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Tecnologia

Contar Todos os Resíduos Plásticos do Oceano Não É Nada Fácil

Um estudo recente contou 5,25 trilhões de partículas de plástico boiando pelos oceanos no mundo.
​Uma praia em Azores. Crédito: Marcus Eriksen

​A enorme quantidade de resíduos plásticos nos oceanos do nosso planeta resulta em ilhas de lixo flutu​antes, ecossistemas se adaptando a habita​ts poluídos e pássaros s​e contaminando com cacarecos tóxicos. Essas consequências já são bem conhecidas, mas ainda existe muito que não sabemos sobre o grande lixão no qual transformamos o oceano.

Nesse mês, um grupo de pesquisadores de várias nacionalidades publico​u um estudo na PLOS One que revela a primeira estimativa da quantidade total de resíduos plásticos que flutuam em nossos oceanos. Eles estimam que a quantidade total é de 5,25 trilhões de partículas plásticas, contabilizando 269 mil toneladas de plástico.

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Os pesquisadores não encontraram microplásticos apenas nos grandes giros oceânicos, onde o plástico tende a se acumular, mas também em áreas muito mais remotas. Porém, eles não encontraram tantas partículas quanto esperado, o que nos leva à grande questão: para onde elas estão indo?

O cientista ambiental Marcus Eriksen, diretor da Five Gy​res Institute — uma ONG da Califórnia — e principal autor do estudo, explicou como sua equipe analisou a poluição oceânica e o que eles estão fazendo com esses dados.

MOTHERBOARD: Quer dizer que vocês contaram a quantidade de plástico jogado no oceano. Isso soa como uma tarefa impossível. Como isso começou?

Marcus Eriksen: É um procedimento muito simples, mas muito trabalhoso. Nós começamos arrastando nossas redes atrás de nossos barcos. Nós usamos uma rede tradicional, utilizada por cientistas por quase cem anos para estudar a superfície do oceano. É uma malha bem fina, com um terço de milímetro de expessura, e nós a usamos para peneirar os resíduos do oceano. Nós arrastamos essa rede por dois ou três quilômetros, cobrindo uma área do tamanho de dois campos de futebol, e depois contamos as partículas. Nós contamos cada partícula, as pesamos, e as dividimos em diferentes tamanhos, cores e tipos — uma catalogação bem detalhada. Nós fazemos isso em milhares de pontos ao redor do mundo.

Em nosso estudo, somamos nossos dados com os de outros pesquisadores que fizeram o mesmo trabalho; seis outros deles tinham muitas informações complementares, e dois deles tinham simuladores oceânicos. Com todas essas informações em mãos, nós entramos em um simulador que previa de onde todo esse lixo vinha — litorais, rotas de navios, grandes rios — e usamos nossos dados para calibrar o simulador. É daí que surgiu a nossa estimativa. Seis anos de trabalho para fazer algo muito simples: contar partículas.

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Qual foi a parte mais difícil do processo?

Acho que a parte mais difícil é a logística necessária para chegar no meio do nada. Quando nós criamos o Five Gyres Institute, descobrimos que os resíduos plásticos dos oceanos se concentravam no Pacífico Norte e na parte Oeste do Atlântico Norte. Não havia nenhuma aglomeração ao redor do Japão, das Ilhas Marshall, dos Açores, ou ao oeste de Londres — nem no hemisfério sul. Foi então que resolvemos organizar essas expedições. Nós não temos nenhum barco; nós arranjamos esses barcos. Todo verão ou primavera nós encontramos um barco e alugamos para uma viagem. Por exemplo, do Rio de Janeiro a Cape Town, na África do Sul, ou de Perth, na Austrália, para Mauritius, ou do Chile para a Ilha de Páscoa, ou dos Açores para às Bahamas. Viagens de longa distância.

NÃO VEMOS MUITOS SACOS PLÁSTICOS NO MEIO DO OCEANO; ELES SE DISSOLVEM EM PEQUENAS PARTÍCULAS

A nossa estratégia é alugar barcos com assentos sobressalentes e vender esses lugares para arcar com as despesas do barco. Essa estratégia financiou 14 expedições, e nos levou para o meio dos oceanos, no meio do nada, para encontrar essas aglomerações de entulho. O nosso estoque de amostras é bem diverso, recolhido em várias partes do mundo.

É óbvio que você recolheram muitas informações. O que vocês descobriram, no final?

Nós descobrimos que existem muitos resíduos grandes por aí; a maioria das 270 mil toneladas métricas são, na verdade, restos de equipamentos de pesca. Os materiais mais resistentes da poluição oceânica são os materiais criados para estar no oceano. Cerca da metade dessa quantidade é formada por bóias de pesca. O resto é composto por produtos que estão se dissolvendo rapidamente. Nós também descobrimos que os produtos que deixam nosso litoral se desfazem com uma grande velocidade. Em um curto período de tempo, um saco plástico se desfaz em partículas minúsculas. Não vemos muitos sacos plásticos no meio do oceano; eles se dissolvem em pequenas partículas. Esses cinco giros subtropicais não são zonas de aglomeração imóveis, montanhas de lixo flutuantes; elas são bem dinâmicas. Elas se separam, e dissolvem o plástico de duas formas.

