Quando, há um ano, o grupo radical islâmico Boko Haram chegou à escola de Chibok no norte da Nigéria durante a noite, os militantes deram a Paz, uma jovem de 18 anos, e às suas 275 colegas de turma duas opções: ou iam com eles ou eram assassinadas. Dessas 276 raparigas, 57 conseguiram fugir e regressar às suas casas. Algumas, como a Paz, saltaram dos camiões que as transportavam, em andamento. Outras deixaram-nas correr atrás dos militantes quando estes se aperceberam que não tinham suficiente espaço para todas. A grande maioria delas continuam desaparecidas e não se sabe se estão vivas ou mortas. Paz - que pediu à VICE News para usar um pseudónimo - vive agora nos Estados Unidos. Pelo menos uma dúzia de raparigas da escola de Chibok fizeram o mesmo e estão agora internadas num colégio, segundo o advogado dos direitos humanos Emmanuel Ogebe. Ogebe, um ex-prisioneiro político nigeriano, está envolvido na iniciativa Education Must Continue, que segundo ele representa a "antítese" do Boko Haram, cujo nome traduzido significa "a educação ocidental está proibida".
"Comprometemo-nos a trabalhar com as meninas, oferecer-lhes um lugar seguro para viverem e dar-lhes uma nova oportunidade", disse Ogebe à VICE News. "Muitas das meninas tinham chegado à conclusão que já não valia a pena voltar à escola, porque pensavam que nenhum lugar era seguro", disse ele. O grupo identificou mais 12 raparigas que têm a esperança de abandonar a Nigéria quanto antes. "Elas tiveram a sorte de poder fugir", comentou Ogebe. "Elas não foram resgatadas. Conseguiram fugir pelos seus próprios meios. Voltar à escola seria demasiado arriscado." Paz, que tem apenas 18 anos, lembra-se com enorme detalhe da noite de 14 de abril de 2014. A maioria das suas colegas tinham ficado na escola, e foram dormir por volta das 23:00 "Às 00:30, ouvimos os gritos dos guardas", disse ela. A Paz não conseguiu dormir essa noite, teve nas suas mãos a responsabilidade de acordar as suas amigas. Uma das meninas telefonou ao seu pai, que prontamente as aconselhou a não correrem porque ninguém sabia, com certeza, onde estavam os militantes. "Depois disso, e após 10 minutos, soubemos que o Boko Haram tinha chegado à nossa escola," Comenta Paz, acrescentando que alguns militantes vieram de bicicleta, outros de carros, e outros a pé". "Eles perguntaram: 'Onde está o vosso hijab? E nós dissemos que não tínhamos hijab", contou. "Em seguida, mandaram-nos levantar e andar numa direcção. Começamos a andar e a andar…." Algumas das estudantes estavam apavoradas e foram transportadas em veículos.
"Eles perguntaram-nos: Quem quer morrer e quem quer viver?" recordou-se Paz. "Ficámos em silêncio. [Disseram] se querem morrer, fiquem aqui, se querem continuar com vida entrem neste carro. Estávamos com muito medo. Tivemos de entrar no carro, se não eles iam-nos matar". À medida que abandonavam a sua aldeia, a sua educação e as suas vidas, Paz começou a sussurrar coisas a uma amiga, uma das que está agora com ela em Washington. "Eu disse-lhe que não sabia para onde nos levavam", disse ela. "Temos de saltar, se queremos continuar vivas. Então, nós saltámos." Elas correram e fugiram dos gritos que as perseguiam. Segundo Paz, finalmente adormeceram não muito longe do sítio onde tinham saltado e, ao acordarem, foram à procura de alguém que as pudesse ajudar.
"Ainda existe uma oportunidade de mudar tudo isto. Ainda é possível termos um final feliz".
Paz aleijou-se numa perna durante a fuga. "Comecei a chorar, sem parar", disse. As meninas finalmente conseguiram regressar a Chibok. Paz contou-nos que a sua família chorou de alegria quando ela chegou. Outras meninas de Chibok tiveram menos sorte e ainda estão desaparecidas, possivelmente mortas ou forçadas a casar-se com combatentes do Boko Haram. "Isto não é como os desaparecidos do voo da Airlines 370 (Malásia), onde você sabe que não há esperança de recuperar alguém com vida", disse Ogebe à VICE News. "Ainda existe uma oportunidade de mudar tudo isto. Ainda é possível termos um final feliz".
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Os combates desalojaram a cerca de 1,5 milhões de pessoas no norte da Nigéria, com muitos refugiados a fugirem para os países vizinhos. Duvillier disse que muitos dos refugiados obrigados a fugir são muitas vezes menores de idade que estão sozinhos, desnutridos e não estão vacinados. Pelo menos 15 mil nigerianos foram assassinados desde 2009, quase metade deles em 2014, quando o nível de brutalidade do conflito aumentou significativamente. "Essas 200 meninas não podem ser esquecidas mas, ao mesmo tempo, também não devemos esquecer-nos das 800.000 crianças que estão actualmente longe das suas casas por culpa da violência do Boko Haram", disse Duvillier. "Essas crianças não têm recebido a mesma atenção que as meninas de Chibok receberam. Eles também merecem atenção. Não vamos esquecer as meninas de Chibok, mas vamos tentar não perder a perspectiva de toda a situação que se está a desenvolver dramaticamente diante dos nossos olhos". Um relatório da UNICEF divulgado segunda-feira diz que as crianças estão a ser usadas como "armas" e" objetivos", o que significa que estão a ser forçadas a lutar ou a serem usadas como bombas suicidas. "Só agora começamos a compreender o impacto geracional do que aconteceu", disse Ogebe à VICE News. "Porque estas meninas ao receberem a educação necessária para serem médicas, vão ter de enfrentar muitas atrocidades e os seus sobreviventes." "Algumas delas disseram-nos que querem ser advogadas dos direitos humanos como eu, porque se inspiraram na minha forma de ajudar", acrescentou orgulhosamente Ogebe. "Esperemos que um dia possam vir a ser representantes das meninas perdidas. Uma maneira de encontrar um lado positivo deste terríveis incidentes." Para a Paz, o ataque de Abril passado foi a segunda vez que teve de encarar frente a frente o Boko Haram. O grupo já tinha atacado a sua antiga escola em 2013, apesar de, nessa altura, o alvo terem sido os estudantes do sexo masculino. Paz recusou-se a criticar o exército nigeriano pelo seu fracasso em combater adequadamente esta ameaça. A nível pessoal, ela ainda acredita que as suas amigas possam voltar. "Acho que as pessoas têm esperança e rezam para que talvez um dia elas voltem", disse ela. "Acredito que vão voltar." As disciplinas favoritas de Paz são o Inglês e a Educação Física, e quando se licenciar espera vir a ser médica. Paz confidenciou-nos que talvez volte a Chibok quando termine os estudos, mas que por agora é feliz nos EUA. "Saí da Nigéria para receber uma educação de qualidade", disse à VICE News. "Aqui a vida é mais calma. Estou feliz. Na Nigéria, não há escolas. Não há paz. E por isso vim para Washington".
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Este artigo foi inicialmente publicado em VICE News.