Até podia ter acordado tarde e a más horas com uma ressaca monumental e a gritar pelo melhor bitoque de Lisboa, mas não foi o caso, que eu nos últimos tempos deixei-me dessas merdas de beber e acordar com a cabeça feita num oito. Mas, mesmo sem ressaca, há dias que isto só lá vai com um bom bife com batatas fritas e ovo estrelado. Nada como tratar uma neura com um bitoque, acompanhado de um Sumol de laranja ou ananás.
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Nestes dias não podemos tremer e temos de escolher o melhor local para a comezaina. Pensei em vários restaurantes de Lisboa onde o sacana se come bem: Galeto, Tascardoso, Pirilampo, Apeadeiro, Merendinha do Arco e… Riscas. Lembrei-me do Riscas por acaso. Tive uma conversa com um camarada acerca do assunto e ele disse-me que continuava a ser o melhor sítio na capital para mandar um bitoque abaixo.
Já há algum tempo que não ia para aquelas bandas do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). Até calhava bem e aviava logo a seguir a exposição dos mestres da pintura espanhola Greco, Zurbarán, Goya, Sorolla e companhia, que esta gente não anda por cá todos os dias.Peguei na mota e fui até ao Largo Doutor José Figueiredo (este ilustre foi o primeiro director do MNAA e estudou de trás para a frente os famosos painéis de São Vicente de Fora. Fica a nota). Lá no cimo, do lado direito de quem sobe, há uma porta de madeira muito discreta, mal se dá por ela, que dá acesso ao restaurante do Senhor António e da Dona Beatriz, mais conhecido por Riscas.
À entrada do estabelecimento, um Mercedes topo de gama larga quatro putos com cara de quem andou a virar shots de pisang ambon com vodka do Cartaxo até às tantas nos cafés de Santos. Sentei-me numa das quatro ou cinco mesas corridas, virado para a televisão, que com o Sol a entrar não se via a ponta de um corno. Veio o empregado a assobiar e pergunta "o qué que vai ser?", deixando em cima da mesa uma cesta com pão e um pires de azeitonas. Pedi o bitoque, claro.
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No Riscas se tens pressa pede o prato do dia, que pode ir da feijoada à transmontana aos secretos de porco preto na grelha, passando pelo peixe frito com o arroz de tomate (preço médio por refeição, 10 euros). O costume, mas em bom. O bife demora. E demora porque não é um bife qualquer. É só um dos melhores bifes de Lisboa. Mas, ali passa-se bem o tempo, porque a malta distrai-se. Ora a apreciar as grades de água das pedras empilhadas num canto, ora a tentar perceber se os cabides pendurados na parede são pés de cabra, ou de outro animal qualquer…As conversas e o ambiente da casa também ajudam na espera: numa das mesas discutia-se se os GNR eram melhor banda do que os Xutos & Pontapés; noutra mesa os tais putos a falar da noite anterior e das pitas boas que andavam a circular pela discoteca e, noutra mesa ainda, uma tia ali da Lapa entretida com o facebook no tablet e com um jarro de vinho tinto. No balcão, a clientela do costume a virar bicas e macieiras.
Chega o bitoque passados uns 20 minutos. Agora viria aquela parte onde eu diria que a carne era isto e aquilo, selada na perfeição, caramelização como deve ser, um molho de trepar por ali acima, as batatas numa fritura impecável, o ovo estrelado no tempo certo e essas merdas que se costumam dizer neste tipo de prosa. Pois. Mas julgo que, para bom entendedor meia palavra basta: que bitoque filho da puta!
Esta não é seguramente uma taberna moderna com logo preto e branco. É uma verdadeira casa de pasto, sem logo, e com o toldo da entrada prestes a cair em cima da mona de alguém a qualquer momento. É o Riscas, que ainda resiste. A exposição dos nossos amigos espanhóis também não é nada má.O autor é promotor cultural e gosta de comer bitoques, feijoadas, francesinhas em Lisboa, cozido ao Domingo, bifanas em roulotes e brunch no Ritz quando o rei faz anos. Acompanha as suas trips gastronómicas na VICE Portugal.