​Quanto Menos Grana, Mais Suicídios
Crédito de todas as imagens: Juliana Lucato/ VICE

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​Quanto Menos Grana, Mais Suicídios

Pesquisadores afirmam que a causa dos 11 mil suicídios anuais no Brasil está associada à desigualdade social do país – que continua grande, sim.

Da coluna 'Reduzindo Desigualdades'

Recentemente, a ONU anunciou 17 metas globais para os próximos 15 anos. A meta pro Brasil é Redução das Desigualdades. Inspirados por isso, pensamos numa série de matérias pra VICE, Noisey, Thump e Motherboard. Clique no link acima pra sacar todas.


Olha só, sei que é chato, um tabu, mas a gente precisa falar de suicídio no Brasil.

Aqui vão uns dados para você entender por quê.

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De acordo com um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos, uma pessoa tira a própria vida. Por ano, ao todo, são mais de 804 mil casos pelo mundo. No Brasil, embora ouçamos pouco sobre o assunto, a estatística mais recente, de 2012, é nada desprezível: 11.821 homens e mulheres se mataram em um ano. Não é pouco. Ocupamos o oitavo lugar no ranking de nações com maior número de suicídios.

Explicar as causas não é fácil. Parece haver, entre os médicos, um consenso de que os casos estão quase sempre associados a problemas de saúde mental. Para muitos estudiosos, porém, isso é meia verdade. A psicóloga Daiane Borges Machado está neste grupo. Ela fez uma pesquisa de mestrado na Universidade Federal da Bahia (UFBA) para relacionar os índices de desenvolvimento do Brasil e o número de suicídios na última década. A conclusão foi incômoda: as taxas de suicídio tendem a ser maiores nos municípios mais pobres, onde a desigualdade de renda piorou.

Daiane analisou 5.507 municípios brasileiros de 2000 a 2011 por meio do coeficiente de Gini – que é calculado por uma fórmula matemática e mede a desigualdade de 0 a 1, sendo 0 muito bom e 1 muito ruim – e do número de mortes por suicídio. "Apesar do Brasil estar melhorando na redução da pobreza, em alguns municípios a desigualdade de renda piorou ou está estabilizada, e isso explica o aumento de casos de suicídio em muitos locais", disse Daiane ao Motherboard.

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Segundo a pesquisa da psicóloga, municípios onde o nível de escolaridade é mais baixo, o acesso a serviços também tende a ser menor, o que influencia o aumento ou estabilização das taxas de suicídio. "Quando há melhoria socioeconômica tende também a diminuição da taxa de pessoas que tiram a própria vida", afirma.

Um exemplo perfeito do que a pesquisadora observou é a cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Cortado pelo Rio Negro, o município tem a maior taxa de suicídios do Brasil: 51,2 a cada 100 mil habitantes, de acordo com o Mapa da Violência 2014. A média brasileira é de 6 a cada 100 mil habitantes, de acordo com a OMS. Como desgraça pouca parece ser bobagem, a cidade também tem o maior índice de desigualdade do país, marcando 0,8 no índice de Gini. Não é coincidência.

Em 2011, o Ministério Público Federal abriu um inquérito para investigar o alto número de suicídios entre a população indígena de São Gabriel da Cachoeira. Segundo dados do Mapa da Violência, os índios da região formam a população que mais se mata no Brasil. A conclusão para essa epidemia estava, como Daiane e outros pesquisadores desconfiavam, atrelada à questão de disparidade socioeconômica.

"Eles estão em uma situação muito miserável hoje em dia, perderam muito a função que eles tinham na sociedade, tem uma miséria então muito grande, uma falta de pertencimento a uma tribo e um uso muito grande de álcool e drogas", nos contou a psicóloga Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio e uma das especialistas que revisou o documento da OMS citado no começo do texto.

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O ponto mais intrigante da pesquisa da Daiane é que, durante o período analisado por ela, o governo federal investiu pesado em programas de redistribuição de renda que tiraram milhões de pessoas da linha de pobreza e, mesmo assim, as taxas de suicídio aumentaram em 10,4%. Por quê?

