em um programa de televisão. Todo mundo ganha. Não podemos intelectualizar Pitty e demonizar Anitta. Não é uma briga de escola. Não é uma competição para ver quem é mais inteligente, usa o vestido mais bonito ou rebola melhor. Não é eleição para presidente. São duas mulheres famosas e bem resolvidas debatendo o que deveríamos abordar em casa com a nossa família desde os zero anos de idade.

Quando Anitta canta o "Show das Poderosas" e opina que as mulheres "querem tomar o lugar dos homens em todas as situações", há, sim, certa contradição. Porque, talvez, eu tenha pensando que o "Show das Poderosas" fosse uma maneira de mostrar ao mundo que as mulheres agora se sentem mais fortes – não só para seduzir e conquistar.

Mas que esse debate seja a base de futuras contestações e engendre outras mil dúvidas na cabeça da molecadinha que ainda não sabe o que é sangrar uma vez por mês, pagar aluguel, plano de saúde, ser encoxada no transporte coletivo e ter que lidar com um sujeito no computador à frente ganhando vinte por cento a mais que você pelo simples fato de você ter uma – veja só, veja só – xana. Porque, Anitta, as mulheres ainda ganham menos, sim. Mas não é obrigação sua saber disso ou enfatizar isso num programa de TV.

Não é colocando uma mulher contra a outra (só porque um papo acalorado e discordante aconteceu em rede nacional) que se muda a porra toda. Assim como condenar o shortinho atolado na bunda ou a falta de calcinha por baixo da saia das meninas no baile funk não se evita gravidez ou DSTs, queridos seres humanos. É papo, prosa, tête-a-tête, debate, contrapontos. Desculpem a positividade indomável: mas, confesso, só vejo beleza.

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Por Marie Declercq.

Antes de qualquer coisa, vamos começar admitindo que é muito bom ver um programa popular colocar a liberdade sexual em pauta e ainda chamar só as minas para discutir sobre o tema?

Poderia ser melhor? Claro que sim.

O que importa é que duas celebridades femininas -que possuem muitas meninas jovens como fãs- discutiram sobre liberação sexual da mulher. Qual a chance de isso ter acontecido alguns anos atrás? Isso será transmitido na casa de milhões de brasileiras, muitas nem devem saber direito o que é machismo.

Na minha humilde opinião é uma conquista, pois mais mulheres estão sendo informadas sobre seus direitos básicos (!). Significa também mais empoderamento e combate à desigualdade de gêneros. Também significa que não é impossível de imaginar que em um futuro próximo outras pautas mais complexas - como a transfobia – poderão ser discutidas em rede nacional.

O que achei problemático mesmo, foram os acontecimentos depois da gravação do programa.

Tive a infelicidade de ver muitas mulheres criando um racha ridículo entre a Pitty e a Anitta. O jornalismo de fofoca também não ajudou nadinha, alegando que as duas "entraram em um bate-boca" por conta das opiniões divergentes. Logo começou a ser levantado que talvez as duas são rivais, inimigas no showbizz. Só faltou alguém lançar um "rock X funk".

Parece que ainda ninguém consegue lidar com o fato de que duas mulheres podem ficar em um mesmo ambiente, discutir e discordar sobre um mesmo assunto e continuarem se gostando.

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Inclusive, as duas sabem muito bem que esse lance de rivalidade feminina é pura babaquice. Tanto é que fizeram questão de desmentir isso no Twitter.

Já esperava essa atitude por parte da mídia, pois ela precisa criar uma polêmica para atrair mais likes, visualizações e compartilhamentos nas redes sociais. Entretanto, admito que fiquei chocada com tamanha quantidade de mulher que se diz feminista rachando a Anitta sem piedade.

Não estou falando que a gente tem que engolir o que a Anitta está falando, mas já pararam para pensar na possibilidade de ninguém nunca ter sentado com ela para conversar sobre isso? Existe uma coisa muita bacana chamada desconstrução, sabiam?

Se a Anitta fosse de alguma forma racista, gordofóbica e transfóbica, nunca cobraria a compreensão de vocês. OK, ela reproduziu machismo no discurso dela, mas na moral, atire a primeira pedra a mulher que nunca reproduziu isso em algum momento da vida. Vamos ser mais sinceras com nós mesmas? Por que vocês cobram tanta sororidade para si mesmas, mas excluem outras mulheres do pacote?

Lembrando que a Anitta surgiu do funk, um meio tão machista quanto a ceninha rock da Pitty. Garanto que em nenhum momento as duas conseguiram se beneficiar desta mentalidade machista. Por isso que é importante nós levarmos uma discussão saudável para mulheres que não conhecem o feminismo. Mulher informada é mulher empoderada, não é mesmo? Rachar mina não vai levar a gente a lugar nenhum.

Cadê a sororidade, gente?