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O que esperar de Alexandre de Moraes no STF

Ex-Ministro da Justiça de Michel Temer, Moraes foi aprovado na sabatina do Senado por 55 votos a 13 e passa a ocupar a vaga deixada por Teori Zavascki.

Imagem: Agência Brasil.

Um ditado antigo diz que cabeça de juiz é igual bumbum de neném: você nunca sabe o que vai sair de dentro dos dois. No Brasil, dentro do Supremo Tribunal Federal, há a exigência da sabatina do Senado para cada novo ministro indicado pelo presidente — caso de Alexandre de Moraes, ex-Ministro da Justiça de Michel Temer, que foi aprovado nesta quarta-feira (22), que entra no STF na vaga deixada por Teori Zavascki.

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A aprovação, por 55 votos a 13 foi relativamente rápida – os indicados pelo presidente passam em média 20 dias esperando a confirmação, enquanto Moraes esperou 15 dias. A maior demora foi para a definição da Comissão de Constituição e Justiça, recomposta após a troca no comando do Senado no começo de fevereiro, e que é responsável por sabatinar o novo ministro.

Graças às inúmeras polêmicas envolvendo o nome de Moraes – de acusações de plágio em sua tese de doutoramento à sua relação íntima com Temer – a sabatina foi puxada. Apesar do desfalque de nomes fortes da oposição, com os petistas Jorge Vianna e Humberto Teixeira viajando para Israel e Roberto Requião (PMDB-PR) no Uruguai, a sessão durou 11 horas e 40 minutos. Edson Fachin, último ministro indicado por Dilma e hoje relator da Lava Jato, penou em uma sabatina de 12 horas, por exemplo. Ao final, Moraes foi aprovado na CCJ por 19 votos a 7, e se não deu a Temer o "padrão Menezes Direito", ministro indicado por Lula e aprovado em um dia (sob a justificativa de que faltava apena sum mês para atingir a idade máxima d 65 anos para ingresso  no STF), ao menos resolveu rapidamente o impasse que consumia o Planalto.

Com sotaque paulistano carregado e demonstrando habilidade política de quem atua há mais de década em diferentes cargos executivos, Moraes defendeu-se longamente das acusações. Disse que não era advogado do PCC, mas que seu escritório havia defendido processos de trânsito da cooperativa de transporte Transcooper, que havia sido posteriormente  ligada ao PCC. Também negou ter declarado que, enquanto Ministro da Justiça, que gostaria de "erradicar a maconha na América Latina".

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Além disso, teve que se defender de duas acusações a respeito da sua tese de doutorado. Sobre o plágio do qual é acusado, defendeu-se dizendo que "o próprio tribunal constitucional espanhol diz que o conteúdo citado é de decisões públicas" – o que o coloca academicamente num limbo complexo, uma vez que reproduzir obras de domínio público como se fossem suas não é necessariamente plágio, mas indica uma incapacidade de redação meio preocupante.

O outro ponto em que os senadores bateram foi de que, também na sua tese de doutoramento, Moraes defendia que políticos em cargos de confiança fossem impedidos de serem indicados pelo presidente para o STF, para evitar "demonstração de gratidão política". Num exemplo claro de "faça o que eu digo, não faça o que eu faço", ele disse que "a regra do jogo é essa", e que não se considera impedido de assumir o cargo de ministro.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), chegou a sugerir que Moraes se considerasse "impedido" de julgar a Lava Jato no STF, mas foi ignorado. O novo ministro diz que vai atuar com "absoluta imparcialidade e neutralidade", e também diminuiu a importância do fato de que se tornará revisor do processo em casos que vão a plenário. Já a sua citação na Operação Acrônimo, mantida em sigilo pelo Supremo, também foi minimizada pelo ex-ministro da Justiça: "Não existiu investigação e nunca existirá, porque nada de ilícito foi praticado".

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Para além das polêmicas, que ainda incluem uma "sabatina informal" em um barco no lago Paranoá em Brasília, uma procissão de beija-mão de senadores a partir de sua indicação e a sua relação próxima com o PSDB, partido ao qual era filiado até a indicação, resta saber, agora que Moraes foi confirmado e não há volta, o que pode significar sua atuação. Ele deu alguns detalhes, fugiu de muitos se declarando impedido, mas o panorama futuro é de um juiz relativamente duro nas penas, mas com a tentativa de ser liberal em poucos aspectos.

A primeira posição de Moraes, inesperada, foi a da separação clara entre as penas de tráfico e uso de drogas – hoje, com a lei de 2006 que abrandou a pena para o usuário, não existe distinção clara entre a quantidade de droga apreendida e o enquadramento do infrator, e desde a aprovação, o número de presos por tráfico saltou de 31 mil pessoas para 138 mil.

"A questão mais importante ao meu ver, legislativa, neste momento, seria uma diferenciação objetiva entre usuário e traficante, mas o traficante ligado à organização criminosa. Isso seria possível com uma legislação que tipificasse, colocasse novas elementares de tipo no [crime de] tráfico", explicou Moraes, sem explicitar sua posição sobre a legalização da maconha. Em outro momento, ele faz uma explanação longa sobre os tentáculos do crime organizado e o narcotráfico, defendendo uma iniciativa nacional para combater os crimes.

Enquanto, por um lado, se considerava favorável ao casamento gay, decisão já antiga da Corte, por outro Moraes fazia o bagre ensaboado e se declarava impedido para falar de decisões futuras, como o caso do aborto. Porém, não se fez de rogado de defender alguns endurecimentos na lei. Apesar de ser contra a redução da maioridade penal, se disse a favor de aumentar o tempo de internação de menores que praticaram delitos, hoje fixado em no máximo três anos, para dez anos, em casos de crimes considerados hediondos. "Em casos equivalentes a crimes hediondos, permite até 10 anos de internação para o menor. E depois que ele completar 18 anos, que seja separado dos demais adolescentes em área específica." Uma vez que o tráfico de droga ainda é equivalente a crime hediondo (exceto em caso de primariedade) no Código Penal brasileiro, é de se perguntar o efeito que essa proposta pode ter sobre o encarceramento em massa, dessa vez de menores.

Já no campo dos crimes de colarinho branco, Moraes concorda com a prisão na segunda instância, defendeu um prazo máximo para as prisões preventivas – coisa que deixaria Sergio Moro e sua tática de pressão para delações de cabelo em pé –, chamou o vazamento de delações de "criminosos", acha complicado punir como abuso de autoridade diferentes interpretações da lei e se esquivou de falar sobre o fim do foro privilegiado. Signatário das "dez medidas contra a corrupção" de Deltan Dallagnol, Moraes se posicionou especificamente contra três delas: é contra o uso de provas ilícitas, restrição ao habeas corpus, e também o teste de integridade de funcionários públicos, que chamou de "pegadinha".

No fundo, o panorama do novo ministro, que vai ocupar a vaga no STF por 25 anos, não saiu muito diferente da sua carreira: deve-se mostrar "durão contra o crime", mas com uma tentativa de modernizar a lei brasileira. Seu posicionamento sobre a Lava Jato e crimes de colarinho branco em geral deve ser posto à prova em breve, e então veremos quem se arrependerá: os que não deram bola para a sua indicação ou um governo que poderia se sentir "traído" caso seja fustigado pelo seu pretenso aliado.

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