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Perdido na Narrativa de Bradley Manning: o Que o Soldado Realmente Vazou

Muitos dos críticos de Manning, e até mesmo alguns de seus apoiadores, referem-se a ele como um “ingênuo”. Talvez ele seja, mas não da maneira como eles pensam. Manning acreditava que expor o povo americano à verdade resultaria em reações e protestos.

Um protesto a favor de Manning em Honolulu em fevereiro, via savebradley/Flickr

Você sabia que torturadores egípcios receberam treinamento do FBI nos Estados Unidos? Você tem conhecimento do fato de que oficiais norte-americanos foram instruídos a esconder evidências de abuso sexual infantil cometido por empreiteiros estrangeiros no Afeganistão? Você sabia que o Departamento de Estado norte-americano lutou para que o Haiti não aumentasse o salário mínimo?

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Quando o julgamento de Bradley Manning finalmente teve início, surgiu um diálogo sobre o que as pessoas têm o direito de saber. Debates como esse com frequência enquadram a discussão como uma questão filosófica sobre transparência. Essa questão é de uma importância crucial e o julgamento de Manning vem se destacando como uma espécie de referendo sobre liberdade de imprensa.

A acusação da promotoria de “ajudar o inimigo” está baseada em se o material do WikiLeaks foi ou não encontrado no complexo de Osama bin Laden. Como a ex-informante do Departamento de Justiça Jesselyn Raddack apontou: “Se Osama bin Laden ou qualquer outro terrorista tivesse lido um artigo do New York Times na internet, o governo poderia acusar o jornal de ter 'ajudado o inimigo'. Esse é o grande problema.”

No entanto, a questão dos vazamentos em si e da importância deles é frequentemente obscurecida. Todas as histórias mencionadas acima foram vazadas por Manning, assim como a contagem oficial de mortos na Guerra do Iraque (que Bush e Obama disseram que não existia), o infame vídeo de “assassinato colateral” e muitos outros exemplos de comportamento sombrio e/ou criminoso do governo norte-americano.

Muitos dos críticos de Manning, e até mesmo alguns de seus apoiadores, referem-se a ele como um “ingênuo”. Talvez ele seja, mas não da maneira como eles pensam. Manning acreditava que expor o povo americano à verdade resultaria em reações e protestos. É fácil considerar sua percepção ingênua, pois ele claramente presumiu que as histórias reveladas seriam debatidas vigorosamente e receberiam intensa cobertura da imprensa.

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Ele foi ingênuo em acreditar que a mídia americana cobriria qualquer coisa vazada por ele de maneira substancial, que o povo norte-americano receberia, não só uma cobertura do julgamento dele, mas um exame do que está sendo feito em seu nome. Talvez ele tenha sido ingênuo o suficiente para acreditar que um canal como a MSNBC, que ganhou popularidade se aliando às promessas sublimes da administração Obama, tinha um problema real com a criminalidade dentro do governo americano. Talvez ele tenha achado que a estação, que agora mal consegue cobrir seu julgamento, conseguiria transmitir as questões que ele visava popularizar.

Kevin Gosztola, do blog FireDogLake, escreveu o seguinte sobre a falta de cobertura da rede de notícias: “Se alguém concordar que o conteúdo da programação de notícias da MSNBC se tornou cada vez mais partidário e focado nas questões de extrema importância para agentes do Partido Democrata, é possível explicar o porquê… Democratas não têm o desejo de fazer de Manning um exemplo, mas também não o apoiam. Eles apenas confiam que os militares estão lidando com ele de maneira apropriada. O resultado é que não há praticamente nenhuma cobertura”.

Seria, provavelmente, um erro marcar simplesmente a resposta da mídia liberal a Manning como uma mera extensão da apologia usual de Obama. Como Charles Davis escreveu: “Para ser honesto, não se pode realmente culpar os liberais por suas reações a Manning. O que ele fez foi fundamentalmente radical e não reformista. Ele não se contentou em trabalhar dentro de um sistema concebido explicitamente para impedir a exposição de delitos, por meio de uma cadeia de comando que ignora insensivelmente preocupações com vidas não americanas. Tendo acesso a evidências de crimes grotescos com os quais ninguém ao redor parecia se preocupar, ele se envolveu em uma ação direta ao expor essas evidências para o benefício de mundo e daqueles que pagam por isso, os contribuintes americanos”.

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Os contribuintes, pessoas comuns consideradas zés-ninguém pelos liberais e peões descartáveis pelos conservadores, sempre tiveram instintos muito melhores do que a grande mídia. Lincoln afirmou: “Acredito firmemente nas pessoas. Se receberem a verdade, podemos confiar nelas para enfrentar qualquer crise nacional. O grande ponto é levar os fatos reais a elas”. O problema da narrativa padrão de Manning, que foca na revelação e liberdade de informação, é que ela deixa de discutir os próprios fatos pelos quais ele abriu mão de sua liberdade.

O objetivo de Manning era nos trazer a verdade. O fato de que os detalhes dos vazamentos quase nunca são apresentados nos pontos de cobertura da mídia é outro lembrete muito bem-vindo do jovem soldado: as conexões existentes entre a imprensa e o governo. A melhor maneira de honrar a coragem de Manning é nunca perder de vista os horrores que ele expôs.

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