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Música

Tudo o que sabemos sobre a demolição dos beach clubs em Jurerê Internacional

O Ministério Público Federal de Santa Catarina pede a demolição de cinco clubes à beira mar em Florianópolis e coloca em risco o futuro da Ibiza brasileira.
A P12 ficou conhecida nacionalmente graças a um dos vídeos mais maravilhosos da internet. Foto do Facebook

O palco de um dos mais importantes menes da internet brasilis está ameaçado. Se depender do Ministério Público Federal (MPF) de Santa Catarina, a compenetração e malemolência de André Marques como DJ terão que procurar outras praias para desfilar. O vídeo, que revelou ao mundo que o ex-gordinho é muito mais do que parça de caciques globais, foi gravado em Jurerê Internacional, bairro em Florianópolis que abriga baladas de luxo à beira mar. Antes de continuar, vale a pena ver de novo a performance do apresentador.

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No idioma local, balada à beira da praia se chama "beach club", e no último dia 23 de maio, o juiz Marcelo Krás Borges determinou em primeira instância a demolição imediata, o cancelamento de licenças de funcionamento e multas de até R$ 10 milhões para os proprietários dos empreendimentos. Entre recursos e apelações, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiu no último dia 21 que os beach clubs poderão continuar funcionando até que uma decisão final seja tomada, o que deve ocorrer entre 40 e 45 dias. De qualquer maneira, algumas baladas, como a P12 (o exato pico onde André Marques se consagrou) já estão reservando camarotes até para o reveillon 2016.

A treta toda, porém, é mais antiga: começou em 2008, quando duas associações de moradores, a Associação de Proprietários e Moradores de Jurerê Internacional (Ajin) e a Associação dos Moradores da Praia do Forte, decidiram mover uma ação civil pública contra os beach clubs por conta do barulho. A segunda logo desistiu do processo, e o MPF entrou na história, se tornando autor da ação. O foco da ação, no entanto, mudou, mirando questões ambientais. Segundo o MPF, os beach clubs foram construídos sobre área de preservação permanente (APP) e em área de marinha.

Em 1980, a construtora Habitasul comprou 1,2 mil hectares com 2 km de frente de praia em Jurerê, no norte da ilha de Florianópolis. Desde o início, o objetivo era atrair gente endinheirada. A ideia era construir um balneário de luxo planejado, com mansões, hotéis, shoppings, restaurantes e baladas. O projeto foi batizado de Jurerê Internacional. Na época, os pontos de lazer que deram origem aos beach clubs eram chamados de postos de praia.

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IBIZA BRASILEIRA

Em pouco tempo, a área valorizou. Hoje é possível encontrar casas cujos valores alcançam fácil a marca de R$ 10 milhões. Essa pesquisa de 2011 afirma que o ticket médio de consumos nos restaurantes de Jurerê era de R$ 3 mil (naquela época). O casamento de luxo supostamente bancado com grana da Lei Rouanet, que foi revelado no último dia 28 pela Operação Boca Livre da Polícia Federal, foi feito, inclusive, em Jurerê Internacional. Fato, o resort virou a Meca dos reis do camarote. Mas os milionários preferem chamar de "Ibiza brasileira".

Veja: "Os 10 melhores cosplays de André Marques"

O apelido, claro, remete ao luxo e ao tipo de público da praia espanhola, mas também ganha força pelo tipo de entretenimento nos dois locais: festas com música eletrônica à beira da praia. Isso colocou Florianópolis (e o Brasil por tabela) no mapa global do gênero. "Grandes nomes mundiais da música eletrônica começaram a vir para o Brasil com o desenvolvimento da região de Jurerê, o que começou a rolar a partir de 2004. Antes os DJs vinham só a São Paulo e olhe lá", diz o DJ local Daniel Kuhnen, conhecido como Elekfantz. Entre os nomes que já passaram por lá estão Fatboy Slim, David Guetta, Armin Van Buuren, Hardwell e Solumun, para citar apenas alguns deles.

A importância da região, junto com a de Balneário Camboríu, para a música eletrônica brasileira acabou chamando a atenção até de veículos gringos cujas especialidades estão longe do assunto, como a Forbes e a The Economist. Segundo a The Economist, a música eletrônica gerou R$ 3 bilhões no Brasil em 2013. Não à toa, Florianópolis recebe anualmente um monte de turistas interessados nesse tipo de entretenimento. Para você ter uma ideia, de dezembro de 2015 a janeiro de 2016, estima-se que Santa Catarina tenha recebido 4,5 milhões de turistas, a maioria em visita à capital.

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Embora tenha importância mundial, o estrago imediato das possíveis demolições dos beach clubs deverá ser sentido pela cena local. "Menos um lugar para tocar sempre tem um impacto negativo na cena, especialmente quando se trata de instituições com tanta importância como os beach clubs de Jurerê, que são um polo musical muito diverso. O impacto deve ser sentido de imediato e há prejuízo financeiro para os DJs da cidade", diz Leo Janeiro, DJ carioca que já tocou algumas vezes em Jurerê Internacional.

