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'Black' Traz as Gangues de Bruxelas para o Cinema

O filme dos cineastas marroquinos de 27 anos Adil El Arbi e Bilall Fallah, se passa nos bairros do centro da cidade e centros de violência de gangues nas comunidades pobres negras e marroquinas.

Still cortesia da TIFF.

Bruxelas é considerada uma capital por excelência: organizada, despretensiosa, imponente e chata pacas. Mas essa não é a Bruxelas de Black, o novo filme dos cineastas marroquinos de 27 anos Adil El Arbi e Bilall Fallah, que se passa nos bairros do centro da cidade e centros de violência de gangues nas comunidades pobres negras e marroquinas. O filme é basicamente uma história de amor estilo Romeu e Julieta, mas filmadas com a malandragem de rua de Kids de Larry Clark ou Pixote de Hector Babenco. O filme usa uma fotografia impressionante para transmitir as possibilidades aparentemente infinitas da violência nos bairros pobres de lá.

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Como esse é o segundo longa do time de direção (que estreou com Image, de 2014), o filme tem alguns clichês de jovem cineastas abordando grandes tópicos: a violência às vezes é superestilizada, partes da trama parecem um pouco apressadas, e enquanto a maioria dos personagens dos dois lados da divisão raciais são complexos e bem delineados, os gangsteres negros são exageradamente cruéis.

Mas o comprometimento com a autenticidade dos bairros e da história passada dentro deles – o filme é baseado num romance de Dirk Bracke de mesmo nome, um título popular e controverso na Bélgica – aparece nos personagens e locações. (Todo o elenco foi escalado nas ruas e todas as filmagens aconteceram nos bairros marginalizados.) Black começa mostrando numa gangue marroquina pequena e seu Romeu proverbial, Marwan (Aboubakr Bensaihi), mas a história se torna a jornada trágica da Julieta, Marvella (Martha Canga Antonio), com a poderosa e violenta gangue Black Bronx – um grupo com uma queda por estupros coletivos e intimidação de comunidades.

A dupla se mostrou entusiasmada e simpática no encontro com a VICE.

VICE: Como vocês começaram a trabalhar com cinema?
Bilall Fallah: No primeiro dia de aula na faculdade, que só tinha gente branca do tipo artística, ele era o único outro marroquino. Então perguntei "Você é marroquino?", e ele disse "Sim". Então formamos nossa gangue e começamos a fazer filmes juntos. Isso veio naturalmente: Toda vez que eu fazia um filme, ele estava no meu set, e toda vez que ele fazia um filme, eu estava no set dele. É como se nossas mentes estivessem conectadas, compartilhando a mesma visão.

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E esses eram filmes para a faculdade?
Adil El Arbi: Sim, na escola de cinema. Nem passamos do primeiro ano, porque todo mundo achava nossos filmes toscos.

Fallah: Nós dois bombamos. E eles eram muito racistas.

El Arbi: Mas o tipo de filmes que fazíamos era bem comercial. Nos inspiramos em gente como Scorsese, Spike Lee e mais um monte de diretores. Os professores queriam filmes mais artísticos, do tipo que você vê nos festivais. Só alguns anos depois eles tiveram algum respeito por nós.

Foi meio que o contrário de quando pessoas que fazem filmes artísticos são pressionadas para fazer coisas mais comerciais. Vocês fizeram um outro longo, que mais?
El Arbi: Você precisa fazer um curta no final de todo ano letivo, e todos os curtas que fizemos estavam no mesmo universo que usamos nos nossos longas. Nosso último curta ganhou alguns prêmios e um desses prêmios era o orçamento para fazer outro curta. Mas aí pensamos: "Fodam-se os curtas; vamos fazer um longa". Foi nosso primeiro filme, Image, que é sobre um gangster marroquino e uma jornalista num bairro de Bruxelas. Nosso segundo filme é Black. Esperamos fazer uma caralhada de filmes daqui para frente.

Vocês obviamente estão familiarizados com a cena que retratam no filme. Vocês podem falar um pouco mais sobre esse lado de Bruxelas. Quer dizer, estive lá 10 anos atrás e vi um lado muito diferente da cidade.
El Arbi: Lemos o livro [Black] na escola, quando você lê muita coisa voltada para adolescentes. Gostei dele porque era um livro sobre gangues negras em Bruxelas. São cerca de 35 gangues ativas na cidade, e conhecemos esse mundo, conhecemos muita gente negra e marroquina na comunidade de imigrantes. É o nosso mundo. E nos sentimos ligados aos personagens.

