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O Que Aconteceu para um Aluno Trans Ser Expulso da Faculdade Cásper Líbero?

Expulso da faculdade por agressão, o estudante transexual Samuel Silva diz ter sido vítima de transfobia. Para a professora envolvida no caso, é difícil conviver com ele.

Fachada da Faculdade Cásper Líbero. Foto: Victor Lopes

Na última sexta-feira (9), a Faculdade Cásper Líbero, da cidade de São Paulo, demitiu uma professora e expulsou um aluno do terceiro ano do curso de Publicidade e Propaganda. Ele acredita ter sido vítima de transfobia. A história acabou virando caso de polícia, já que o coordenador do curso alegou ter sido agredido pelo jovem e chegou a fazer boletim de ocorrência. Em entrevista à VICE, Samuel Silva, o estudante transexual de 22 anos, chama a professora de "classista e elitista". Por telefone, ela diz ter a impressão de estar "de frente para um demônio".

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Segundo Samuel, tudo começou quando, há mais ou menos duas semanas, a professora (que, por ordens de seu advogado, pediu para não ter o nome divulgado) aplicou uma prova sobre intertextualidade. Uma das questões era baseada no vídeo de um comercial em inglês apresentado para a classe sem legendas. Depois do teste, que poderia ser feito em trio, Samuel postou no Facebook que não entendia por que "uma professora de língua portuguesa desvaloriza sua língua nativa, inclusive sua própria matéria a ponto de dar uma questão na sua prova que depende do seu conhecimento em inglês". Na sequência, contestou: "Até que ponto vamos nos deixar ser colonizados dessa maneira?".

O post repercutiu entre os alunos. Em entrevista por telefone à VICE, a professora relata que os próprios estudantes pediram que ela respondesse o post de Samuel – o que ela acabou fazendo num e-mail enviado para toda a turma, explicando sua didática e justificando que o aluno em questão foi o único a ter dificuldade com a proposta. "Tenho a dizer que, das quatro turmas de PP, Samuel Silva foi o único aluno universitário que não teve capacidade de assimilar um áudio com sonora em inglês, narrado lentamente, em linguagem cotidiana, de um filme de 30 segundos". E completou: "Talvez lhe falte repertório, talvez lhe falte domínio de idiomas, talvez lhe falte o que fazer". Ali, a professora informa também que "está à disposição de todo e qualquer aluno que porventura tenha se sentido 'colonizado' por uma mera prova de três questões". No final do texto, ela faz um "convite especial" a Samuel, dizendo que será um prazer avaliá-lo novamente.

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"Se existe uma queixa acadêmica, ele tem de falar com o professor, não com o Facebook", justifica a professora durante a entrevista. Samuel explica que a intenção da postagem não era provocar. "Fiz um post pras pessoas refletirem que nem todo mundo teve oportunidade de estudar inglês e fazer intercâmbio", disse o aluno.

Depois do desfecho do caso, a docente relata estar "arrasada". "Não teve mal-entendido. Não aconteceu nada. Estamos todos em choque. Os alunos, perplexos; a faculdade, perplexa. Eu tô sem palavras. Tô falando devagar porque tive uma crise hipertensiva forte." Ela justifica que Samuel foi bem na prova, alcançando 8,5 como nota. "O áudio da prova, de um comercial premiado, foi postado no grupo do Facebook que tenho com eles uma semana antes. Eles já tinham assistido, traduzido, visto online. Já tinha tradução no YouTube."

O entrevero tomou proporções maiores quando, numa segunda-feira (5), de acordo com o relato de Samuel, o coordenador do curso de Publicidade e Propaganda, Walter Freoa, foi até a classe chamar um representante para uma reunião. Samuel, acreditando ser o assunto da discussão, se levantou e foi até a sala do coordenador. "Ele ficou muito puto. Disse que eu estava sendo desrespeitosa, mal-educada. Me tratando no feminino. Ele disse que estava me tratando no feminino de propósito porque sabia que isso me irritava e que eu não ia desrespeitá-lo como desrespeitei a professora."

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Faculdade Cásper Líbero. Crédito: divulgação

Samuel diz ter saído correndo aos prantos quando esbarrou no coordenador. "Eu estava me sentindo mal, desesperado. Ele virou na direção do corredor que eu estava indo, e a gente se trombou. Segui reto, correndo, e parece que ele caiu. O pessoal falou que eu dei um soco, eu dei um cotovelada."

De acordo com a assessoria de imprensa da Cásper Líbero, Walter Freoa não está disponível para entrevistas. Por e-mail, a instituição informou que "o incidente foi registrado no 78º Distrito Policial, localizado no bairro do Jardins, e contou com a presença das testemunhas que comprovam o ocorrido".

A professora também comentou o assunto. "Nosso coordenador está arrasado. Apanhou dele [Samuel]. Ele já foi expulso da ESPM [Escola Superior de Propaganda e Marketing] pela mesma razão." O estudante nega: "Eu nunca fui expulso da ESPM. Saí de lá porque quis". Procurada pela reportagem da VICE, a assessoria de imprensa da ESPM informou que Samuel não foi expulso, apenas pediu transferência.

Para a docente, Samuel é uma pessoa difícil. "Ele é uma pessoa violenta, ele é uma pessoa difícil. Ele converge tudo pra transfobia. Qualquer assunto que você fale, ele acha que é transfobia. É difícil conviver com ele", relatou."Eu tenho a impressão de que estou de frente para um demônio, uma pessoa falsa, uma pessoa capaz de qualquer coisa."

Dos companheiros de turma, Samuel recebeu mensagens transfóbicas cheias de ódio por inbox. "Macaca sapatona feia, não teve nem a capacidade mental de se manter dentro do corpo que nasceu, imagina de entender uma propaganda em inglês. […] Você não sofreu porra de preconceito e exposição nenhuma por parte da professora. Você só foi tratada como uma putinha, chata, escrota, reclamona e burra que você é", traz uma das mensagens.

Depois de apurar os fatos, a faculdade emitiu um comunicado oficial na sexta-feira (9) informando sobre a "transferência compulsória" de Samuel para outra instituição; o desligamento da professora, "entendendo má condução e má postura ao expor o aluno perante a classe e por alimentar a divulgação dos fatos decorrentes, mesmo após orientação de aguardar o resultado da sindicância para se manifestar"; e a suspensão do coordenador do cargo, que permanecerá como docente na faculdade.

Para a professora, ler as notícias que saíram nos últimos dias só pioraria seu estado emocional e físico. Durante a entrevista por telefone, ela chegou a perguntar à VICE se algum veículo havia publicado seu nome. "Ele [Samuel] falou pra vários jornalistas que eu não gostava dele, que a classe é transfóbica. Eu sei que talvez você possa não acreditar em mim. Vocês [jornalistas] estão todos combalidos pela situação do pobre Samuel, mas não é verdade isso, não. Ele arrasou com muitas vidas."

Com a expulsão, Samuel diz que gostaria de procurar a justiça, mas sua família é religiosa e "não gosta da ideia de vingança". A professora já conta com o amparo de um advogado, mas lamenta o ocorrido e ataca o estudante. "Ele está numa posição de protagonismo. Ele quer isso. As luzes da ribalta às custas da morte dos outros", falou.

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