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Tecnologia

​Fiz um show de standup em realidade virtual

Talvez uma nova forma de arte esteja chegando a nossos dispositivos: a comédia virtual.

Dia desses fiz um show de standup em realidade virtual.

Meu agente falou pra eu ressaltar que isso me torna o primeiro comediante em RV do mundo, mas, a bem da verdade, estou mais empolgado em ser o primeiro comediante no esquema home-office. Se existe uma geração de introvertidos criados na internet, quero ser o comediante dela. Geração Otaku: tamo junto. Não quero sair de casa, não.

Nunca esperei muito dessa tecnologia imersiva, confesso. A realidade virtual pode ser muito bem o futuro, como dizem. Mas, como a maioria das coisas dessa vida, pode não ser para todo mundo.

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Falando de forma mais egoísta: se e quando a RV chegar, o que isso representará para os shows? Sinceramente, não tinha ideia. Talvez não mudasse nada. Mas, pelo visto, nessa primeira fase em que tentamos entender a tecnologia, todos os ramos do entretenimento se arriscam na plataforma. Todos mesmo. Inclusive o setor de shows – sejam eles de música ou, para minha alegria, de comédia.

Quando a newsletter da comunidade online RV Hammer & Tusk anunciou um evento de comédia em RV, enviei-lhes um email implorando pra fazer parte do rolê. Imaginei que ninguém sabia o que estava fazendo, então eu não me destacaria muito. Nem pra bem ou pra mal.

Os espaços de RV para a comédia parecem seguros e protegidos, como os porões e as salinhas nos fundos dos melhores clubes que frequentei

O evento em si rolou no VRChat.net, uma startup que permite aos seus usuários hospedarem mundos virtuais com a engine Unity. O público pode se juntar a mundos virtuais em seu desktop ou com um headset de RV – como o Oculus Rift, meu caso.

O benefício imediato que notei de fazer um show em RV é que não precisava ser eu mesmo, isto é, aquele cara que vejo todas as manhãs em frente ao espelho.

Digo, eu gosto bastante de mim mesmo, mas atuar como você em realidade virtual parece tão divertido quanto aqueles sonhos bizarros em que você está fazendo algo no trabalho em um loop contínuo. Tem vezes que preciso de uma pausa, um visu diferente.

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Escolhi me apresentar como um coelho gigante em 3D.

Infelizmente, minhas habilidades com 3D não são das melhores e meu coelho parecia ter grave escoliose. O negócio era tão feio que ele olhava pra cima mesmo quando eu observava a platéia. Imagine só um Pernalonga toscão, de olhos aos céus, em crise existencial. O público amou. Bando de doentes.

E por falar em público, é de se esperar que os early adopters de RV sejam um bando desorganizado de trolls internéticos. E é por aí mesmo. Em grande parte porque o público pode escolher seus avatares e muitos eram trolls em 3D de fato. Vi uma galera bem variada, incluindo stormtroopers, Pikachus e o Cavalo Voador, meu favorito.

Para deixar tudo mais divertido, muitos avatares tinham combos animados que usavam para mostrar que curtiam as piadas. No final da última anedota, um monte de personagens digitais fez moonwalk, flexionou os músculos e fanfarreou como sinal de aprovação. Pra completar, o Cavalo Voador voou e soltou um arco-íris da bunda. Curti.

Há diferenças claras entre atuar em RV e no mundo real, claro. Primeiro: em vez de usar um microfone no palco, falei direto no microfone do Oculus, então eu meio que parecia um cara querendo dar de engraçadão em uma teleconferência. E qualquer material que fizesse referência à minha aparência teve que ser cortado, muitas vezes quando já estava saindo da minha boca.

Além disso, por mais que visse o público mexendo a cabeça, não via seus olhos. Imagino que futuros headsets resolvam isso, mas provavelmente demorará até que possamos ver os olhos entediados e demais sub-expressões de alguém. São dispositivos de feedback importantes para o diálogo e performance de quem está em ação no palco.

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Minha parte favorita da RV foi viver o sonho de introvertidos de todo o mundo: encerrei meu set correndo e gritando rumo a um portal que me tirou do lugar do show. E posso ser sincero? Me diverti muito mais do que em shows no mundo real e estou empolgado mesmo com a flexibilidade em termos de autorepresentação que a RV trará para os artistas. Foi libertador ser um personagem de desenho.

A maior surpresa, porém, foi a sensação de que as qualidades que tornam da RV algo proveitoso para a comédia também a tornam ideal para lidar com alguns problemas das redes sociais.

Ao longo dos anos, notei que os melhores espaços para a comédia parecem seguros e protegidos, como porões ou salinhas nos fundos. Creio que isso aconteça porque estar em um local fechado traz mais segurança. Você sabe quem está lá e o que é dito vive e geralmente morre naquele contexto.

Isso permite que o público relaxe, que os artistas possam errar e, nas melhores noites, uma ligação emocional sincera acontece.

Compare isso com o mundo atual das redes sociais: você não faz ideia de quem ouvirá o que você disser, provavelmente durará para sempre e não há garantia de que o contexto será mantido.

A realidade virtual em seu estágio atual é mais íntima, semelhante aos meus porões da comédia favoritos.

Creio que, no mínimo, a RV será ótima para os comediantes. Dará-lhes acesso a públicos que muito provavelmente não sairiam de casa para vê-los. E o melhor: ninguém nem liga se você é humano ou não. Aliás, é mais divertido se não for.