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Viagens

Aluga a tua casa no Airbnb e paga as facturas do mês

"Vives num apartamento espectacular no centro da cidade, apenas com uma condição: tens que receber todas as visitas", que, por sinal, não são poucas.
Imagem através de Flickr

"Mas qual é o problema? O que é que tens contra o Airbnb? Ajuda muita gente. Claro que eu ganho dinheiro com isso e agora grande parte dos meus rendimentos vêm daí". Disse-me mesmo antes de lhe fazer qualquer pergunta. "O que incomoda a Generalitat não é saber se a normativa é ou não cumprida, o que mais incomoda a Generalitat é não conseguir levar uma parte de tudo isso". Tem trinta anos e vive em Barcelona. Chama-se Pablo e conheci a sua faceta de anfitrião quando um amigo me confessou que gostaria de fazer o mesmo que ele e dedicar-se a receber visitantes através da plataforma de viajantes Airbnb. "Vives num apartamento espectacular no centro da cidade apenas com uma condição: tens que receber todas as visitas", que, por sinal, não são poucas.

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Já há algum tempo que queria falar com Pablo, mas desde que foi publicada a história da sanção que o Ministério do Turismo passou à plataforma por incompetência desleal, estava em pulgas para conhecer um pouco mais o seu caso, tão particular, que lhe permite viver descansado alugando a sua casa através da Airbnb. Para o Ministério, que já tinha manifestado o seu interesse por rectificar as regulações turísticas do turismo colaborativo, a questão reduz-se a uma prática homologada e fora do seu controle. Ao operar como apartamentos turísticos deveriam ter serviços mínimos: segurança e outras coisas que os hotéis são obrigados a cumprir. O caso de Pablo seria o exemplo que mais se poderia encaixar na sanção, se bem que seria o menos frequente visto que a Airbnb reconhece que 77% dos alugueres são de carácter temporal. Com este problema a administração decidiu aplicar à plataforma uma multa de 30.000€ - a mais elevada possível - e tiveram que a pagar.

O que a Generalitat não disse foi que para se trabalhar com um apartamento particular como se fosse um apartamento turístico deve pagar-se uma taxa que pretende duas coisas: homologar as garantias do serviço e cobrar um imposto que vá parar directamente aos cofres públicos. Hoje a concessão de licenças está totalmente paralisada até nova ordem, de modo que muitos agentes hoteleiros já não têm oportunidade de cobrir uma demanda que um particular pode cobrir através da Airbnb e outras plataformas similares.

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E precisamente o Gremi d'Hotels de Barcelona (GHB) foi uma das vozes mais críticas - com declarações absolutamente estúpidas sobre "gente não solidária que só quer guerra" - denunciando concorrência desleal e pedindo mais dureza por parte da administração. Contudo, a regulamentação destas formas de consumo colaborativo tem tendência à normalização, o que significa, em última instância, mais dinheiro para uma cidade em que o turismo é um pilar fundamental na sua economia (quase 20% do PIB local numa capital europeia com outros recursos como a indústria, a actividade portuária ou um sector de serviços brutal).

Nem sequer se reconhece que se está a sancionar economicamente uma plataforma e com ameaças de cortes aos acessos desde a Catalunha, em vez de fazê-lo a quem oferece os serviços: os responsáveis subsidiários que colocam os apartamentos em aluguer na internet. Para o colaborador da Sharing Espanha, Miguel Ferrer, isto não faz sentido nenhum, porque a Airbnb simplesmente organiza através da internet uma actividade que já existia. Uma pessoa deve ser livre de retirar algum benefício da concretização de um acordo que se ajuste a todas as partes. Seria mais inteligente não operar contra este tipo de actividades colaborativas e seguir o exemplo de administrações como a de Amesterdão que recentemente chegou a um acordo definindo que é a própria Airbnb que deve arrecadar com o dinheiro destinado a pagar a taxa correspondente através das tarifas aplicadas às transacções dos usuários.

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Mas a Airbnb e Barcelona casam na perfeição. Se lermos a resposta oficial que a plataforma disponibilizou aos meios de comunicação, todos os argumentos são muito positivos na relação que tem com a cidade. Durante o último ano, foram gerados - de forma directa e indirecta - uns 128 milhões de euros graças à Airbnb - segundo informações de 2014. Atraiu mais de um milhão de turistas e é, sem dúvida, um reforço ao rendimento de muitos dos usuários. Ajuda-os a pagar as facturas e é o complemento ideal para assumir a hipoteca, o pagamento do aluguer e os gastos mensais até mais ou menos 60% dos casos, de acordo com um estudo da ESADE. Pablo encaixa nestas estatísticas. Não tem emprego nem salário regulares. E é claro que isto o ajuda a pagar os gastos.