Daiane está se aprofundando nessa questão em seu doutorado e sua hipótese é de que os programas sociais, como o Bolsa Família, não fizeram com que a taxa diminuisse, e sim ajudaram a desacelerar seu crescimento. "Antes, crescia com maior rapidez, agora tem aumentado menos," diz.

A situação do suicídio no país é bastante delicada. Para cada caso consumado, o número de tentativas é incalculável e os motivos são os mais diversos. O Centro de Valorização à Vida (CVV) é uma das ONGs mais antigas do Brasil em atendimento e com anonimato garantido a pessoas que precisam de ajuda. A organização atende cerca de um milhão de pessoas por ano. "A gente acredita que o suicídio nunca acontece de uma hora para outra, é um acúmulo de situações, mas chega uma hora que tem a gota d'água que faz o copo transbordar", explica Adriana Rizzo, que é voluntária do CVV há 16 anos.

O que a Adriana chama de gota d'água, a Daiane chama de gatilho e pode ser desencadeado por um contexto econômico. Desde o lançamento do livro O Suicídio, do sociólogo Émile Durkheim, em 1897, é sabido que o suicídio é um fato social e está ligado ao contexto – a própria história também já nos ensinou que em tempos de crise econômica, o número de casos tende a aumentar.

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"Ainda que o suicídio seja um ato individual, ele é influenciado por todo o contexto social em que a pessoa está", diz Daiane. "O mesmo gatilho ocorrendo numa família de classe média é diferente do que vai acontecer com quem está numa família pobre que mal tem como pagar as contas básicas e não teria como pagar assistência à saúde mental."

A pesquisadora alerta, porém, que viver em uma situação desfavorecida não é fator determinante. "O que vai influenciar são as estratégias, o que a pessoa vai fazer com aquilo. Então, ainda que o fator econômico não seja o gatilho que vai desencadear, ele pode ser agravado se a pessoa junto a isso lida com outras dificuldades."

"O gatilho que ocorre numa família de classe média é diferente do que vai acontecer com quem está numa família pobre que mal tem como pagar as contas básicas e assistência à saúde mental"

Daiane escreve em um de seus artigos que, mesmo com o progresso e a redução da pobreza, a desigualdade no Brasil tem raízes históricas e impacta diretamente em questões de saúde da população e também nas causas de morte. O suicídio é a terceira maior causa de morte no país. Perde apenas para homicídio e acidentes de trânsito.

O sistema de saúde brasileiro também não colabora. Em outro artigo, Daiane afirma que, em 2010, apenas 21% dos municípios brasileiros tinham pelo menos um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) instalado e, em nenhum deles, os profissionais receberam treinamento específico para a prevenção de suicídio. "Ainda não se conhece o impacto desses centros na mortalidade por suicídio no país, apesar da importância de avaliar o efeito desses novos equipamentos de cuidado em saúde na mortalidade por suicídio", diz.

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O CAPS é implementado em municípios maiores e esquece os menores, afirma Daiane. Esse problema do acesso acaba levantando um dilema no maior estilo Tostines: "são as pessoas que, por terem problemas psiquiátricos, tendem a ficar mais pobres ou porque elas são pobres e têm acesso mais limitado e mais restrito a cuidados em saúde mental elas tendem a ter problemas psiquiátricos?", questiona a pesquisadora.

Na defensiva, o Ministério da Saúde afirmou em nota ao Motherboard que mantém um programa de "acompanhamento psicológico e psicoterápico, incluindo terapia ocupacional e assistência hospitalar" por meio da rede pública (SUS). Além disso, "em 2006, o Ministério da Saúde publicou as Diretrizes Nacionais de Prevenção do Suicídio (Portaria 1876/2006) e o manual dirigido aos profissionais das equipes de saúde mental dos serviços de saúde, com ênfase nos CAPS. Essa iniciativa compõe a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, que tem como objetivo reduzir as taxas de suicídios e tentativas, e os danos associados aos sujeitos envolvidos, bem como sua rede de suporte social e comunitária".

