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O ato das mulheres contra a cultura do estupro na Rio 2016

Na última segunda (15), mulheres foram às ruas no Rio para denunciar casos de estupro dentro da Vila Olímpica, se posicionar contra Marco Feliciano e pedir por mais direitos no país onde a cada 15 segundos uma mulher é atacada.

Foto por Ani Hao.

Na última segunda-feira (15), as brasileiras tomaram as ruas para protestar contra vários casos de abuso sexual – incluindo três que aconteceram dentro da Vila Olímpica.

Esta matéria foi originalmente publicada no Broadly.

Apenas nos primeiros dias dos Jogos, dois atletas olímpicos e um segurança brasileiro atacaram sexualmente quatro brasileiras que trabalhavam dentro da Cidade dos Atletas em três casos separados.

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Essa é só a ponta do icebergue. Violência sexual, assédio, feminicídio – o assassinato de mulheres por causa do gênero – atingiram proporções épicas no Brasil, e grupos feministas dizem que as coisas só pioraram na última década, dada uma cultura que culpa a vítima e não o agressor, além de políticas públicas ineficientes no país.

LEIA: "Uma cronologia do caso de violência sexual envolvendo Marco Feliciano"

No Rio, vários grupos feministas saíram às ruas na segunda, 15 de agosto, para protestar contra a violência sexual no país. Em particular, a manifestação quis chamar a atenção para os estupros que ocorreram dentro do Parque Olímpico, além de mencionar o caso de estupro que tem o deputado federal e pastor Marco Feliciano como acusado de violência sexual contra Patrícia Lélis, a jornalista que integrava seu próprio partido.

A marcha dá sequência a um ano histórico para o ativismo feminista no Brasil. Em outubro de 2015, centenas de milhares de brasileiras – especialmente jovens – marcharam pelas ruas do país e conduziram uma série de campanhas online em protesto contra a violência sexual e ataques a seus direitos reprodutivos já limitados, no que foi chamado de "Primavera Feminista". Mais cedo este ano, as brasileiras organizaram o "Junho Feminista" depois do caso do estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro.

Foto por Ani Hao.

Estatísticas da ONU sobre o Brasil mostram que uma mulher é atacada a cada 15 segundos em São Paulo. Além disso, um estupro acontece a cada 11 minutos no país, segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública de 2015. O Brasil só passou a considerar feminicídio um crime em março de 2015, significando que não houve tempo para coletar dados oficiais de quantos assassinatos motivados por questão de gênero acontecem no país. Ainda assim, com ajuda de dados de outros estudo conduzido em 2013, o Mapa da Violência estima que o Brasil é o quinto país do mundo com mais feminicídios, com uma taxa 43 vezes maior que a dos EUA, por exemplo. No Brasil, uma mulher é morta a cada duas horas.

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E as manifestantes brasileiras não estão sozinhas. A América Latina é o continente com a taxa mais alta de feminicídio no mundo, e mulheres na Argentina, Colômbia, Bolívia e México vêm se organizando em números sem precedentes sob o lema "Nenhuma a Menos". No sábado, 13 de agosto, as peruanas organizaram um dos maiores protestos do país contra a ascensão da violência de gênero no país.

As manifestantes esperam desafiar as normas sociais que minimizam ou ignoram a realidade da violência sexual. "Para mim, a questão ainda é a cultura", disse Luciana Boiteux, pré-candidata a vereadora no Rio, professora de direito da UFRJ e advogada, que participou do protesto na tarde de segunda no Rio. "A lei não acaba com a violência contra a mulher – nossas instituições ainda produzem uma cultura que tem uma lógica pré-Maria da Penha".

Foto por Fernanda Fioravanti.

Boiteux se refere à lei Maria da Penha, considerada uma importante vitória legislativa, porque depois de instaurada, em 2006, passou a exigir punição real para violência contra a mulher e foi a partir da lei que se criou os primeiros centros do país especializados no atendimento de mulheres que sofreram violência. No entanto, dez anos depois, alguns grupos dizem que a lei Maria da Penha falhou em proteger adequadamente as vítimas de abuso.

"Temos essa lei há dez anos, mas ela ainda não foi realmente implementada para que as mulheres tenham direitos reprodutivos, direito ao próprio corpo, direito de ir e vir sem medo de estupro", disse Boiteux. "Não é só o Feliciano – são vários políticos [que também cometeram violência sexual]."

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Como Luciana aponta, Marco Feliciano não é o único exemplo de político poderoso com histórico de violência contra mulheres. Pedro Paulo, candidato do PMDB à prefeitura do Rio, foi declarado como culpado por bater na esposa em pelo menos duas ocasiões. Neste mês de agosto, no entanto, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux resolveu arquivaro caso.

Foto por Ani Hao.

Outras manifestantes concordam que, apesar de o caso Feliciano ser o mais enervante, ele está longe de ser um incidente isolado. "Estamos aqui para defender Patricia Lélis, mas não apenas ela. Estamos aqui para defender todas as mulheres que são atacadas por esses políticos sexistas", disse Tatianny Araújo, do grupo Nova Organização Socialista. Ela também apontou que Feliciano organiza ataques políticos contra as mulheres em geral. "Feliciano cria projetos [no Congresso Nacional] que atacam todas as mulheres brasileiras, que atacam a população LGBTT", acrescentou.

"Ele quer silenciar as mulheres, estamos aqui para denunciá-lo", disse Isabelle Ottoni, representante do Juntas, um ramo feminista nacional do PSOL.

Embora a lei Maria da Penha tenha estimulado inúmeras mulheres a denunciar a violência baseada em gênero, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estima que apenas dez por cento dessas mulheres que sofrem violência sexual prestam queixa. Muitas mulheres hesitam em se pronunciar porque há uma percepção de que as vítimas de violência sexual dificilmente recebem justiça. Quando elas falam, a maioria das brasileiras ainda se sentem culpadas e responsáveis pelo que passaram.

Tatianny ligou o protesto às Olimpíadas e ao momento histórico do Brasil. "Os estupros cometidos dentro do Parque Olímpico, os comentários sexistas sobre as atletas – isso é o que passamos todo dia. Esse é o ouro olímpico que não queremos. Não queremos o recorde de sexismo, racismo e homofobia", disse ela. "Queremos mais que medalhas. Queremos espaço, direitos e respeito. Essa é nossa mensagem olímpica."

Tradução: Marina Schnoor.

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