Foto por Valentina Quintano. Nos anos 70, Golda Meir, a então primeira-ministra de Israel, se deparou com um gabinete do governo cheio de homens discutindo qual a melhor maneira de conter uma onda de estupros violentos. A ideia de proibir as mulheres de sair às ruas depois do anoitecer foi colocada. Mas Meir tinha uma contraproposta.“São os homens que estão atacando mulheres”, ela disse. “Não o contrário. Se tem de haver um toque de recolher, que tranquem os homens, não as mulheres.”No final, a ideia foi descartada como impraticável. Mas, desde então, vem sendo seriamente considerada por um punhado de comunidades ao redor do mundo. Dessa vez, é Bucaramanga, cidade do estado colombiano de Santander, que vai pegar o bastão metafórico de Meir. Nesta semana (quinta-feira, 9 de outubro), a cidade de apenas 600 mil habitantes vai experimentar sua primeira noite “apenas para mulheres”, parte de uma campanha lançada pelo governo estadual.Falando com a mídia colombiana, Juan Camilo Beltrán, presidente da Câmara de Comércio de Bucaramanga e um dos defensores do esquema, explicou que esse toque de recolher, apesar de sua natureza simbólica, é uma tentativa de frustrar a praga de ataques violentos contra as mulheres da cidade.“Quando se trata de festejar pacificamente”, ratificou Beltrán, “as mulheres sempre se comportam melhor.” Bares e clubes estão sendo encorajados a realizar eventos apenas para elas. Homens que estiverem nas ruas depois do anoitecer precisarão ter uma permissão de conduta segura, emitida pelo gabinete do prefeito, explicando por que estão desobedecendo o toque de recolher.No entanto, qualquer multa emitida provavelmente será simbólica. O sucesso do esquema vai depender de os homens aceitarem seguir a campanha. Beltrán reconheceu: “Só podemos esperar que os homens aceitem o desafio [de ficar em casa]”, o que está longe de ser uma certeza.A Colômbia já está familiarizada com a ideia; um toque de recolher similar teve sucesso parcial na capital do país na virada do milênio. E uma tentativa de menor sucesso aconteceu na Europa em 2003 quando uma cidade espanhola deu uma chance à ideia. Mas, afinal, a realização de um toque de recolher para homens é realmente uma maneira efetiva de lidar com a violência contra a mulher?Suzanne Clisby, diretora de pós-graduação da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Hull, acha que não.“Não acho que toques de recolher sejam uma maneira efetiva de lidar com a violência contra a mulher”, ela opinou. “O melhor que um toque de recolher formal pode fazer é mandar uma mensagem do Estado de que a violência contra as mulheres é vista como inaceitável e será tratada com seriedade, mas, a menos que seja seguido por várias outras ações, isso será inútil.”Até o momento, foi essa falha que limitou o sucesso desses tipos de procedimento. Todos foram de natureza simbólica e, mesmo estimulando o debate, falharam em trazer qualquer diferença real na prevenção de violência baseada em gênero na sociedade.Eles, aliás, podem até ter um efeito negativo. “Isso pode perpetuar o mito de que a violência contra a mulher acontece só à noite e só é cometida por estranhos”, aponta Clisby.Criar uma narrativa de que a embriaguez nas noites fora de casa é a principal causa de ataques violentos a mulheres obscurece os fatos dramáticos da situação. Os perpetradores de violência baseada em gênero geralmente são conhecidos da vítima, e a violência costuma acontecer em casa ou no ambiente de trabalho, não em clubes e bares.Alison Phipps, diretora de estudos de gênero da Universidade de Sussex, argumenta que um dos problemas com toques de recolher é que isso “ainda está dentro da retórica de que a violência masculina é inevitável e que as mulheres têm que tentar evitar ou se afastar disso – o que é inútil na melhor das hipóteses. A mensagem que precisamos passar é a de que os homens precisam se comportar de modo diferente em vez de separar homens e mulheres – de qualquer maneira – para proteger as mulheres”.E é aqui que podemos encontrar um aspecto positivo dos toques de recolher para homens. Como ferramenta pedagógica, isso tende a encorajar o debate sobre a violência baseada em gênero. Mas talvez esses esforços e energia possam ser mais bem canalizados em campanhas educacionais mais efetivas.“Precisamos desafiar a maneira como os meninos são criados numa forma particular de hegemonia masculina, que pode ser tão prejudicial para eles como para as mulheres e quem mais estiver ao redor”, acrescentou Clisby. “Além disso, precisamos observar a maneira como as meninas são criadas para aprender construções normativas de feminilidade, o que pode deixá-las vulneráveis à exploração sexual.”Então será que algum dia veremos um toque de recolher desse tipo em um país como o Reino Unido? Phipps sugere que é melhor não esperar.“Não acredito que algum dia veremos algo assim no Reino Unido, já que não vejo como isso poderia ser implementado. A menos que haja um elemento consensual em que os homens estejam dispostos a ser parte de um experimento social ou de uma declaração política, o que poderia ser bastante efetivo.”Veremos se os homens de Bucaramanga vão abraçar esse experimento social desta semana.Siga o Euclides Montes no Twitter.Tradução: Marina Schnoor
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