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Capitalismo de Compadrio e Oposição Esmagada em Angola

A proibição do Islã em Angola desvia a atenção da saúde precária do presidente Santos e do crescente movimento de protestos dentro do país.

Pôr do sol sobre o Bairro Operário em Luanda.

Como ex-colônia portuguesa, o comportamento cada vez mais problemático do governo em Angola é dificilmente coberto pela mídia falante de inglês. O capitalismo de compadrio não é raro no continente africano — ou mesmo em qualquer outro lugar do mundo — mas a iteração de Angola é particularmente extrema. Depois da guerra civil que teve altos e baixos desde a independência, em 1975 e até 2002, a elite angolana — supervisionada pelo presidente de 71 anos José Eduardo dos Santos — alimentou-se vorazmente do petróleo e gás natural locais. Isabel, a filha de Santos, é a mulher mais rica da África. Angola é o segundo maior produtor de petróleo do continente, um grande parceiro da BP há um bom tempo e visto como um país onde as grandes companhias podem fazer muito dinheiro.

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Agora, no entanto, o país do sudoeste africano voltou aos noticiários por “proibir” o Islã, depois do fechamento de dezenas de mesquitas no país de maioria católica esmagadora. O governo tem se escondido atrás de uma astuta conversa jurídica. “São oito denominações islâmicas aqui, todas requerem registro. Mas nenhuma preencheu os requisitos legais, então, não podem praticar sua fé até concluirmos o processo”, disse o ministro de Relações Exteriores George Chikoti. O que parece ser somente uma admissão complicada de que o governo está tentando manter um olho naqueles de quem suspeita.

Camelôs no bairro de São Paulo em Luanda, a capital angolana.

O caráter “estrangeiro” dos muçulmanos tem sido usado ultimamente, como em muitos países não islâmicos, como um jogo político ou uma maneira de produzir um mal-estar. A ameaça do “terrorismo islâmico” é invocada, apesar de nenhuma evidência factual poder ser encontrada em Angola. Muitos camelôs de Luanda, a capital angolana, são muçulmanos migrantes da África Ocidental, ou mulheres solteiras tentando sustentar suas famílias, e o governo tem tentado tirar essas pessoas das ruas. Luanda, como Londres, é um monumento reluzente ao capital global, uma metrópole apontada repetidamente como uma encarnação do meme da “Ascensão Africana”, cheia de prédios construídos pelos chineses. É também a capital de um país em que 70% da população vive com menos de US$2 por dia, lado a lado com uma elite que adora Porsches.

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Se a obstrução do Islã diz alguma coisa sobre a feiura do sistema político em Angola, isso também visa desviar a atenção da saúde precária do presidente Santos e do crescente movimento de protestos dentro do país. Recentemente, o vazamento de um documento do Ministério do Interior revelou a verdade sobre o sequestro, tortura e assassinato de dois soldados aposentados, organizadores de um protesto pedindo o pagamento de pensões atrasadas. António Alves Kamulingue e Isaías Sebastião Cassule tiveram seus corpos jogados no Rio Bengo, infestado de crocodilos, por membros da segurança e do serviço de inteligência de Angola, o SINSE. No último final de semana, Manuel de Carvalho “Ganga”, um ativista do partido de oposição CASA-CE, foi morto a tiros por membros da Unidade de Segurança Presidencial enquanto distribuía panfletos relatando as mortes dos soldados aposentados.

Praça da Independência, onde a maioria das manifestações políticas se organizam, ou pelo menos tentam se organizar.

Horas depois do ataque, a UNITA, agora o principal partido da oposição, realizou um dos protestos mais significativos desde o final da guerra civil. Trezentos manifestantes foram detidos e a polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar a multidão. Como Leslie Lefkow, da Human Rights Watch, me disse: “As tensões políticas estão aumentando por causa do assassinato de ativistas, mas também por causa da repressão mais ampla do governo aos protestos e à liberdade de expressão. É uma mistura potencialmente inflamável, ainda mais com as questões sobre a saúde do presidente e a sucessão se acumulando”.