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Uma amostra de um microplástico. Crédito: Stiv Wilson

Na primeira delas, o plástico é movimentado constantemente, o sol bate nessa massa diretamente, e muitos peixes, e até mesmo tubarões e tartarugas, mexem nesses resíduos e os rasgam em pequenos pedaços. O que acontece com, digamos, um saco plástico flutuando no oceano, é que ele é degradado e se transforma em microplásticos. Das 5,25 trilhões de partículas microplásticas do mundo, cerca de 92% são menores que um grão de arroz. Quando estamos no meio do oceano, vemos águas límpidas, mas quando jogamos nossa rede, pescamos uma boa quantidade de pedacinhos de plástico. As ilhas de lixo são formadas por isso — elas são camadas muito finas e extensas de pedacinhos de plástico rodopiando por essas correntes marítimas.

Nós esperávamos mais de 5 trilhões de partículas. Nossa estimativa era de 500 trilhões de partículas, mas encontramos cem vezes menos do que nós esperávamos. Há algo acontecendo na superfície do oceano; as menores partículas microplásticas, os pedacinhos e fibras do tamanho de um grão de areia, estão sumindo da superfície da água. Apesar de resíduos plásticos deixarem nossos litorais e migrarem para os giros oceânicos e se desfazerem lá, eles somem da superfície da água rapidamente.

Temos duas teorias. Uma é que elas afundam: as pequenas partículas podem reagir mais à tensão superficial da água do que à flutuabilidade de seu material, sendo sugadas para o fundo rapidamente; no final, outras correntes marítimas as arrastam para longe desses giros. A outra teoria é a alimentação: existem bilhões de organismos filtradores nos oceanos e eles filtram água salgada em busca de comida. Talvez eles estejam consumindo esses plásticos.

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Assim, os giros picotam e redistribuem o plástico para o resto do mundo.

EU DESCI O RIO MISSISSIPPI E VI UMA TRILHA DE LIXO INTERMINÁVEL

Como você se envolveu com esse tipo de iniciativa?

Eu cresci perto da água, em Nova Orleans, perto do Rio Mississippi, e sempre observei o lixo que era carregado pelo rio. Eu descia até o rio e encontrava coisas para usar em meus fortes de mentirinha, como crianças costumam fazer — recolhia montes de tralha. Em 2003 eu construí uma jangada e desci o Rio Mississippi, e vi uma trilha de lixo interminável. Pouco tempo depois eu fui até o Midway Atoll e vi animais, como albatrozes, com os peitos cheios de lixo. Eu encontrava centenas de pilhas de ossos e penas, e cada uma delas tinha uma camada de lixo em seus peitos. Eu me interessei pelo assunto e observei que havia esse vácuo de informação: ninguém havia pesquisado o Hemisfério Sul e algumas partes do Atlântico e do Pacífico. Foi aí que eu vi uma oportunidade de ajudar.

Eriksen em sua jangada. Crédito: Marcus Eriksen

Qual é o próximo passo?

Acho que precisamos focar nossos esforços na busca por soluções. Existem tantas ideias insanas para limpar o lixo dos oceanos — eu não acredito que todas sejam viáveis, porque a maior parte do lixo está se dissolvendo rapidamente. Acho devemos tirar o foco da limpeza dos oceanos e movê-lo para a prevenção. Para explicar o problema com uma analogia, é só citar os anos 70, quando a poluição do ar estava atingindo cidades na Europa e nos Estados Unidos, e as pessoas olhavam para cima e viam fumaça e smog. Muitas pessoas sugeriram a instalação de aspiradores gigantes no topo dos prédios, que sugariam a poluição no ar. Todos concordaram que isso era ridículo — a melhor opção era construir um filtro melhor.

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O mesmo ocorre nos oceanos. Os resíduos plásticos são pequenas partículas espalhadas pelo mundo inteiro, e é impossível sair por aí recolhendo todas elas. Esse plástico está se sedimentando; essa é a realidade. Nós temos que acabar com a poluição, produzir plásticos melhores. Nós temos algumas questões que ainda precisam ser respondidas por várias empresas importantes; questões sobre a biodegrabilidade desses produtos e plásticos criados para uso militar.

ELES SE TORNAM TÃO TÓXICOS QUE NÓS OS CHAMAMOS DE RESÍDUOS PERIGOSOS

Se possível, eu gostaria de falar sobre a campanha das microesferas plásticas: nós fizemus uma pesquisa há um ano e meio e publicamos o primeiro estudo sobre microesferas plásticas nos Grandes Lagos da América do Norte. Descobrimos que essas microesferas vêm de esfoliantes e pastas de dente. Essa descoberta foi uma surpresa. Essas empresas estavam usando pequenos pedaços de plástico como esfoliantes em pastas de dente e esfoliantes faciais. Nós trabalhamos com essas empresas e tentamos criar alguma forma de legislação para proibir o uso de plástico e incentivar o uso de materiais menos danosos.

Um outro problema é que esses microplásticos no oceano trazem um conflito entre os cientistas e os criadores de políticas públicas. Os cientistas concordam que os microplásticos acumulados no oceano são resíduos perigosos. Eles absorvem tantas toxinas que nós os chamamos de resíduos perigosos. Por causa das implicações legais, os criadores de políticas públicas hesitam em usar esse termo e a indústria do plástico luta contra essa terminologia. Na minha opinião, esse é o termo apropriado. Um colega encontrou uma concentração de toxinas um milhão de vezes maior do que o comum em um pedaço de plástico do tamanho de uma grão de areia. O plástico é uma esponja perfeita para compostos hidrofóbicos.

Tradução: Ananda Pieratti