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​A Rua É Quem?

O protesto no domingo (15) contra a presidente Dilma Rousseff, que mobilizou mais de 1 milhão de pessoas em 26 capitais, marca a perda do monopólio recente da esquerda sobre os grandes atos políticos multitudinários no Brasil.

Foto por Helena Wolfenson.

O significado da marcha de 15 de março para o futuro ainda é nebuloso. Mas, para o passado, é claro: marca a perda do monopólio recente da esquerda sobre os grandes atos políticos multitudinários no Brasil. Após o fim da ditadura, protestos como o de ontem só eram possíveis com o PT à frente, ladeado pelos companheiros da CUT (Central Única dos Trabalhadores) , da UNE (União Nacional dos Estudantes) e do MST (Movimento Sem Terra). Isso começa a mudar com aparição do MPL, pós Revolta do Buzú , em Salvador, e Revolta da Catraca, em Florianópolis, ganha corpo durante as Jornadas de Junho , mas só se solidifica de vez com a enorme marcha de domingo (15/3).

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A mobilização de mais de 1 milhão de pessoas em 26 capitais trouxe consigo um bocado de novos atores, que entraram em cena a partir do quinto ato do MPL em SP em 2013. Esses insatisfeitos se sentiram traídos pelo MPL, não foram entendidos pela mídia e nem pelos partidos de esquerda, mas foram absolutamente bem sacados e acolhidos pela direita. É uma massa que ainda não possui uma agenda de consenso para além do combate à corrupção, mas já é capaz de balançar as certezas de uma geração de esquerdistas que cresceu e chegou ao poder entendendo a rua como um domínio seu, não de seus adversários.

O protesto de domingo não juntou apenas o ódio à esquerda e os inimigos mortais do PT, mas foi composta também por ex-simpatizantes ressentidos com o rumo do partido os últimos anos – o exemplo cult é Eduardo Jorge, militante comunista da Paraíba que foi deputado estadual e federal pelo PT, mas decidiu abandonar a sigla em 2004, lançar-se candidato do PV (Partido Verde) ao governo de São Paulo e se postar anteontem ao lado de um carro de som na Avenida Paulista.

O cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) disse à VICE que a perda de monopólio do PT é "evidente e está relacionada a um grande desgaste do partido diante de uma parcela da sociedade, uma parcela crescente da sociedade. E é isso que mostra a perda de poder. O PT perdeu um recurso crucial seu, que era o poder de promover mobilizações sociais como as que a gente presenciou no período posterior à redemocratização. Isso começou a fazer água de uns tempos pra cá, talvez do governo Dilma pra cá".

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Na versão do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, "os protestos ocorridos no domingo (15/3) são de setores críticos ao governo, e seguramente essa participação parece ser de eleitores que não votaram na presidente Dilma". De forma mais escancarada, a militância petista disse nas redes sociais que se tratava de uma marcha exclusivamente burguesa, elitista, branca, oligárquica, escravocrata. Não foi só isso.

"Manifestações como a de anteontem tem esse elemento ainda (branco, rico). É evidente que você tem um magnetismo muito forte entre a elite socioeconômica brasileira – e, quando você fala isso, envolve não apenas renda, mas também etnia e uma série de outras coisas –, mas o fato é que extrapolou. E é aí que está a perda mais significativa de poder, porque o PT perdeu apoio justamente nos espaços nos quais ele tradicionalmente vinha tendo apoio. Quando a derrota é justamente no seu campo, ela é muito maior", analisa Couto.

A desidratação da militância petista era sensível desde o fim do governo Lula (2003-2011). Se no primeiro mandato do líder metalúrgico Brasília foi tomada por milhares de jovens entusiastas da esquerda, recém ingressados na carreira pública e dedicados à construção de um projeto possível de governo de esquerda, a transição para os anos Dilma foi marcada pelo oposto. No mandato atual, a empolgação dos quadros jovens diminuiu na proporção em que cresceu a presença de barões do PMDB e do PP no governo. A tal ponto que o que parecia piada tornou-se verdade: a indicação da senadora Kátia Abreu (PMDB-GO) para o ministério da Agricultura e de Gilberto Kassab (PSD) para o papel de articulador político do governo.

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Os escândalos de corrupção e a guinada conservadora, associada ao mau momento econômico e às medidas ortodoxas para o controle da inflação e aumento do PIB, fizeram com que as toras que ainda escoravam o PT fossem retiradas uma a uma.

A CUT, maior central sindical do Brasil, berço de Lula, havia convocado passeatas para o dia 13 . A ideia era pressionar Dilma nas ruas , obrigando-a a reatar com os valores de esquerda. Mas, diante da rápida e consistente movimentação oposicionista, o protesto de sexta-feira se viu forçado a mudar de rota, passando a defender o governo Dilma com base numa alta dose de críticas. Como resultado, o Brasil teve, na sexta e no domingo, marchas com discursos de oposição, embora a de sexta fosse convocada por aliados.

"O PT cumpre hoje o mesmo papel que os partidos da burguesia. O PT quer manter o status quo. Essa cambada fazia feijoada e rifa para arrecadar fundos para as campanhas, mas agora usa os mesmos mecanismos de financiamento que costumava criticar no passado. Não há briga entre esquerdas porque o PT não está mais no campo da esquerda", dizia já no fim do ano passado a líder sindical e candidata ao Senado pelo PSTU, Ana Luiza de Figueiredo Gomes. Ela foi militante da corrente petista Convergência Socialista no fim dos anos 70 e permaneceu por 11 anos no partido.

Isso não impede que o PT reerga sua militância, especialmente se uma variável decisiva como Lula voltar a fazer parte da equação. Sua presença no protesto do dia 13 foi pouco comentada, mas muito significativa. Por enquanto, permanece a sensação de susto e indefinição com a mudança no cenário, sem que emerja uma liderança oposicionista à altura.

"Por enquanto, ninguém ocupa esse espaço que o PT deixa. O que existe é uma dispersão. Estamos num momento muito mais de negação do que de afirmação. A negação do governo e dos partidos vinculados a ele. O ônus e o bônus de ser um partido com uma marca forte, como é o caso do PT é que, na hora que os problemas aparecem, a identificação negativa do partido com as coisas ruins é muito maior do que se ele fosse um partido sem perfil, sem identidade clara. Quando o Collor caiu em desgraça, não havia um partido perdendo naquele momento porque não havia um grande partido associado a ele. Mas o PT perde agora", diz Couto.