Duras verdades sobre pornô e disfunção erétil

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Porno

Duras verdades sobre pornô e disfunção erétil

Por que a histeria em torno da pornografia e ereções não se sustenta.

Matéria original da VICE Austrália.

Trabalhando como pesquisador de pornô, notei uma preocupação crescente de que a pornografia esteja matando nossas ereções. O avanço da maleabilidade, gritam as manchetes, aparentemente se deve a um único fator: nosso acesso fácil a putarias na internet.

Semana passada, a apresentadora Alison Mau afirmou que um cara azarado tinha "basicamente destruído a conexão nervosa entre seu cérebro e o pênis". Parece alarmante, exceto que, pelo meu entendimento, o único jeito como se masturbar com pornografia poderia ter destruído esses "nervos" seria se o cara tivesse arrancado o pinto fora. "Dependência de pornografia deveria ser tratada como uma questão de saúde", diz a manchete. Mas existe mesmo "dependência em pornô", e há pesquisas ligando isso à disfunção erétil?

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"É algo mais ou menos assim: os homens estão se masturbando tanto com pornô não realista que agora não conseguem 'funcionar' numa experiência sexual da 'vida real'. Mas as melhores pesquisas que temos até agora simplesmente não apoiam essas afirmações."

Quando você começa a pensar sobre a ligação entre uso de pornografia e disfunção erétil, parece haver uma linha de pensamento plausível e de bom senso. Algo mais ou menos assim: os homens estão se masturbando tanto com pornô não realista que agora não conseguem "funcionar" numa experiência sexual da "vida real". Mas as melhores pesquisas que temos até agora simplesmente não apoiam essas afirmações. Por exemplo, um estudo online com 3.948 homens croatas, noruegueses e portugueses do Journal of Sexual Medicine indicou que "ao contrário das preocupações públicas crescentes, a pornografia não parece ser um fator de risco significativo para o desejo dos homens jovens, assim como para dificuldades eréteis e de atingir o orgasmo". Outro estudo de 2015, dessa vez com 208 homens norte-americanos, indica que ver pornografia "provavelmente não tem um impacto negativo nas funções sexuais, dada que as respostas eram mais fortes naqueles que viam mais [pornografia]".

Isso não impede uma enxurrada de manchetes dizendo que o pornô está destruindo as capacidades sexuais dos homens. "Viciado em pornô: Se prepare para um tsunami de pessoas danificadas", alertou o Herald ano passado. Eles citam a sexóloga de Brisbane Liz Walker, dizendo que "antes da internet, a disfunção erétil entre homens abaixo de 40 anos estava em torno de 2 a 5%, agora esse número subiu para 27 a 33%". Mas quando você tenta encontrar a pesquisa da qual ela estava falando, as coisas ficam nebulosas. A fonte dela é este estudo, que por sua vez dá números encontrados em dois outros trabalhos – nenhum deles fazendo referência à pornografia como causa. Sem mencionar que o autor do segundo estudo é Gary Wilson, um ativista fervoroso antipornografia.

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"Talvez parte da questão seja que brochadas nunca aparecem no pornô. Esses jovens observam, de olhos arregalados, pênis funcionando de maneira quase pneumática, investindo incessantemente."

Enquanto procurava, em vão, por pesquisas apoiando a posição de que pornografia causa disfunção erétil, descobri uma variedade de causas comuns para o problema. E a pornografia não está entre elas. Elas incluem depressão, ansiedade, nervosismo, certos medicamentos, fumo, álcool e drogas ilícitas, além de outros fatores de saúde como diabetes e doenças cardíacas. Mesmo andar de bicicleta por muito tempo pode causa disfunção erétil temporária, se o banco comprimir os nervos do períneo. Segundo algumas estimativas, "disfunção" erétil pode ocorrer com metade de todos os homens, e 1 em cada 4 homens procurando tratamento para disfunção erétil tem menos de 40 anos.

Talvez parte da questão seja que brochadas nunca aparecem no pornô. Esses jovens observam, de olhos arregalados, pênis atuando de maneira quase pneumática, investindo incessantemente. "É assim que se faz sexo" é o que esses espectadores estariam internalizando. Em contraste, incontáveis artigos de opinião, matérias e talk shows os repreendem por chegar a essa conclusão. Questões sobre como fracassamos em educar jovens sobre prazer, respeito e comunicação sexual parecem ter sido substituídas pela sugestão que "as mulheres não gostam de ser bombeadas como um pneu de bicicleta, caras! Mas todos nós estamos preocupados em não ficar com o pau duro o suficiente, e você também deveria!". Qual é outro termo para não conseguir bater continência? Ansiedade de performance. Me parece estranho que os artigos preocupados com disfunção erétil, ao mesmo tempo sugiram que o homem tem basicamente uma função sexual: ficar de pau duro.

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"Considerando que não temos evidências conclusivas de que a incidência de disfunção erétil é maior que no passado, por que não voltamos nossa atenção para os aspectos da pornografia que são motivos de crítica?"

A paumolência entre homens jovens está inchando para níveis nunca vistos antes? Duvido. Esse medo de que a pornografia pode interferir com a capacidade das pessoas de enfiar uma parte do corpo em outra ecoa um pânico de séculos atrás: de que masturbação em excesso iria acabar com a raça humana porque ninguém mais transaria. Considerando que não temos evidências conclusivas de que a incidência de disfunção erétil é maior que no passado, por que não voltamos nossa atenção para os aspectos da pornografia que são motivos de crítica? Quais as condições de trabalho para atores e empregados dentro da indústria? E por que a pornografia se tornou a principal fonte de educação sexual para os jovens hoje?

Kris Taylor é um estudante de medicina da Universidade de Auckland, pesquisando as experiências de homens que usam pornografia e entendimento de vício em pornô.

Tradução: Marina Schnoor

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