Foto do Carnaval deste ano na 300 Cosmo Beach, outro empreendimento que pode acabar demolido. Foto do Facebook

Além dos DJs, funcionários de todos os tipos das baladas podem ser afetados com o seu fim. E por isso, estão se mobilizando. No último dia 20, representantes deles foram ouvidos em audiência pública promovida pela comissão de turismo da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. E domingo passado (26), funcionários e simpatizantes deram um constrangedor abraço nos empreendimentos.

QUESTÃO AMBIENTAL

"Às vezes temos que entrar com ações que afetam a economia. Eu não posso ter um sistema que capitaliza o lucro e socializa o prejuízo. Qualquer empreendimento tem que levar em conta a legislação vigente. Veja o caso da Lava-Jato, que tem empresas lucrativas com obras no mundo todo que estão sendo penalizadas. O Neymar é um cara famoso e lucrativo e está respondendo por problemas tributários", diz João Marques Brandão Neto, procurador da república que atua no caso.

"Um dos problemas apontados é a construção de beach clubs em área de preservação com vegetação de restinga."

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Um dos problemas apontados é a construção em área de preservação com vegetação de restinga, o que a Habitasul nega. "A legislação da época em que os beach clubs foram construídos dizia que a vegetação no acidente geográfico restinga era área de proteção desde que ela fosse estabilizadora de mangue ou fixadora de dunas. Em Jurerê, a vegetação não tinha essas funções. Na época, ficou evidenciado que não existiam dunas em Jurerê. Essa questão avançou 30 anos e qualquer monte de areia estão querendo considerar como dunas", diz Carlos Berenhauser Leite, diretor da Habitasul.

Leia: "De Ibiza aos festivais de EDM: A peculiar história do turista do techno"

Outro problema seria a construção do empreendimento em área de marinha. O executivo rebate e diz que a justiça está baseando sua decisão em uma nova demarcação de área de marinha feita pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) que ainda precisa ser homologada. Um estudo financiado por donos de áreas afetadas diz que a nova demarcação poderia atingir até 30 mil imóveis em Florianópolis.

"Os beach clubs foram construídos com todas as licenças dadas à luz da legislação vigente da época. Fizemos com aprovação de todos os órgãos competentes", diz Leite.

MOEDA VERDE

Chegamos a um nervo exposto nessa disputa. Dois anos antes do início da ação civil, a Polícia Federal deflagrou em Floripa a Operação Moeda Verde, que tratava da obtenção ilegal de licenças ambientais por meio de suborno de políticos e servidores públicos. A operação parecia fadada ao esquecimento, sem produzir resultados concretos, até que o MPF voltou a analisar o caso. No final de 2014, 48 pessoas foram denunciadas. Em maio de 2015, 40 dessas denúncias foram acatadas pela justiça.

Detalhe da praia de Jurerê Internacional. Foto por Flickr/Peggy2012CREATIVELENZ

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Segundo o MPF, existia uma quadrilha na cidade especializada em invasões e ocupações de áreas públicas, ponto central de uma rede de corrupção que envolvia servidores da Fundação do Meio Ambiente (Floram) e Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos (Susp). O líder dessa quadrilha seria Péricles de Freitas Druck, dono da Habitasul. Entre os empreendimentos beneficiados estariam os beach clubs de Jurerê Internacional.

Tecnicamente falando, não existe conexão direta entre a operação Moeda Verde e a ação civil contra os beach clubs — as duas correm paralelamente. Mas os atores são os mesmos, incluindo o procurador João Marques Brandão Neto, que atua nos dois casos. O diretor da Habitasul Carlos Berenhauser Leite, que falou com a reportagem, também foi apontado pelo procurador como parte da quadrilha. Em resumo, o clima contra a Habitasul e os beach clubs pesou na cidade e na justiça.

Leia: "Uma balada LGBT de São Paulo está sendo acusada de transfobia"

Tentamos obter mais dados sobre a situação atual da operação, mas o procurador disse que não poderia informar nada a respeito porque a investigação corre em segredo de justiça. Leite contesta a informação: "Isso é mentira! O procurador que diz isso ou não quer falar ou não tem o que falar. Se alguém quiser saber sobre a operação, é só entrar no site da Justiça Federal".

ACORDO

Enquanto aguarda a decisão do TRF-4, a Habitasul avalia as possibilidades. Diz que, se possível, vai até o STF. Mas que o ideal seria um acordo: "A tendência é buscar um entendimento, uma saída honrosa para todo mundo. Não demolir fica complicado e demolir tudo também é complicado. O meio do caminho é a melhor saída". Porém, para os mais pessimistas, é hora de aproveitar o fim da balada. É hora de guardar as memórias e nunca esquecer que o DJ André Marques fez história bem ali.

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