FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Uma Noite Sem Emoção

O ato contra o aumento das passagens convocado para essa quinta, no Rio de Janeiro, teve cartazes e gritos dizendo “cadê meus 150 reais?”, ou mesmo, “cadê meu rojão?”.

Para que servem os protestos? De que (ou quem) são feitos? De onde vêm? Para onde vão? Revolta, rebelião ou revolução? Na era do “google it” e do compartilhamento rápido de asneiras via Facebook, teorias da conspiração e opiniões controversas e polêmicas não param de pipocar. Ficou meio clichê repetir que desde junho do ano passado o bicho está pegando e que os black blocs isso e aquilo. Mas se você for ver, só na última semana, o Rio de Janeiro viu vários protestos violentos, e não só dentro do perfil “black bloc” do protesto contra as passagens de segunda-feira (que foi relativamente pacifico); na terça-feira, um protesto na Praça Seca em Jacarepaguá, em resposta à morte de dois supostos traficantes pela PM, terminou com ônibus queimados e uma pessoa baleada; na quarta-feira, ônibus e lojas foram incendiados no Engenho Novo em protesto contra a morte de um homem baleado num confronto entre traficantes e policias da UPP e, na quinta-feira, 300 servidores federais ocuparam o prédio da Secretaria de Saúde, dessa vez sem confronto.

Publicidade

Mesmo que o cinegrafista Santiago não tenha sido a primeira vitima fatal dessa onda de protestos, a investigação enérgica sobre sua morte deixou tudo ainda mais esquisito. Na segunda-feira, foi anunciado o nome e a foto do suspeito de ter acendido o artefato que matou o cinegrafista. A polícia chegou ao nome após a cooperação do advogado Jonas Tadeu Nunes, que representava Fabio Raposo, um moleque magrelo e assustado que brotou em seu escritório procurando ajuda, e acabou convencido a se entregar e entregar o coautor do crime, um sujeito supostamente muito agressivo que ele dizia não conhecer — só por codinome, dizia. Quando o Caio Silva de Souza foi capturado anteontem, seu advogado, o mesmo de Fábio, disse que ele não tinha mais condições de continuar sua fuga para o nordeste e, por isso, foi convencido por ele e sua namorada a se entregar também. Agora, o Dr. Tadeu tem dois clientes presos aguardando o julgamento que pode encarcerá-los por 30 anos no complexo de Gericinó, em Bangu, bairro mais quente do escaldante Rio de Janeiro, uma área composta somente por blocos de cimento, grades de aço, armamento pesado, esquecimento e sofrimento.

A história complica, fica confusa, mas não totalmente inverossímil após uma tortuosa coletiva de imprensa com o delegado que cuida do caso e o novo chefe da polícia civil do Rio. Nela, eles afirmam que o suspeito desfrutou de seu direito de ficar calado e falar em juízo, que o inquérito de homicídio estava concluído e que outros assuntos (como uma suposta aliciação de manifestantes) seriam investigados em inquéritos separados. Imediatamente após à coletiva, a Globo veicula no RJTV uma matéria, gravada horas antes, quando o suspeito ainda se encontrava na Bahia, em que ele assume o crime e diz que “tem medo de pessoas”. Na sequência, a mesma emissora veicula uma entrevista com o advogado, realizada ainda antes, em que este fala que seus clientes recebiam uma ajuda de 150 reais para participarem, de forma violenta, das manifestações. Na manhã de quinta, Caio finalmente depôs à polícia, dizendo que foi Fábio que acendeu o rojão e expondo o tal sistema de aliciação. No final do dia, o advogado, aquele que convenceu todo mundo a se entregar, disse que caso um manifestante continue a acusar o outro, poderia abandonar o caso, uma vez que pode haver conflitos e ele já não está cobrando honorários.

Publicidade

Não foi à toa que o ato contra o aumento das passagens convocado para essa quinta rolou com vários cartazes e gritos dizendo “cadê meus 150 reais?”, ou mesmo, “cadê meu rojão?”. Por volta das 18h30, cerca de duas mil pessoas saíram da Candelária e marcharam pela Av. Presidente Vargas até a prefeitura do Rio de Janeiro. Desta vez, salvo as brincadeiras em cima do episódio da mesada ativista, o ato seguiu sem provocações ou confusões. Bandeiras vermelhas de partidos dominavam, coisa que eu não via desde a confusão do dia 20 de junho. Curiosamente, um dos partidos presentes é acusado de fazer parte do esquema de aliciamento. Havia poucas caras cobertas no ato.

Dessa vez, o homem-aranha estava meio mulher-maravilha.

Quando a galera passou em frente ao Comando Militar do Leste, onde o cinegrafista Santiago foi atingido pelo rojão, o povo fez um minuto de silêncio.

Um ativista me mostrou uma maço de “surreais” que pretendia distribuir entre os manifestantes, 150 para cada, como parte do programa “Meu ato, minha vida”.

Cercados massivamente pela PM, o ato se concentrou em frente ao prédio da prefeitura. Uma banda que acompanhava o ato tocava o “Rap da Felicidade” e outras músicas criticando o prefeito e o governador em ritmo de funk.

O clima estava tão calmo que jornalistas transformaram os degraus da estação de metrô Cidade Nova (fechada às pressas por conta do protesto) numa sala de imprensa.

Devagar, a muvuca foi se dissipando e o protesto chegou ao fim. No caminho de volta para casa, reencontrei meu amigo Formigão, que tinha visto na concentração, e ele disse com seu jeito fanho de ser: "É, hoje foi sem emoção".

Tive de concordar, e não foi por falta de bombas, gás ou cacetadas. Mesmo toda musicalidade e ironia do povo carioca já em ritmo de carnaval, depois da morte de Santiago e da história da mesada-ativista, ficou um clima muito estranho no ar…

Siga o Matias no Twitter: @MATIASMAXX