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Fallah: E tem essa coisa universal de Romeu e Julieta, mas queríamos fazer algo bem cru.

El Arbi: Foi interessante ler o livro e entender por que os gangsteres entraram nessa, entrar na cabeça deles.

Há um aspecto socioeconômico e racismo entre as duas gangues do filme, mas você não vê a visão disso fora do filme. Como é a experiência real dos imigrantes?
El Arbi: Em Bruxelas, se você é marroquino ou negro, não é fácil achar um trabalho convencional. Mesmo Bruxelas sendo uma cidade muito rica, a população ali é muito pobre. Você tem um milhão de pessoas indo trabalhar ali todo dia, mas as pessoas que moram ali são muito pobres. Há marroquinos, negros, pessoas do Leste Europeu. Qualquer um com um nome que soe estrangeiro tem dificuldade para achar trabalho. É como se eles não pertencessem à sociedade. E muitos desses jovens veem seus irmãos e amigos mais velhos desempregados e pensam: por que tentar? Então se metem com alguma atividade criminosa, um grupo onde eles pensam: "Sou aceito e tenho uma identidade – sou durão como um Black Bronx, é isso que sou. E isso está claro porque não sou parte da sociedade". Muitas dessas pessoas só querem pertencer a algum lugar, e sentem que não há um futuro real para elas. Elas se sentem sempre como imigrantes, mesmo se nasceram aqui ou seus pais nasceram aqui.

No filme, podemos ver que há alienação mesmo dentro desses grupos. Quando os personagens principais se apaixonam e tentam fugir da violência, eles são alienados desses grupos a que pertencem. Bom, como vocês escolheram focar nessa história específica?
El Arbi: Muita da atividade criminal de 2008-2009, quando o livro [Black] saiu, aconteceu na comunidade africana. Eram gangues africanas lutando pelo mesmo território. Mas queríamos explorar algumas das gangues menores, que não são tão perigosas quanto as dos bairros africanos. Elas agem de modo muito diferente. Às vezes você tem guerras entre bairros – nem sempre são guerras entre gangues africanas e gangues marroquinas. Podem ser duas gangues marroquinas uma contra a outra, uma do norte de Bruxelas contra uma do sul. Mas achamos que seria interessante mostrar esses dois tipos de gangues, porque os personagens principais são muito similares [mesmo sendo de gangues diferentes]. E essa é a beleza da história.

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Focando nesses dois personagens e seus mundos, não vemos muito do resto de Bruxelas. Não há muitos brancos no filme.
El Arbi: Só os policiais. Os policiais racistas.

Qual era a ideia por trás de fazer o filme assim?
El Arbi: O que você vê no filme são bairros reais de Bruxelas e o mundo em que eles vivem. Você vê que é difícil ter um futuro bom nesse tipo de ambiente. O filme se passa nas estações de metrô e nos bairros.

Fallah: E não há muito contato com os brancos, é um mundo inteiramente diferente.

El Arbi: Para o filme, tivemos que ficar ali. E é por isso que o filme é mais sobre o relacionamento de Marwan e Mavella, e ainda mais sobre gangues – tipo, são umas 35 gangues diferentes, mas você não vê todas elas. Isso se centra em torno desses dois personagens.

E fazendo isso, acho que esse é um dos primeiros filmes belgas a apresentar essa formação racial.
Fallah: Todos os filmes belgas são cheios de gente branca. Você nunca vê marroquinos ou negros.

El Arbi: Se você é de outro país e assistir os programas da TV belgas, você vai achar que a Bélgica só tem brancos. E todas as pessoas famosas da Bélgica são brancas. Mesmo que Bruxelas, Antuérpia e Gante sejam multiculturais. E isso é uma coisa que vai ser chocante e polêmica na Bélgica – isso é algo novo. Quando você vê um marroquino em um filme belga, ele geralmente é um traficante ou terrorista. Então escolhemos fazer um filme cheio de negros e marroquinos, e mostrar o lado bom e o lado ruim dos dois grupos.

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E foi assim que vocês acabaram usando atores não-profissionais?
Fallah: Como todos os programas de TV estão cheios de brancos, não íamos encontrar nossos atores ali. Então escalamos as pessoas que combinavam com os personagens nas ruas. Fizemos umas 400 audições e vimos todo mundo, foram quatro meses para achar esses caras. Escolhemos 16 deles, que sabíamos que tinham talento, como diamantes. Aí meio que os profissionalizamos com dois meses de ensaios.

