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Tecnologia

As piores maneiras de se livrar do lixo nuclear

Banheiro de gato e lançamento ao Sol são algumas das piores soluções de armazenamento do lixo nuclear que a humanidade já pensou.
Crédito: Ralph Damman

Em 1945, quando o físico Robert Oppenheimer testemunhou a primeira detonação de bomba nuclear, citou erroneamente o texto religioso indiano Bhagavad Gita e afirmou: "Agora me tornei a Morte, a destruidora dos mundos".

É provável que Oppenheimer se referisse ao potencial destrutivo da arma mais poderosa já criada, mas sua observação também se aplica à energia nuclear de forma geral. Afinal, ainda que desenvolvida para propósitos bélicos, a fissão nuclear também foi utilizada a fim de gerar energia com propósitos civis.

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Há muito a ser dito a favor do uso da energia nuclear em detrimento dos combustíveis fósseis, mas, para todos os propósitos, ela gera um problema óbvio: o que fazer com os resíduos?

O gasto de combustível nuclear, principalmente na manufatura de armas nucleares, está se empilhando em reatores ao longo dos EUA e em outros países, como o Canadá. Esse lixo pode permanecer tóxico por centenas de milhares de anos, o que exige soluções de engenharia inéditas.

Ao longo dos últimos 50 anos, surgiram várias ideias de como fazer o descarte de material radioativo. Como era de se esperar, algumas são muito mais idiotas do que outras. Já que ainda não chegamos a um consenso acerca do melhor método para descarte do lixo nuclear, compilamos um guia prático para descrever os melhores e os piores métodos.

ARMAZENAR LIXO NUCLEAR EM UM REATOR NUCLEAR

Uma piscina de combustível utilizado na Estação de Geração Nuclear San Onofre perto de San Clemente, Califórnia. Crédito: Science/NRC.

No momento, este é o plano de armazenamento de lixo nuclear, o que é uma merda, pois nem é um plano de verdade. Conseguir o consentimento do governo para cavar um depósito geológico profundo (talvez a melhor solução em longo prazo) é um processo que leva décadas sem qualquer garantia de sucesso.

No momento, os EUA têm somente um depósito debaixo do solo. A grande maioria do lixo de baixo e médio níveis está por aí em contêineres nos reatores nucleares onde foram produzidos.

O lixo nuclear de alto nível é mantido em piscinas de água gigantes durante uma década para resfriar antes de ser transferido para contêineres secos e armazenado. Mesmo que essas estratégias sirvam no curto termo, os reatores nucleares são vulneráveis a ataques terroristas, explosões e desastres naturais. A presença de lixo radioativo no local agravaria as consequências desses acontecimentos.

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ENTERRAR LIXO NUCLEAR PRÓXIMO À (OU NA) SUPERFÍCIE

Enquanto o armazenamento de lixo em contêineres especificamente projetados nos reatores não é uma boa ideia, é ainda muito melhor que um dos planos anteriores para o descarte do lixo nuclear de alto nível: jogar tudo em um fosso. Mesmo sendo difícil de acreditar que alguém achasse isso uma boa ideia, em 2004, durante uma limpeza na planta nuclear de Hanford, no estado de Washington, nos EUA, alguns funcionários se depararam com um cofre em uma vala. Dentro desse cofre havia uma garrafa de vidro. Dentro dessa garrafa havia uma massa branca que datava de 1944. Essa coisa era plutônio, que permanecerá tóxico pelos próximos 24 mil anos. Muito bem.

Dito isso, armazenar lixo nuclear de baixo nível na superfície ou próximo dela é uma prática aceitável em muitos lugares, incluindo os EUA, o Reino Unido, a Holanda e o Japão.

A técnica do Sr. Burns para descartar o lixo nuclear não é a pior ideia já concebida. Vídeo: YouTube.

DAR TODO O LIXO NUCLEAR PARA A AUSTRÁLIA

O maior estacionamento de trailers do mundo, chamado por vezes de Austrália, é conhecido por muitas coisas, incluindo a tomada de péssimas decisões, cangurus e o fato de que 70% do país é composto por deserto. Grande parte da zona rural australiana pode não ser lá muito boa para a vida (humana), mas pode ser um bom lugar para descartar o lixo nuclear do planeta.

Embora isso não tenha acontecido, calcularam, com base em relatórios de 2016 da comissão real australiana, que criar uma instalação de armazenamento para o lixo nuclear do planeta poderia resultar em 50 bilhões de dólares para o país.

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FAZER AS PESSOAS COMEREM O LIXO

Embora não se tenha trabalhado para tornar essa solução viável, nos anos 1940, o governo dos EUA colocou, secretamente, elementos radioativos no cereal de crianças "mentalmente fracas" que participavam do "Clube de Ciências" do MIT a fim de observar como isso as afetaria. É claro, os cientistas não tinham o consentimento das crianças nem de suas famílias. (Muito mais tarde, os sujeitos da pesquisa receberam compensações pelos experimentos.)

