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Como é estar num avião sequestrado

Enquanto o incidente com o voo da EgyptAir desta terça virou meio uma piada, um sobrevivente de um sequestro de 1986 — em que 21 pessoas morreram — fala sobre o quão aterrorizante foi a sua experiência.

Apesar das notícias do sequestro do voo MS181 da EgyptAir de Alexandria para o Cairo terem apavorado as pessoas inicialmente, agora o lance todo já virou piada.

O sequestrador, Seif Eldin Mustafa, desviou o avião para Chipre, onde manteve a aeronave por várias horas sob ameaça de um cinto de bombas. Fora exigir ver a ex-mulher, suas outras exigências eram bizarras e incoerentes. E quando ele finalmente se entregou (depois de posar para uma selfie com um dos passageiros), descobriram que o cinto suicida era falso. Autoridades do Chipre e Egito consideraram Mustafa um indivíduo instável, enquanto a internet o transformou num meme, claro.

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Mas apesar da zuera que se tornou o episódio na terça-feira, a realidade é que estar a bordo de um avião sequestrado é uma das coisas mais aterrorizantes que se pode imaginar. Para entender melhor a experiência de passar por um sequestro, a VICE falou com Michael J. Thexton, um sobrevivente do sequestro do voo 73 da Pan Am em 1986.

Naquela ocasião, quatro homens da Organização Abu Nidal, um grupo dissidente da Organização de Libertação da Palestina, se disfarçaram de seguranças e invadiram o Boeing 747-121 numa parada em Karachi, Paquistão, na rota de Bombaim para Nova York. Os pilotos escaparam, o que fez o avião permanecer no solo, mas os sequestradores fizeram 361 passageiros e 19 comissários de bordo como reféns por 16 horas. Thexton foi mantido sob a mira de uma arma por 12 horas, depois os sequestradores abriram fogo contra todos no avião, matando 21 pessoas e ferindo outras 120. Mas Thexton não tinha ideia de quão mortal o sequestro seria quando viu o primeiro terrorista. Ele não sabia o que ia acontecer. A VICE falou com ele sobre essa incerteza e a psicologia dos sequestros, durante e depois do evento.

VICE: Quando você percebeu que vocês estavam em perigo?
Michael J. Thexton: Eu nem tinha me sentado. Coloquei minha mala no assento e vi um homem lutando com a comissária de bordo… e ele tinha um tipo de pistola na mão. Meu primeiro pensamento foi apenas de confusão — só fiquei olhando para ele. Aí houve um barulho na porta da frente, por onde eu tinha acabado de entrar, e havia um homem de uniforme com um fuzil. Achei que era um segurança que tinha vindo cuidar do homem na segunda porta. Aí alguém disse: "Isso é um sequestro, levantem as mãos". Não sabíamos o que ia acontecer. Era um sentimento de incerteza terrível.

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Vários outros sequestros de avião tinham acontecido antes disso, mas você tinha alguma referência mental para o que estava acontecendo com você?
No começo do sequestro, eu ficava repetindo para mim mesmo "As pessoas são libertadas". Porque naquele estágio, eu nunca tinha ouvido falar de um sequestro em que todo mundo morria. Estávamos no solo de um país razoavelmente amigável e bem organizado. Então achei que tudo daria certo.

As comissárias de bordo foram bastante heroicas. Qual foi o papel delas em manter todos calmos e organizados na cabine?
Todas eram muito dedicadas — elas foram brilhantes. Não ouvi nem um tremor na voz delas. Elas diziam "Senhoras e senhores, por favor permaneçam em seus assentos ou serão baleados", do mesmo jeito que diziam "Senhoras e senhores, houve um pequeno atraso no pouso, nos perdoem pela inconveniência". Tenho certeza que isso manteve todo mundo pensando que poderíamos sair.

E os sequestradores? Qual era a atitude deles e como o comportamento deles te afetou?
No começo, eles estavam obviamente muito nervosos. Eles tinham acabado de tomar um avião — eles não sabiam o que ia acontecer. Tínhamos aquele monte de passageiros em três cabines de um jumbo, sendo supervisionados por dois sequestradores. E como foi antes do 11 de Setembro, isso já era o suficiente. Acho que todos estávamos convencidos de que havia mais deles — fiquei paranoico achando que um deles estava de pé atrás de mim. Não acho que isso daria certo hoje, porque alguém tentaria alguma coisa. Mas naquele dia, foi fácil para eles ficarem no controle.

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Foto por Kraipit Phanvut via Getty.

A ideia de levantar e fazer alguma coisa passou pela sua cabeça?
Acho que não. Quando eu estava com as outras pessoas, senti que tudo daria certo, que alguém podia se machucar, mas que eu ficaria bem. Eu estava seguro entre todo mundo. Quando eles me escolheram, não pude fazer nada. Eu estava desarmado e apavorado.

Tenho pensado muito nisso desde o 11 de Setembro. Acho que hoje eu provavelmente teria atacado eles, e muitas outras pessoas teriam tentado algo. Eu esperaria morrer de qualquer jeito. É o que todo mundo espera desde o 11 de Setembro. Mas naquele dia, eu sentia que não tinha nada que eu pudesse fazer.