A plataforma diz promover o turismo sustentável e um perfil de turista muito mais saudável para a cidade. Pablo ri-se quando menciono isto, até parece que sou o relações públicas da Airbnb. "Ui, nem pensar! Há muitos tipos de turista. Por acaso vais dizer-me que todos deixam o apartamento impecável, ou que quando vêm grupos de ingleses pré-universitários não vão fazer festas mais agressivas?". Claro que isso também acontece na Airbnb, em que os alojamentos funcionam literalmente como apartamentos turísticos. É simples: se convives com o anfitrião dá para manter uma relação cordial evitando assim desentendimentos. Se tens uma casa onde metes montes de turistas - uma boa alternativa para os típicos apartamentos de praia - acabas por ser mais um apartamento de temporada desses que há em Barceloneta. A Airbnb também se massifica e casos como o de Pablo não são únicos. Para gerar rendimentos notáveis cada mês não basta alugar o quarto de hóspedes. O método funciona quase como se fosse um hostel: quartos com várias camas e horários flexíveis de entrada e saída.

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"É claro que não", responde-me Pablo quando lhe pergunto se conversa e fica amigo de toda a gente que vai ao seu apartamento. "Cada vez que vem alguém recebo-os em casa ou lá perto, mostro-lhes o apartamento e dou-lhes um molho de chaves. Se há algum feeling tomámos uma cerveja, mas não passa disso, depois deixo-os à vontade. Quando recebes assim tanta gente não tens lá muita vontade de pôr-te à conversa com umas turistas japonesas que não sabem uma única palavra em espanhol".

O rating da plataforma está pensado para fazer com que hóspedes e viajantes se dêem bem. As iniciativas de consumo colaborativo baseiam-se em gerar um clima de confiança dentro da comunidade. Coincidir o mínimo possível com os inquilinos é uma maneira de cumprir os "requisitos mínimos" para com os visitantes e assim toda a gente fica feliz.

Pablo está sempre a rir, o tempo todo, e qualquer pessoa diria que muito provavelmente tem um plano infalível para continuar a fazer dinheiro desta forma. As sanções não lhe fazem caso, e, segundo ele, não está a fazer nada de mal, por isso, ele é que tem razão. Mas vamos lá ver, a sua forma de gerir a Airbnb poderia ser classificada como um desempenho laboral e, portanto, deveria ter encargos fiscais. Pablo pode declarar até ao último cêntimo do dinheiro que recebe por receber turistas, mas isso depende exclusivamente dele. Algo perfeitamente possível na declaração de rendimentos anual. Outra coisa é que, como diz Miguel Ferrer, tenhamos pela frente uma burocracia complicada que dissuada qualquer pessoa que o queira fazer. Pablo concorda com a filosofia da plataforma de maneira que se sente "absolvido" e não teme multas reais. Durante todo o tempo que tem hospedado turistas terá recebido dinheiro suficiente para conseguir viver com um "salário" mensal generoso. Conto-lhe sobre os 128 milhões que a Airbnb deixa em Barcelona e parte-se a rir: "Os 300.000 euros de multa não são nada para a Airbnb, não fazes ideia da quantidade de pasta que ganham. Para eles é como pagar uma factura". Tem razão, a Airbnb recebe à volta de 10% de cada transacção entre hóspedes e visitantes. O que significa que mesmo as ofertas mais baratas podem traduzir-se num lucro de 2.000 por mês num apartamento como o de Pablo. Não podemos esquecer que Barcelona conta com mais de 4.000 alojamentos na Airbnb.

O crescimento da plataforma, a par de outras alternativas de consumo colaborativo, permite sonhar com a redução do turismo de plástico que assola a cidade. Depois das quatro asneiradas do ano passado, o Ministério prevê começar a regular tentando alcançar consenso de todas as partes. No entanto, os antecedentes não deixam lugar para o optimismo. A multa à Airbnb, o batalhão de apartamentos em Barceloneta e as políticas reaccionárias levadas a cabo até hoje são prova da capacidade dos big bosses do sector para pressionar, com medo a enfrentar a transformação do modelo. Pablo e outras pessoas como ele têm agora a oportunidade de retirar algum benefício de todo o dinheiro que move o turismo da cidade. Já não é apenas um grupo fechado de empresários os únicos a lucrar com à custa desta cidade - que já há algum tempo baixou as calças perante o turismo, para o converter na sua identidade perante o mundo e o derradeiro objectivo das suas políticas urbanas e sociais.

Ao fim e ao cabo, os barcelonenses há muito tempo que sentem que a cidade já não lhes pertence.