FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Os Incêndios Podem Ter Parado, Mas os Bósnios Ainda Querem Mudanças

Sarajevo é um barril de pólvora esperando por uma faísca. Os manifestantes dizem que estão pacíficos agora, mas alertam que isso não vai durar.

Vários prédios do governo foram incendiados durante distúrbios violentos no fim de semana retrasado. Apesar de estarem vazios agora, eles continuam sendo o foco da raiva dos manifestantes.

Sarajevo é um barril de pólvora esperando por uma faísca. A multidão pode estar consideravelmente mais calma desde a explosão de raiva da sexta e sábado retrasados, mas a Bósnia não deixou de ser um país à beira da revolução.

Publicidade

Max, um ativista de 18 anos, vem matando aula desde a semana passada para se juntar a seus compatriotas nas ruas. Ele disse: “Estamos pacíficos agora, mas isso não vai durar. Sou uma pessoa calma, mas já estou frustrado. Se as demandas não começarem a ser atendidas dentro dos próximos dias, não vamos continuar pacíficos”.

Para a segurança de Max, achamos melhor não revelar seu nome verdadeiro. Na verdade, a maioria das pessoas com quem conversamos só concordou em conversar sob a condição de permanecerem anônimas. Isso porquê, como Max colocou: “A Bósnia agora é um estado policial”.

Em todos os protestos que compareci até agora havia pelo menos uns dez policiais à paisana misturados à multidão, ouvindo e relatando tudo aos polícias das forças especiais que espreitam em volta das manifestações.

A presença da polícia nos protestos de domingo foi pesada, pois as autoridades temiam a repetição do dia anterior.

Na noite de terça-feira, testemunhei um grupo de policiais das forças especiais ameaçarem Kristian, um rapaz local. Falei com ele depois e ele me contou como um dos policiais o pegou pela nuca e disse: “Vamos te prender hoje à noite. Vá embora agora. Você não tem motivos para ficar aqui”.

Quando confrontei os policiais sobre o incidente, eles primeiro negaram a conversa, depois disseram que Kristian tinha reportado o conteúdo da conversa de forma incorreta. Depois, eles também se recusaram a comentar o que realmente tinham dito. Perguntei se eles estavam chamando Kristian de mentiroso; não houve resposta. Pedi para conversar com o oficial no comando; ele não estava lá. Nesse caso, sob as ordens de quem eles intimidaram o rapaz? Sem comentários.

Publicidade

Os manifestantes estão com medo da polícia e com razão. Na tarde de domingo, os manifestantes presos na sexta-feira e no sábado retrasados foram liberados da cadeia em meio a uma multidão de mais de mil pessoas, gente que tinha passado o dia ali exigindo a libertação deles. A maioria dos manifestantes libertados era adolescente. Um dos mais jovens, um garoto de 15 anos, levantou a camisa e mostrou escoriações frescas nas costas, relatando para fotógrafos e câmeras de TV que tinha sido espancado enquanto estava preso.

Todas as pessoas libertadas com quem falei relataram abuso físico na prisão. Muitos também disseram que tiveram o acesso a um advogado negado. Mas não são só aqueles envolvidos na violência de sexta e sábado que têm algo a temer. Vários outros manifestantes relataram batidas policiais em casas de colegas no meio da noite e essas histórias em geral envolvem espancamentos similares.

Não ficou claro que informação os policiais tinham para fazer essas batidas até o primeiro-ministro Nerman Niksic fazer um pronunciamento na TV no começo da semana. Ele alertou que a polícia e o Ministério do Interior tinham começado a combinar fotos tiradas durante os protestos com perfis nas redes sociais.

No domingo, quando essa foto foi tirada, o filho dessa mulher ainda estava sob custódia depois de ser preso durante os protestos.

É por essa razão que os manifestantes estão relutantes em serem fotografados pela imprensa. Mas uma pessoa ficou feliz em ser fotografada: Mubea Campara, de 62 anos. A pensão mensal dela é de €160 (cerca de R$520), uma quantia com a qual ela mal consegue sobreviver. Mas ela não estava protestando por isso. “Não me importo se eles me encontrarem”, ela disse. “Estou na primeira fileira dos protestos todos os dias e eles podem fazer o que quiserem comigo. Essa é uma questão do futuro e vou estar aqui até que mudanças reais aconteçam.”

Publicidade

Mubea tem um neto de 15 anos e disse que não quer que ele cresça num país onde “os políticos roubam o povo por meio de instituições do governo”. Ela continuou: “Não é justo. Eles são ricos e nós somos pobres. E eles ainda me chamam de vândala?”.

Ela se referia a uma declaração do governo que definiu todos os manifestantes, jovens e velhos, como meros “vândalos”, saindo às ruas unicamente para arranjar briga com os policiais. Essa acusação foi amplificada pela mídia local, que, segundo o jornalista local Dino Zoletic, “está sendo paga por vários partidos políticos para culpar os jovens pelos protestos, para chamá-los de delinquentes, vândalos, etc”. E ele não foi o único a notar isso; uma das maiores faixas da manifestação de terça-feira pedia o fechamento do canal de TV estatal.