Quanto tempo levou para eles te escolherem? Você sabe por que eles fizeram isso? E quando foi que você começou a temer pela sua vida?
No começo do sequestro, eu estava observando duas pessoas que estavam sentadas do meu lado. Eles me pareceram americanos, e lembro de pensar de um jeito muito brutal: "Eles vão primeiro, os americanos são mais impopulares que os britânicos". Acho que todo mundo estava tentando encontrar alguém numa posição mais miserável que a sua. É uma característica desagradavelmente humana.

Três horas depois do começo… o líder veio pelo corredor e pegou alguém de um assento do corredor. Ele era indiano, mas tinha passaporte americano. Eles atiraram nele e o jogaram para fora para mostrar que estavam falando sério. Mas eu não sabia disso porque estavam cuidando da minha vida, e o avião deve ter absorvido o barulho do tiro.

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Aí eles avisaram que viriam pegar os passaportes. Pensando agora, você não entrega seu passaporte. Você simplesmente some com ele. Mas eu estava tão sob o controle deles que entreguei meu passaporte para a comissária, ainda pensando que eles iam escolher os americanos. Ela, apesar de ser indiana, chegou a mesma conclusão. Então, corajosamente, ela separou todos os passaportes dos americanos dos que ela tinha recebido. Quando ela voltou com o saco cheio de passaportes, os únicos passaportes americanos eram de indianos e paquistaneses, e ela conseguiu convencê-los de que eles não eram os inimigos. Aí meu nome foi chamado. Eu não conseguia entender por que eles tinham me escolhido.

Eles não comunicaram claramente o que queriam, mas você assumiu que eles tinham motivos políticos, tendo os americanos como alvo. Como você percebeu isso?
Quando tomaram o avião, achei que eles podiam ser paquistaneses — que aquilo era algum tipo de revolução paquistanesa. Eu estava lendo uma revista na área de embarque do aeroporto, uma matéria sobre como Benazir Bhutto tinha recebido permissão para voltar ao país naquele ano e começar um partido de oposição ao governo ditatorial. Eu queria me convencer de que se aquele era um problema paquistanês, eles não se preocupariam tanto com os estrangeiros.

Só muito depois, quando eu estava na frente do avião, o líder se sentou numa cadeira na minha frente e me disse "Os americanos e israelenses roubaram meu país". Foi quando percebi que eles deviam ser palestinos.

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Você foi escolhido depois de quatro horas, mas o sequestro se arrastou por dezesseis horas. Fale um pouco sobre a experiência naquelas doze horas seguintes.
Fiquei ajoelhado na porta da frente enquanto o sequestrador fazia suas exigências, imaginando se elas seriam atendidas. Rezei e pensei em todas as pessoas que eu deixaria para trás. Depois pensei em todas as pessoas da expedição de alpinismo [a que eu deveria me juntar no Paquistão] com quem não podia me comunicar. Decidi que não queria morrer com raiva ou medo. E fiquei determinado a não ter raiva ou medo dos sequestradores. Quando decidi isso, eles ficaram bem menos assustadores. Eu tinha certeza que eles iam atirar em mim em algum momento. Mas se era isso que eles iam fazer, e eles não iam me fazer ter ódio deles. Isso não ia me mudar.

Esse sequestro terminou de modo bem violento. Como as coisas se desdobraram para você?
Por doze horas, houve talvez cinco ou seis incidentes onde algo realmente aconteceu. Na maior parte do tempo, fiquei sentado lá. Na verdade, cheguei a cochilar ali, na porta [quando eles me levaram de volta para a cabine]. Eu podia dizer que estava mais escuro e quente… algo deve ter dado errado com o sistema de energia. Sentei lá e fiquei pensando: "Estou de volta com os outros. Tenho uma chance de escapar dessa". Mas era óbvio que algo ia acontecer em breve porque estava ficando escuro, as coisas estavam ficando tensas e os sequestradores estavam tomando posições ao redor do avião.

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Aí, quando tudo ficou escuro, o que lembro é de ouvir um único tiro. Lembro de me agachar no chão. Aí ouvi o disparo de uma arma automática alguns metros a frente do avião. Aí mais disparos automáticos vindo dos fundos do avião. Parecia que eu estava em outro país; tudo estava acontecendo muito distante de mim. Eles esvaziaram [seus cartuchos] nos passageiros.

Aí lembro que tudo ficou em silêncio. O que é estranho porque era impossível não ter barulho. Pessoas estavam mortas ou morrendo. Mas o barulho dos tiros tinha sido tão alto que depois parecia que estávamos em silêncio. Vi uma porta aberta num dos lados do avião e saí. O escorregador inflável não tinha descido da asa… mas eu não ia voltar para o avião por nada. Então escorreguei pela asa até o chão, o que pareceu uma eternidade. Mas eu tinha que sair dali.

Você começou a prestar mais atenção em sequestros depois disso?
Sim. E outras coisas igualmente dramáticas tendem a me afetar mais.

Como você processa tudo isso?
O que passamos não foi nada parecido com o 11 de Setembro. Foi horrível de um jeito totalmente diferente. Eu penso naquelas pessoas e em como foi muito pior pra elas do que para mim. Às vezes penso que foi pior ainda para as pessoas que estavam de fora. Você se preocupava com todo tipo de coisa. Se estava dentro, você pelo menos sabia o que estava acontecendo.

Tradução: Marina Schnoor

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