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cenas

Passei a minha hora de almoço numa casa de alterne

Calendários de gajas nuas para os portistas estarem sempre a festejar.

E se, de repente, um desconhecido te oferecesse flores? E se te pedisse de seguida para fazer uma perninha numa casa de alterne? Bem, provavelmente, estarias na presença de José Nunes, dono orgulhoso da Portista, uma casa para os lados da Batalha, com bolas de cristal a girar. O que fazem um emigrante e um casal de amigos de férias no Porto enfiados numa casa de alterne na Rua Cimo de Vila — o red light district portuense —, à uma da tarde? Três hipóteses: 1 - Vêm de um after-hours, a pastilha ainda bate e não resiste ao chamamento erótico das meninas à porta;
2 - São cegos e parolos, mas conseguem ouvir a música pimba à distância e ficam curiosos;
3 - Querem conhecer quem aguenta levar com doses industriais de decibéis de Ágata, enquanto apalpa uma coxa pré-centenária. A hipótese três ganha e 20 minutos chegam para tirarmos conclusões. E ali estamos nós: eu, a Patrícia e o Hans. Há posters do FCP e calendários de serralharias com boazonas nuas de um lado, bolas de cristal a girar do outro, um cheiro a rosas estranho e entranhado no ar. À minha frente, José Nunes, 70 anos, ex-paraquedista, pulseiras e anéis de ouro e orgulhoso galã — de longe o melhor anfitrião que alguma vez conheci numa casa do género. “Três cervejas, por favor”, peço.
“Três euros cada, se faz o favor.”
"Pois com certeza.” Coincidência ou instinto, depois do pagamento, o excelso anfitrião apresenta-nos a companheira loira, sexagenária, de mini-saia e bota branca, anca XXL e super higiénica: passou a conversa com uma escova de dentes na boca, entre o balcão e a casa de banho. Ao contrário de Nunes, ela jogou sempre à defesa, quase sempre ao fundo do balcão e de sorriso amarelo (não devem lá entrar muitas clientes jovens, do sexo feminino, como a minha amiga Patrícia). Pena, parecia uma mulher rija Nunes estica os braços, enche o peito e começa a conversa: “Há dias sem clientes; às vezes um, dois”, atira enquanto dá uns goles no pequeno copo com whisky. A crise atacou forte e o mercado do sexo não foge à regra, mas o nosso homem parece não querer saber. “Felizmente não preciso, já ando nisto há muitos anos, já lá vão 50. E nunca me casei, nunca!” Começou em Lisboa quando estava na tropa e, até hoje, este é o seu negócio. “Foram vários no cais do Sodré. Depois trouxe o negócio para aqui. Tive vários, até que acabei por ficar com este. Vai ser o último. Já ‘tou cansado.” E insistia sempre no final das frases: “nunca me casei, em 50 anos desta vida, nunca me casei.” Quando percebeu que o meu amigo Hans era holandês, a atenção passou para ele e assim começou uma série de perguntas, enquanto coçava o nariz vermelho de excitação. "Elas em Amesterdão ficam na montra, não é?”
"É, sentam-se numa cadeira e mostram-se”, respondeu o Hans.
“Mas, de perna aberta? E o serviço, faz-se ali?”, atirou o Nunes rapidamente.
“E o serviço aqui faz-se onde?”, perguntei eu.
“[Risos] Ali fora na frutaria, ou onde a menina quiser.” José Nunes, uma vez mais, mostrou-se cavalheiro e em nenhum momento utilizou palavras sujas ou pornográficas, com a excepção de uma única vez, para se referir aos polícias que ali vinham para beber de graça. “Alguns eram fixes, mas havia outros que se armavam em filhos da puta e que me ameaçavam de multar, se não lhes oferecesse bebidas enquanto estavam a fazer o serviço com as meninas; até metia whisky marado nas garrafas de Black Label — eles bebiam tudo e ainda pediam por mais”, disse entre risos. Ao canto da sala, há uma imagem surrealista: uma jukebox avariada, com uma batata em cima. “Estou à espera de uma peça há mais de dez anos, por isso não toca”, explicou quando nos viu interessados na máquina. A música foi, no entanto, melhorando e enquanto ouvíamos a San Francisco” do Scott Mckenzie, propus fazermos uma festa no local.“Não faça, amigo, não faça. Isso dá trabalho, é preciso pagar às meninas a 20 euros o copo. E depois, quem vem?” Mesmo assim, o nosso anfitrião ficou aberto a sugestões e o local está, por isso, à espera de propostas. Ele aceita o preço normal da cerveja, ou seja, três euros, e não há despesas com DJ: José Nunes toma conta do assunto. Com os copos vazios e muita fome, não nos restou muito mais tempo de conversa, por isso fomos saindo, entre abraços e fotos de despedida. Concluindo e respondendo à hipótese número três: apesar de não termos apalpado nenhuma coxa pré-centenária, conhecemos uma sexagenária tímida, simpática e higiénica, que aparentou ter um par de pernas rijo; a música foi também melhor do que imaginávamos e, claro, o galã José Nunes torna a visita ao Portista obrigatória. Como é, faz-se uma festa no Portista?