O órgão ainda argumenta que "de acordo com a OMS, a qualidade das informações sobre suicídio no Brasil é considerada alta".

HORA DE ENCARAR O TABU

Falar de morte, principalmente desse tipo, ainda é um tabu muito grande no Brasil. Do lado da imprensa, fica o receio de que a veiculação de matérias sobre o tema possam encorajar pessoas a tomarem atitudes drásticas. Mas, para muitos especialistas de saúde, é hora de encararmos o fato: muita gente se mata no nosso país por causa de questões socioeconômicas e precisamos fazer alguma coisa.

"As pessoas têm muito medo de falar, trazem uma culpa, uma vergonha muito grande. Assim como a gente não falava de AIDS e não falava de câncer há 20 anos, imagina-se que começando a falar sobre suicídio agora, isso possa realmente ter um impacto grande na prevenção", diz a psicóloga Karen.

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Para trazer o assunto à tona, este mês a Anistia Internacional criou o Setembro Amarelo para alertar sobre a importância de se debater o suicídio. De acordo com todos os profissionais consultados para essa reportagem, o suicídio tem prevenção e falar sobre ele é uma importante ferramenta nesse processo – quando bem falado, importante pontuar – porque as pessoas se sentem menos sozinhas.

"A solidão é muito evidente. As pessoas são muito criticadas, muito julgadas quando falam que querem morrer. Os outros falam que é uma besteira. Mas é algo que todo mundo pode sentir. Pode acontecer com todo mundo em algum momento da vida. O suicídio é um problema de saúde pública, o número de mortes é muito alto. Parece que é uma coisa distante, mas tá bem perto da gente", conta Adriana.

"Os fatores individuais das pessoas não temos como controlar, mas os fatores contextuais, socioeconômicos, o governo tem como implementar políticas para impactar um número bem maior de pessoas"

A Daiane também acredita que o silêncio deve ser quebrado e que políticas públicas de educação, transporte e lazer devem ser implementadas, inclusive para apaziguar o sentimento de solidão. Ela diz que é muito importante que as pessoas estejam imersas em alguma rede social e se sintam pertencentes a um grupo para diminuir a chance de isolamento.

"Os fatores individuais das pessoas não temos como controlar, mas os fatores contextuais, socioeconômicos, o governo vai ter como implementar políticas para melhorar, impactando um número bem maior de pessoas", diz ela. "Os programas de prevenção têm que focar tanto no atendimento de assistência psiquiátrica, saúde mental, mas também têm que pensar em macro políticas, que mudem o contexto e deem possibilidades às pessoas."

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Se você tem algum familiar ou passa por uma situação delicada, não fique em silêncio. Peça ajuda, fale com alguém, procure um profissional. Aqui temos algumas possibilidades:

- Centro de Valorização da Vida (CVV)

A instituição é uma das mais sérias do país. Começou em 1962 na cidade de São Paulo e hoje tem 70 postos de atendimento em todo país. Os voluntários se colocam à disposição para ouvir sem julgar ou dar sermão. Acesse o site: cvv.org.br ou disque 141.

- Laboratório de Estudos Sobre a Morte (LEM)

O grupo de pesquisa é relacionado ao Instituto de Psicologia da USP e, além de estudos sobre o tema, presta assistência à comunidade. Acesse o site: http://www.lemipusp.com.br/ ou ligue (11) 3818-4185, ramais 31 e 33.

- Instituto Sedes Sapientiae

Criado em 1978, a entidade tem um trabalho sério de formação de profissionais ligados à saúde mental. Entre os cursos e palestras há também atendimento à pacientes. Acesse o site: sedes.org.br ou ligue para (11) 3866-2730.

- Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic

O instituto ligado à PUC de São Paulo faz atendimentos, avaliações e orientações.