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Música

As homenagens são para quem as merece: RIP Adam Yauch

Um dos principais pioneiros e visionários da música dos últimos 30 anos.

Os Sonic Youth e os Beastie Boys, duas instituições nova-iorquinas, são bandas que sempre deixaram no ar uma questão algo engraçada: até quando seria possível manter os nomes joviais sem que isso fosse contra a idade avançada dos respectivos membros?

Era preocupante a ideia de ver os Sonic Youth chegarem a ser os Sonic Elderly ou os Beastie Boys obrigados a mudar de nome para Beastie Old Folks. Contudo, foram os piores motivos que impediram que isso alguma vez acontesse: os Sonic Youth encontram-se fracturados desde o triste divórcio entre Thurston Moore e Kim Gordon, sendo pouco provável que se reagrupem, enquanto os Beastie Boys, tal como os conhecemos, deixaram de o ser desde que Adam MCA Yauch morreu na passada sexta-feira, dia 4 de Maio, de cancro.

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É impensável pensar nos Beastie Boys sem MCA, tal como nunca passou pela cabeça de alguém imaginar os Nirvana sem Kurt Cobain. Só isso bastaria como prova suficiente do contributo imensurável que Adam Yauch teve no desenvolvimento dos Beastie Boys.

Sem ser um MC brilhante (não era), Adam Yauch era talvez o mais pensador dos três Beastie Boys, o que o torna especialmente determinante numa unidade criativa que esteve constantemente obrigada a transformar-se para nunca perder a exigente corrida que é o hip-hop. Para não parecermos exaustivos na enumeração dos momentos mais decisivos de Yauch (são muitos), podemos apenas enumerar três deles:

Licensed to Ill

,

Paul’s Boutique

e

Check Your Head

. Cada um destes álbuns (associados ao respectivo período dos Beastie Boys) seria por si só suficiente para colocar Adam Yauch entre os principais pioneiros e visionários da música dos últimos 30 anos.

Licensed to Ill

(1986) é um disco gloriosamente imbecil que coloca três judeus de costas voltadas para o hardcore inspirado pelos Bad Brains e de nariz apontado ao rap da escola Def Jam. Um rap tão

old-school

e provocador como as longas barbas de Rick Rubin, o produtor e mentor dos Beastie Boys num tempo em que não era nada habitual ver três putos brancos a rimar todo o tipo de barbaridades com um medalhão da Volkswagen pendurado ao pescoço.

Paul’s Boutique

(1989), por sua vez, era de tal forma delirante (e ambicioso) na utilização de

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samples

que acabou por provocar dois efeitos paralelos: definiu o que podia ser um álbum de hip-hop psicadélico e deixou em alerta todos os autores que pudessem ter uma música potencialmente samplável. Foram necessários alguns anos para o mundo perceber o quão inovador e inteligente foi

Paul’s Boutique

no seu tempo. Hoje é um disco reconhecido por fãs, crítica e qualquer pessoa que se atreva a mergulhar na piscina disco-funk de

“Hey Ladies”

.

Três anos depois,

Check Your Head

representa mais um passo de gigante pela forma como juntou instrumentos rock (baixos e guitarras cheias de efeitos) com o rap mais

streetwise

de Brooklyn (o bairro do trio). Chamaram-lhe hip-hop de fusão, um termo que, a partir daí, serviu para descrever quase tudo o que se assemelhasse a

Check Your Head

e à sua mistura de rock aguerrido (e quente como as garagens da Califórnia onde foi gravado) com rimas cheias de atitude. Vale a pena conferir o clássico

“Gratitude”

para situar este final de parágrafo e escutar Adam Yauch a tocar baixo com um

fuzz

perfeitamente filho da puta. A verdade é que nenhum destes discos foi devidamente premiado por todo o progresso que representou para a música.

Felizmente, o tempo acaba por provar que grande parte dos prémios atribuídos pela indústria são efémeros e pouco significantes para a história. No mesmo ano (1994) em que

Forrest Gump

ganhou o Óscar a

Pulp Fiction

na categoria de Melhor Filme, o vídeo de “Sabotage” perdeu em todas as categorias possíveis nos Video Music Awards da MTV. O mesmo “Sabotage” que, vendo bem as coisas, será provavelmente um dos mais relevantes pedaços de história pop da década de 90 e o melhor filme de Spike Jonze, mesmo que tenha apenas três minutos e pouco. A MTV deu-lhe alta rotação e ganhou muito com o seu

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edge

, mas, na hora dos prémios, decidiu seguir a via conservadora e enaltecer o muito chatinho “Everybody Hurts” (dos R.E.M.) e “Cryin’” (dos Aerosmith), quando este último hoje só é recuperado como artefacto arqueológico do hard-rock.

É insólito pensar que o vídeo dos Beastie Boys não foi sequer nomeado na categoria de edição, quando essa é uma das suas principais qualidades. Mas

“Sabotage”

recebeu um prémio muito maior do que qualquer estatueta em forma de astronauta: quando a música toca em disco, a mente recupera sempre aquela montagem frenética de polícias a caçar ladrões. Enquanto escutamos aquela percussão dramática, cheia de intensidade, é inevitável visualizarmos todo aquele corropio de bigodes, carros e porrada. Quantos vídeos terão sido capazes de ganhar um lugar tão certo na memória do público? Muito poucos.

Mas a oportunidade de vingar a derrota foi-lhes concedida e os Beastie Boys acabaram por tocar “Sabotage” na edição de 1994 dos VMA. Durante a actuação, a banda não parecia nada satisfeita e dava até alguns sinais de revolta. O que sobra dessa actuação parece agora um dos últimos verdadeiros momentos punk rock com direito a transmissão na MTV. Os prémios não fizeram falta nenhuma aos Beastie Boys. Muito mais falta farão eles aos prémios, obviamente.