Tenho Quase 30 Anos e Ainda Sou Viciada em 'The Sims'

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Tenho Quase 30 Anos e Ainda Sou Viciada em 'The Sims'

Passei centenas e centenas de horas vivendo estas vidas virtuais ao longo da última década e meia. Sejamos francos: é um vício.

Eu tenho uma relação de 15 anos com The Sims. Joguei todas as versões, comprei todas as expansões e tudo mais. Passei centenas e centenas de horas vivendo estas vidas virtuais ao longo da última década e meia. Sejamos francos: é um vício. Farei 30 anos logo e ainda me pego voltando a esta franquia. Mas por que? Por que esta franquia teve um impacto tão grande em minha vida?

Parte de mim crê que é porque posso viver a vida de meus sonhos sem ter que sofrer com a dor do fracasso ou rejeição. Não existem consequências negativas em The Sims se você jogar seguindo as regras. Sou o tipo de jogadora que cuida bem de suas Sim famílias. Construo uma casa incrível para eles, decoro os quartos da mesma forma que faria com o meu se tivesse uma fonte inesgotável de dinheiro. Os guio por suas vidas, aumento os níveis de suas habilidades, os ajudo a conseguirem promoções, seguro suas mãos durante seus problemas amorosos e através das dificuldades do parto e casamento. Basicamente, essas famílias chegam ao fim de suas vidas com todos os seus desejos realizados. Nenhum arrependimento aqui.

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Às vezes até chamo meus Sims de 'Emma'

Sei que The Sims não é como a vida real, mas há algo de estranho e viciante em poder fazer dinheiro surgir no ar. Contas à pagar? Não tem problema! Minha família quer um sofá novo? Tá na mão! É uma fantasia que vira realidade na minha cabeça. Como não se empolgar ao resolver todos os seus problemas com um clicar ou dois no mouse e alguns códigos bem conhecidos? Poder se sustentar, mesmo que seja um eu imaginado, é maravilhoso. Algumas vezes libertador de forma que a vida não é.

Às vezes até chamo meus Sims de 'Emma', com aparência igual à minha (ou pelo menos o eu ideal que imagino), e dou ao meu Sim-Eu a vida que quero: uma escritora bem-sucedida, com um relacionamento saudável e carinhoso com meu parceiro, um jardim cheio de plantas que posso cuidar, e (dependendo da versão do game) uma casa cheia de cães e gatos. Praticamente tudo que espero da vida real.

Meu Sim-Eu é criativo, cozinha bem e cuida da casa. Ela ri de piadas, consegue manter uma boa conversa e não sofre de ansiedade. Ela não deixa as coisas caírem, nem entra em depressão quando algo não acontece como ela esperava, ela tem foco e faz tudo acontecer. Ela é meu eu ideal. Alguém que posso me divertir em melhorar porque sei que ela está melhorando. Ver tudo acontecer na tela traz uma satisfação que a vida não traz: posso ver as habilidades do meu Sim-Eu se desenvolverem em "tempo real", enquanto o medidor em sua cabeça é preenchido, e ela sobe nível a nível até ser mestra na vocação escolhida.

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Teve uma Sim que fiz que ela subisse de nível em cada habilidade. Esta personagem em especial era uma gênia, chegando à níveis intelectuais com os quais só poderia sonhar.

Posso ver exatamente como ela vai em seus relacionamentos também, se uma piada deu certo ou não, se meu parceiro sente raiva, se sou "melhor amiga" de meu novo vizinho. Também sei quando amigos sentem-se negligenciados, ou quando deixamos de ser amigos. Posso criar e introduzir o amigo perfeito, removendo qualquer acaso no processo de meu Sim de ter uma vida mais feliz. Além disso, também sei quando meu Sim-Eu está de mau-humor: pode ser que esteja cansada, ou precisa ir ao banheiro ou sente fome. Na vida real, muitas vezes nem eu sei se estou com raiva ou com fome – muitas vezes é fome mesmo – mas na vida do meu Sim, consigo detectar e atender suas necessidades rapidamente.

