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saúde mental

Quando matar o teu namorado não te sai da cabeça

Ainda que muitos de nós provavelmente já tenhamos tido pequenos episódios deste género ao longo da vida, eles não são comuns e podem ser controlados.
Imagem principal: ilustração por Julia Kuo

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Broadly.

Violet [nome fictício] suspeitava que podia ser uma serial killer, enquanto Georgia [nome fictício] tinha sonhos recorrentes em que fazia sexo com o seu pai. Para algumas mulheres, este género de pensamentos intrusivos não são apenas situações irritantes - são sintomas de problemas de saúde mental como o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), ou a ansiedade.

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Violet diz que consegue lembrar-se do preciso momento em que começou a pensar em matar o seu namorado. Estava a ver o filme "Laranja Mecânica" e a pergunta veio-me à cabeça: o que é que faz alguém ser um serial killer? "E, de repente, fui assolada por outra questão: como é que sei que não sou uma serial killer? Quase de imediato, como se fosse um teste, veio-me uma imagem à cabeça, em que estava a estrangular o meu namorado ali mesmo na cama". Violet sofria de episódios extremos de pensamentos intrusivos. Uma condição que se define por impulsos não desejados, que temporariamente bloqueiam a nossa sanidade mental. Os pensamentos intrusivos afectam 0.6% da população, na maioria mulheres.

Ainda que muitos de nós, provavelmente, já tenhamos tido pequenos episódios deste género ao longo da vida, eles não são comuns e podem ser controlados. Para quem sofre de ansiedade extrema, no entanto, têm o potencial para destruir uma vida. "Os pensamentos intrusivos podem ser paralisantes", diz Dinesh Bhruga, professor e membro da Associação Mundial de Psiquiatria. e acrescenta: "São recorrentes e persistentes".

Violet, que sofria de TOC, sentia-se tão paralisada pelos seus impulsos que o mundo exterior a estes pensamentos foi posto em espera. Ao debater-se com períodos de ansiedade e depressão na sua vida, Violet rapidamente passou de pensar em atacar o seu namorado, para atacar elementos da sua família e até os professores que tinha na altura.

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"Houve um dia que decidi que tinha de contar a alguém o que se estava a passar comigo - não porque achasse que precisava de ajuda, ou que estivesse a sofrer de algum problema mental, mas porque tinha-me convencido a mim própria que era uma serial killer, ou melhor, a minha ansiedade tinha-me convencido disso", explica. E acrescenta: "Com o passar das semanas e dos meses, o medo tornou-se cada vez mais intenso. Quanto mais tentava não não pensar naquelas imagens, mais elas me vinham à cabeça. Tornou-se até físico: palpitações, um vazio na cabeça e náuseas".

Quando os ataques aceleraram, Violet teve visões muito claras de estar a tirar a vida a alguém e no pico desses episódios chegou a implorar as pais que a levassem à polícia. "Não havia nenhuma parte de mim que realmente quisesse fazer as coisas que imaginava - era, na verdade, exactamente o contrário. Mas não conseguia convencer-me que havia algo que poderia distinguir-me de uma assassina".

Além de fazer com que os pacientes sintam medo pelas pessoas que os rodeiam, as visões podem assumir proporções imensamente problemáticas e até socialmente vistas como tabus. Algo muito claro na situação de Georgia, que sofria de ansiedade aguda e era assaltada por visões em que estava a fazer sexo com o seu pai.

Photo by Lumina via Stocksy

"Tive um sonho, um sonho bastante lúcido, e até me mete nojo só de o verbalizar - sonhei que estava a fazer sexo com o meu pai. E o pior de tudo é que, no sonho, senti que estava a gostar", conta. E continua: "Eu sei que era apenas um sonho, mas ainda assim, mesmo sabendo que tinha a capacidade de saber que era apenas um sonho, foi algo que me lixou a cabeça de uma forma muito fodida. Tornou-se parte da minha realidade. Tinha apenas 13 anos, por amor de Deus. Que outra pessoa de 13 anos tem estes pensamentos?".

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Tomada por uma aversão a si própria e pelo temor do julgamento por parte dos outros, Georgia, como muitos outros na sua situação, sentia que a sua ansiedade era cada vez maior. Os seus impulsos tornaram-se cada vez mais frequentes e rapidamente deixou de conseguir estar perto do seu pai. Ela explica: "Evitava o meu pai como uma praga. Éramos muito próximos antes, mas o que é que eu podia fazer? De qualquer das formas, as consequências dos meus pensamentos eram terríveis para ambos. Sentia-me tão suja. Só há relativamente pouco tempo, quando saí de casa é que consegui voltar a reconquistar essa proximidade com ele".

"Quanto mais te focas numa situação em particular, e se essa situação é perturbadora, mais tem o poder de afectar quem sofre do problema".

Ao tentar evitar os pensamentos, Georgia acabou por desenvolver uma série de tiques nervosos. "Fiz tudo o que é mais comum, saltar os números ímpares, evitar as falhas nos passeios, prestar atenção extra a superstições. Comecei a pensar em ter sexo com cada vez mais pessoas que não queria - amigos da família, gente na rua e, a determinado ponto, até animais".

"Quanto mais te focas numa situação em particular, e se essa situação é perturbadora, mais tem o poder de afectar quem sofre do problema", sublinha Shamila Moodley, do Nightingale Hospital, em Londres. E acrescenta: "Os pensamentos intrusivos podem mesmo influenciar uma pessoa a auto-mutilar-se ou a cometer suicídio".

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Apesar de Violet ter descoberto que os seus pais também tinham sofrido do mesmo tipo de problemas, Georgia, por sua vez, nunca quis falar com a família sobre a sua experiência. "Nunca há um momento apropriado para dizeres a alguém que passaste os últimos 10 anos a tentar evitar que imagens de sexo com o teu pai te toldassem a mente", diz Georgia. "Não posso contar aos meus companheiros, aos meus amigos e, nunca na vida, à minha família. Eles sempre recusaram admitir que eu tinha um problema de ansiedade grave, nunca ligaram aos sintomas. Só muito recentemente conseguiram perceber que isto são problemas legítimos"

Hoje em dia, Violet raramente sofre de episódios deste género e consegue perceber tudo o que teve de ultrapassar para reassumir o controlo da sua mente. "Apesar de me ter sentido aliviada quando percebi que este tipo de pensamentos era mais 'normal' do que se pensa, continuei sem ter confiança. Foram precisos mais de seis meses de terapia intensiva para voltar aos eixos e reconquistar o controlo, ou seja, voltar a confiar em mim".


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