A opinião geral entre os manifestantes é que o rótulo “vândalo” fica entre falso e equivocado.

Sim, há um grupo pequeno de jovens enraivecidos na multidão. E sim, eles querem brigar. Mas como Sumira, uma manifestante de 18 anos, me disse na segunda-feira: “conheço esses garotos — sou amiga de alguns deles. A maioria perdeu os dois pais na guerra e foi abandonada pelo governo. É claro que eles estão com raiva”.

Assim, como ela se sentia com a violência do final de semana? “Acho que tudo bem, o governo ignoraria as pessoas se os protestos fossem pacíficos”, ela disse.

Uma trafika (pequena loja de esquina) incendiada em frente ao gabinete do presidente. Essa foi apenas uma das estruturas destruídas durante a violência de sexta e sábado.

Publicidade

No dia seguinte, um amigo dela — um programador — me disse: “Espero que eles joguem pedras de novo. O governo só vai fazer alguma coisa se estiver com medo e sexta passada foi a primeira vez em 20 anos que eles tiveram medo”.

E essa visão da violência parece ser um consenso: é uma pena que toda a destruição tenha acontecido, mas agora os ministros começaram a renunciar, então, parece que funcionou. Pela primeira vez na história da federação, os políticos estão sendo forçados a ouvir os apelos dos eleitores oprimidos, desempregados, mal pagos e explorados.

A primeira reunião com a população de Sarajevo aconteceu ontem à noite. Um panfleto entregue nas ruas continha quatro declarações: as primeiras três eram exigências e a declaração final dizia, “E ISSO É SÓ O COMEÇO. Acreditamos uns nos outros e continuamos a trabalhar para o bem de todos”.

Hoje, um porta-voz do povo será eleito, o que — no contexto da história do país — já é um grande passo. Como disse Lejla Kusturica, uma ativista de 29 anos, na noite de terça-feira: “Como jovem — como uma trabalhadora deste país — pela primeira vez depois de anos de apatia, temos a sensação de que algo está acontecendo”.

Ainda não se sabe o que esse "algo" será. Os manifestantes têm objetivos nobres, mas o pedido deles pela criação de uma Bósnia unificada sob uma única presidência preocupa os bósnios-sérvios. Dissolver a estrutura confusa e estagnada atual do país significa derrubar o Acordo de Dayton, que acabou com a guerra na Bósnia e com a pior violência étnica que a Europa viu desde a Segunda Guerra Mundial. O acordo criou a constituição atual com três presidentes na esperança de prevenir que qualquer etnia ganhasse superioridade sobre a outra. Isso é complicado e efetivamente antidemocrático, criando impasses e acordos de bastidores.

Publicidade

Em certo nível, os manifestantes entendem que os policiais são só pessoas pagas para fazer um trabalho num país onde ter um emprego é um luxo. Como Lejla Kusturica disse: “Os policiais estão sofrendo tanto quanto nós. Eles também são trabalhadores, mas têm que proteger a oligarquia”.

Acabar com esse sistema significa, quase com certeza, viver sob o comando de um presidente bósnio, já que números não oficiais mostram que a etnia eslava do sul, predominantemente muçulmana, forma mais de 50% da população. Os bósnios foram sujeitos à limpeza étnica e genocídio tanto pelos bósnios-sérvios como pelos bósnios-croatas durante a guerra, então, a eventualidade de um presidente do grupo étnico anteriormente perseguido é uma preocupação para alguns.

Rumores circulam por meio da imprensa na República Sérvia — a república bósnia-sérvia, uma das duas entidades políticas na Bósnia e Herzegovina – que os bósnios estão reunindo armas em preparação para forçar a unificação da Bósnia. No entanto, nenhuma evidência foi fornecida até agora para comprovar essas especulações e os conflitos entre as etnias parecem pouco prováveis.

Está claro que enquanto houver demanda popular para mudanças radicais na constituição, também haverá oposição e medo. Manifestantes teatralmente nervosos são plantados na multidão todos os dias, uma tentativa de inflamar ou dividir os manifestantes. Assim como com os vândalos, a multidão tem feito um bom trabalho em policiar seus elementos jovens e mais violentos, separando os encrenqueiros plantados e os silenciando. No entanto, esses elementos inseridos são a prova de que há oposição ao movimento.

Mudanças acontecerão na Bósnia e Herzegovina, mas a que custo? Na noite de domingo passado, fiquei na terra de ninguém entre a tropa de choque e os manifestantes em frente ao prédio do parlamento. Perguntei a três jovens manifestantes o que ia acontecer depois. “Guerra civil”, eles responderam em uníssono.

Siga o Jack no Twitter: @jackoozell