Eu nem sempre sou tão boa. Houveram, momentos em que quis sabotar a vida do meu Sim-Eu. Mandar ela trabalhar num dia de humor ruim, gritar com seu namorado por não lavar a louça, esquecer de alimentar seu cão ou gato ou filho (coisas que espero não fazer na vida real). Mas é difícil fazer isso com meu Sim-Eu. É complicado machucar estas pessoas virtuais por mais que não hajam consequências duradouras. É mais complicado ainda agora em The Sims 4 (a versão mais recente), que conta com uma série de reações e emoções muito mais complicadas. Os Sims reagem à situações de formas muito mais realistas; por exemplo, se meu Sim está triste porque quer companhia, ela voltará pra cama e não levantará até ter dado uma bela chorada. Mesmo depois, ela pode continuar triste e precisar de algo para ficar bem. Não importa o quanto eu destrua a vida de um Sim, porém, a boa nova aqui é que posso começar tudo de novo com um novo Sim, uma nova casa, uma nova carreira.

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Em comparação ao tempo que passo em The Sims, não tenho quase nenhum controle sobre minha vida de verdade. Não me sinto como uma integrante produtiva da sociedade. Nem mando em nada. Pressões e influências externas guiam minha vida (ou desguiam dependendo da situação). The Sims pode ser encarado como um veículo para obcecados por controle, para pessoas tipo-A como eu que acham difícil dar um passo pra trás e admitir que não posso supervisionar ou controlar tudo. Para quem sente que ainda não tem seu lugar em meio à sociedade. Não consigo controlar cada detalhe de minha própria vida. Tem vezes que tenho que abrir mão. No mundo de The Sims sinto-me produtiva. Menos quando salvo meu progresso, saio do jogo e volto pra vida real. Só aí percebo quanto tempo "desperdicei". Quanto tempo poderia ter passado dedicada aos meus próprios objetivos, minhas próprias conquistas, cultivando relacionamentos com quem está ao meu redor ao invés de minha família virtual.

Em comparação ao tempo que passo em The Sims, não tenho quase nenhum controle sobre minha vida de verdade

Por mais que goste de minha habilidade de desempenhar múltiplas tarefas com facilidade, ao desempenhar as tarefas de meu Sim uma por uma para atender todas suas necessidades, eu mesma não consegui nada demais ao jogar. Meu Sim-Eu sim. Tudo que consegui foi ficar umas horas na frente do computador. É como um curativo para toda a minha luta, minha tentativa de viver uma vida significativa, produtiva. E cada vez que saio do meu jogo para encarar a vida real, lembro de tudo que eu não consegui. A lista infinita de fazeres que ignorei em prol de viver vidas falsas infinitas. Enquanto meu Sim-Eu terminou seu romance e mandou para uma editora, eu não escrevi nada. São poucos os jogos que me fazem sentir culpada como esse. Jogo Borderlands e continuo feliz depois porque me aventurei em outro mundo. Não há correlação entre o que faço em Pandora, um planeta alienígena de criaturas estranhas, e o que faço na realidade. Nada no jogo me faz pensar que eu deveria estar fazendo outra coisa quando saio dele. Nada nele me faz sentir culpada pelo que falta em minha vida.

Então ao passo em que The Sims me oferece uma válvula de escape divertida para meus desejos de uma vida perfeita e ideal, também é um lembrete desolador de que estas realidades idealizadas não existem. Que ao passar horas e horas neste espaço fantástico onde controlo tudo, na verdade evito fazer o trabalho pesado porém recompensador da minha própria vida. Fico pensando se The Sims terá o mesmo charme quando eu seguir os passos da corajosa e muitas vezes feliz Sim-Emma, ou se atingir meus objetivos na vida real terá este mesmo tom viciante. Se não, bem, então o The Sims ainda estará lá esperando por esta controladora.


Crédito das imagens: Emma Fissenden

Tradução: Thiago "Índio" Silva