El Arbi: Trabalhamos com eles para fazer muita improvisação. Claro, havia um roteiro, mas queríamos que eles tivessem bastante liberdade, queríamos capturar uma atuação estilo documentário. E queríamos ter química entre os atores. Todos sabiam muito sobre gangues, mesmo nunca tendo feito parte de nenhuma – eles estavam sempre pensando: "É, um amigo meu fez isso e isso". Aí um dos nossos atores foi preso enquanto filmávamos.

O que aconteceu?
El Arbi: Estávamos filmando e ele foi preso. Mas foi solto algumas horas depois. Ele nunca contou direito o que tinha acontecido. Mas ele falou sobre o pai, que é conhecido nos bairros de gangues, então entendemos que foi algo por aí.

Fallah: A maioria dos atores estava interpretando um papel. Mas eles conheciam esse mundo e a linguagem das ruas. E isso era muito importante para nós: ser o mais autêntico possível e ter uma atuação quase como de documentário. E acho que conseguimos.

Como foi para eles ter essa oportunidade de fazer um filme?
El Arbi: Quando fizemos a escalação, muitos deles não acreditavam que éramos diretores de cinema de verdade. Tivemos que mostrar nosso primeiro filme para eles, para provar que não estávamos mentindo. Porque estávamos na rua perguntando para garotas de 16 anos: "Ei, você quer participar de um filme?" [Risos]

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Fallah: Depois de um tempo, conseguimos um escritório no centro de Bruxelas, e muitas pessoas passavam por ali. E o cara que faz o papel do líder da gangue estava indo para o trabalho e passou pelo nosso escritório. Notamos que ele tinha a cara daquele personagem, então perguntamos se ele queria fazer parte do elenco.

El Arbi: Ele foi o único que me assustou; todo mundo [que estava tentando pegar o papel] ficava gritando, mas ele estava calmo. Todo mundo pensou que talvez ele tivesse matado alguém. Mas os dois personagens principais, Marwan e Mavella – ela tinha lido o livro e era fã da história. Ela achou seu próprio caminho para o elenco. Assim que ela leu [a parte dela], foi como uma bomba de emoções. Sabíamos que tinha que ser ela.

E os jargões de rua e os dialetos – você acha que um pouco disso se perde nas legendas?
Fallah: Passamos o filme para um público francês e eles não tiveram problemas em entender isso. Mas algumas palavras e piadas nem mesmo nós entendemos.

El Arbi: Mostramos o filme para um artista belga famoso, Stromae, e ele estava lá com a família e amigos negros dele, e eles estavam rindo muito. Eles entendiam todas as frases – então os atores estavam realmente pensando em suas falas. Mas são as imagens que realmente contam a história.

E como foram as filmagens?
Os dois: Uma guerra.

El Arbi: Dissemos para os atores que fazer esse filme seria como ir para a guerra. Cem por cento, você tem que se entregar de corpo e mente. E havia violência acontecendo em alguns desses bairros, como quando ameaçaram esfaquear um cara branco da nossa equipe.

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Fallah: Acertaram uma garrafa na minha cabeça.

El Arbi: Mas falamos com eles. Fomos até os bairros meses antes de começar a filmar para conseguir a confiança das pessoas ali. Queríamos ser autênticos com os atores e as locações. Não íamos filmar nas partes de Bruxelas onde nada acontece. Queríamos usar as ruas descritas no livro.

Fallah: Não dizíamos que o filme era sobre gangues, dizíamos que era um filme de amor.

Última pergunta… Como vocês acham que o filme será recebido na Bélgica e na Europa?
El Arbi: Muito interessante. Foi difícil adaptar o livro.

O livro já tinha uma reputação?
El Arbi: Sim, ele é muito popular. Quando fizemos o filme, filmávamos a versão mais pesada possível e diminuíamos o tom. Mas na primeira versão que mostramos para o produtor e os distribuidores, eles disseram: "Deixe desse jeito. Não precisa abaixar o tom". Essa é praticamente a versão que temos agora. Acho que a coisa boa é que isso não vai passar despercebido. E isso é bom para jovens diretores.

Black é exibido no Festival de Cinema de Toronto durante o mês de setembro.

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Tradução: Marina Schnoor