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A saúde do presidente é a chave aqui, já que ele ainda precisa anunciar seu plano de sucessão, e sua potencial fraqueza pode ter sido a causa do vazamento de informações. O presidente Santos está em Barcelona desde o começo do mês e um dos poucos sites independentes de notícias angolanos, o Maka Angola, cita fontes que afirmam que Santos “sofreu uma crise prostática renal, o que requer que ele passe pelo menos 30 dias sob supervisão”. O governo nega essas informações e diz que Santos está bem. Talvez ele só seja um grande fã do Gaudí.

O Maka Angola é dirigido pelo jornalista independente Rafael Marques. O governo gosta de apontar a existência do site como prova de que permite críticas ao regime, mas também fez 11 acusações de difamação contra Rafael e já ordenou seu espancamento.

Construção no centro de Luanda.

Essa repressão aos protestos e o estrangulamento continuado da mídia e da sociedade civil estão mostrando às pessoas o quão alienadas elas realmente estão. Num país que gera tanta riqueza, a desigualdade é chocante. Como Jon Schubert, especialista em Angola da Universidade de Edimburgo, me disse: “Há um consenso pós-guerra de 'paz e estabilidade' para desacreditar qualquer forma de crítica, que até agora era replicado em todo o espectro social. Mas desde a primeira manifestação em abril de 2011, esse consenso se partiu. Isso questiona a legitimidade de um presidente que se agarrou ao poder e cuja família e comparsas saquearam o país. O efeito de 'redistribuição' do neoliberalismo não pode ser visto na vida cotidiana das pessoas e o povo está — compreensivelmente — se perguntando onde estão os tais 'benefícios da paz'”.

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Os manifestantes nas ruas de Angola hoje são de diversas origens. Há partidos políticos organizados, veteranos de guerra e jovens que se sentem traídos pelo regime. Alguns são garotos de classe média e alta, vindos de famílias tradicionalmente associadas ao regime. Alguns são camelôs. Muitos são de uma classe emergente de ativistas jovens, que trabalham em vários empregos para sobreviver, além de estudar e se voluntariar no tempo livre. Definitivamente, não se trata de um grupo homogêneo.

Enquanto essas pessoas são monitoradas e espancadas, o governo angolano continua a fechar grandes negócios com empresas e governos ocidentais. O Ministério das Relações Exteriores britânico mostrou uma total falta de sincronia ao anunciar, alguns dias depois do vazamento das informações sobre o assassinato dos soldados aposentados, uma nova parceria de “Prosperidade de Alto Nível” com cinco países africanos, incluindo Angola. Todos os cinco países têm depósitos de petróleo e gás, e o acordo destaca somente o mercantilismo no coração da atual política estrangeira britânica.

Centro de Luanda, com a Assembleia da República (o parlamento) em frente.

Angola é um mercado relativamente novo para a Inglaterra, que, tradicionalmente, tem laços comerciais fortes com ex-colônias. Como o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores britânico me disse, a nova parceria com Angola foi considerada em termos puramente econômicos; a situação política do país é uma questão separada.

Em Portugal, a conveniência econômica também vem antes do politicamente correto. A Central Portuguesa de Investigação e o Departamento de Ação Penal anunciaram recentemente o fechamento de investigações preliminares de corrupção sobre dois líderes angolanos, o vice-presidente e ex-chefe da companhia petroleira estatal, Manuel Domingos Vicente e o General Francisco Higino Lopes Carneiro. O procurador português Paulo Gonçalves disse esperar que isso “contribua para limpar a atmosfera de tensões diplomáticas que têm manchado a amizade entre os dois povos irmão com mal-entendidos”. A economia da ex-potência colonial é apoiada por investimento angolano.

O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores britânico me disse: “Estávamos ansioso que esse projeto se estendesse para além dos países com quem o Reino Unido tem laços históricos — ou seja, mercados francófonos e lusófonos”. Novos mercados, novas fronteiras: essa é a linguagem da segunda corrida à África — só que em Angola, há uma elite com tanto dinheiro e poder quanto seus colegas no Ocidente. Angola pode ficar a milhares de quilômetros daqui, mas está mais perto do que pensamos.

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