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Não Vão Derrubar a Binz Tão Fácil

Ao invés de punks crust fumando becks com seus cachorros, e estudantes de arte fritando pacificamente nas sombras, a noite acabou com uma névoa de gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Na manhã do dia 2 de março, cerca de 3 mil pessoas se reuniram em Zurique, na Suíça, para a última festa da mais renomada ocupação da cidade, a Binz. Mas ao invés de punks crust fumando becks com seus cachorros, e estudantes de arte fritando pacificamente nas sombras, a noite acabou com uma névoa de gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Isso foi o resultado de um protesto que vinha se formando nos últimos meses. Quase sete anos atrás, a “família Schoch”, o nome que os posseiros deram a si mesmos, ocupou alguns prédios de uma antiga fábrica no bairro de Binz, em Zurique. Nos meses seguintes, o parque industrial abandonado se transformou num espaço autônomo que oferecia moradia gratuita para seus 50 residentes, de recém-nascidos a idosos de 70 anos, e deu a mais de 100 pessoas um espaço para fazer arte ou o que mais quisessem.

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No entanto, em fevereiro, a prefeitura anunciou que estava planejando acabar com a festa construindo salões estudantis no local, o que significa que os prédios devem estar completamente limpos até maio de 2013. A família Schoch reagiu rapidamente com uma mistura de ativismo criativo e protestos. Seu grito (retórico) de guerra foi uma declaração política de independência, condensado pelo slogan “Crime Power instead of Prime Tower”, um trocadilho com o mais alto prédio comercial de Zurique, a Prime Tower.

Os políticos deram um sorriso amarelo e a mídia local não ficou exatamente do lado dos posseiros, o que não era o que a família Schoch esperava. Então, para mandar uma última mensagem aos oficiais da prefeitura, os posseiros decidiram fazer aquilo que deve ser feito quando se quer, ao mesmo tempo, festejar e emputecer as pessoas que estão no comando (ou festejar emputecendo as pessoas no comando?): dar uma puta festa.

A festa aconteceu na forma de procissão de carros decorados, os chamados “Binzmóveis”, que tocavam música e portavam bandeiras com frases como “Too Binz to fail”. Não sei se todas as três mil pessoas convidadas por mensagem de celular sabiam que a festa era mais uma convocação contra os planos de converter os prédios Binz, do que uma festa de verdade, mas, naquela boa camaradagem neutra suíça, muita gente compareceu à muvuca de todo jeito.

A multidão pacífica foi flanqueada pelos Binzmóveis de Manesseplatz, na zona oeste de Zurique, até Wiedikon. Nesse ponto, um dos veículos, enfeitado com um enorme sapato de dança, começou a tocar música eletrônica. Uma banda de hardcore se apresentava na traseira de um outro veículo, provocando todo mundo; outro tinha uma churrasqueira preparando espigas de milho na brasa e outro, que parecia um foguete de papelão, vendia bebidas para qualquer um que conseguisse chegar perto.

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Fora alguns muros redecorados com os slogans do protesto, até esse ponto não havia nenhum sinal de danos a propriedades ou violência. Todo mundo estava mais interessado em beber e tentar achar um meio termo suportável entre os sistemas de som que tocavam hardcore e os que tocavam música eletrônica.

Mas, quando a multidão chegou à estação de trem de Wiedikon, as coisas começaram a dar uma virada feia. Um batalhão de Robocops suíços deu boas-vindas à parada com uma barragem de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Um bando de ativistas mascarados respondeu a isso jogando pedras e garrafas e montando rapidamente uma barreira entre eles e a polícia usando lixeiras em chamas.

Protegidos por um anel de fogo, o comboio de Binzmóveis conseguiu chegar até Helvetiaplatz, onde a polícia também tinha chegado primeiro, dessa vez com canhões de água Aquasplash. Isso pode até te fazer pensar num divertido parque aquático, mas é um tremendo pé no saco quando está frio pra caralho e você prefere não ficar ensopado.

No meio da comoção, alguns aproveitaram a brecha para danificar veículos da polícia, quebrar janelas de bancos e companhias de seguro, saquear um supermercado atrás de bebidas e cigarros e jogar um monte de coelhos de chocolate no meio da rua. Porque foda-se a comercialização da Páscoa, né?

O jogo de pega-pega entre os policiais e os desordeiros continuou até que a polícia conseguiu separar a multidão em grupos menores, que prontamente retornaram à ocupação Binz e festejaram até o amanhecer. No final, os baderneiros causaram danos materiais de algumas centenas de milhares de francos. Numa entrevista posterior, membros da família Schoch se desculparam pelos danos causados à cidade e ressaltaram que os responsáveis pela confusão não tinham ligação com a ocupação Binz.

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No dia seguinte, tudo o que havia sobrado da gangue Binz era uma ressaca brava e manchetes nos jornais matinais dizendo que eles tinham jogado fora qualquer simpatia conseguida antes da marcha. A maioria dos artigos se concentrou nos danos causados pela parada e nem sequer mencionaram o motivo dela, ignorando que a Binz é um dos poucos lugares de Zurique que permitem a realização de projetos inovadores sem fronteiras comerciais ou legais.

Às 9 da manhã da terça-feira, logo depois que os cidadãos trabalhadores tinham largado seus jornais, a polícia de Zurique acusou a Binz oficialmente. Cerca de cem policiais com cachorros e canhões d'água arrancaram os posseiros de suas camas e os arrastaram até a rua, no que parecia mais um cerco medieval do que um exercício de democracia. A área foi fechada e qualquer um que quisesse entrar tinha que mostrar documento de identidade e ser extensivamente revistado, um exagero se você considerar que o lugar é povoado quase exclusivamente por hippies.

O interior da Binz foi arrombado e vasculhado meticulosamente, e alguns itens, na maioria câmeras e computadores, foram apreendidos. Os veículos foram fotografados e os dados de todos foram registrados. Nenhuma prisão foi feita e os posseiros se dirigiram ao teto do prédio para mostrar resistência pacífica.

A família Schoch tem até o final de maio para desocupar o local, mas a demolição dos prédios e o começo da construção dos novos salões estudantis não começam até o próximo outono. O clima entre os residentes da Binz é otimista. Eles pretendem resistir aos planos do governo até o final amargo e não têm intenção de deixar o paraíso feito com suas próprias mãos ser arrebentado assim tão fácil. Enquanto o futuro da Binz permanece incerto, uma coisa definitiva: a luta pelo espaço ainda não acabou.

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Fotos por Evan Ruetsch e Pascal Rohner

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