Sala WIPP 7, onde ocorreu um vazamento de lixo nuclear em 2014. Imagem: WIPP/DOE.

BOTAR O LIXO NUCLEAR NA FRONTEIRA DOS EUA

Por falar em grandeza, Donald Trump quer construir sua grande muralha na fronteira dos EUA, e o departamento de segurança recentemente abriu um chamado para propostas de projetos. Uma empresa chamada Indústrias Clayton submeteu um projeto que consistia em cavar uma trincheira e enchê-la de lixo nuclear. Ao mesmo tempo em que a exposição a esse material mortífero seria, sem dúvida, um fator inibidor para muitos imigrantes, acredito que as 12 milhões de pessoas que vivem na fronteira dos EUA iriam morar perto de um fosso coberto de lixo nuclear.

MANDAR O LIXO NUCLEAR PARA O SOL

E que tal lançar pro Sol, que é, acima de tudo, uma reação nuclear gigante? Mesmo recebendo bastante atenção da mídia, essa ideia não vai funcionar até acharmos um jeito de enviar os foguetes ao espaço sem explodi-los (e jogar uma chuva nuclear na gente). A NASA tem um registro excelente nesse departamento, mas um errinho de nada pode botar tudo a perder pela maioria dos físicos nucleares.

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JOGAR O LIXO NUCLEAR EM VULCÕES

É impressionante, mas o calor dos vulcões não é suficiente para derreter o zircônio que encapsula as barras de combustível urânio, muito menos o próprio urânio. Além disso, como a lava é empurrada para cima e para fora do vulcão as barras provavelmente não afundariam no interior do vulcão, e seriam reconduzidos à superfície, transformando a lava em um inferno radioativo. Não, obrigado.

ENTERRAR O LIXO NUCLEAR NO FUNDO DO MAR

Olha, acho que eu não preciso explicar porque enterrar a maior parte dos materiais tóxicos da Terra no local de origem da vida é uma péssima ideia. Eu queria muito que alguém tivesse explicado isso aos 13 países que usaram o oceano como aterro de lixo nuclear entre os anos de 1946 a 1993, quando a prática foi então banida por meio de tratados internacionais. Após o banimento, diversos estudos foram conduzidos em vários locais de descarte e descobriu-se que o impacto ambiental existente foi praticamente nulo. Como isso se alterou em 20 anos ainda não está claro.

Contêineres de armazenamento a seco utilizados para armazenar o urânio utilizado em barras de combustível de reatores nucleares de propriedade da Geração de Energia de Ontario. Crédito: OPG.

MINAS DE SAL

A Planta Piloto de Isolamento de Lixo (sigla em inglês WIPP), um dos únicos depósitos geológicos profundos em operação do mundo está localizado em um depósito de sal gigante no Novo México. Os depósitos de sal são considerados o local ideal para armazenar o lixo nuclear graças à sua estabilidade, capacidade de conter o calor liberado pelo material radioativo e – no caso do WIPP – a ausência total de fluxo de água na região.

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Nos anos 1970, a Alemanha começou a converter duas minas de sal antigas em locais de armazenamento de lixo nuclear. Um desses locais, o Asse II, foi preenchido com lixo nuclear até 1995, e então coberto de sal até 2004. Em 2008, descobriu-se água salgada próximo ao local contendo elementos radioativos, sugerindo que a mina estava vazando seu conteúdo radioativo em razão do movimento da água. Um estudo previu que o fluxo da mina aumentaria com o passar do tempo, levando a um vazamento incontrolável que poderia levar o conteúdo nuclear consigo.

Nos últimos anos, o governo alemão começou a trabalhar na reescavação da mina para restabelecer e relocar o lixo. Enquanto depósitos de lixo nuclear planejados em depósitos de sal como o WIPP têm funcionado bem, o Asse II não foi mais projetado para armazenar o lixo nuclear.

POÇOS

Nos anos 1970, as primeiras propostas começaram a surgir para cavar poços estreitos, de muitos quilômetros de profundidade na Terra, e então jogar as barras de combustíveis nucleares dentro deles. Ano passado, o departamento de energia dos EUA retirou os planos para realização do primeiro poço experimental para teste do conceito, o qual teria perfurado um poço de quase 5 km em Rugby, na Dakota do Norte. Embora nenhum lixo nuclear propriamente fosse colocado no poço, o plano cancelado depois de protestos argumentando que o plano induziria ao descarte de lixo nuclear de verdade na área.

DEPÓSITOS GEOLÓGICOS PROFUNDOS

Por fim, os depósitos geológicos profundos (sigla em inglês, DGR), o único plano realista para o armazenamento do lixo nuclear em longo prazo de que dispomos no momento. Como o nome sugere, os DGR envolvem enterrar o lixo nuclear em vastas redes de túneis a mais ou menos meio quilômetro de distância da superfície da Terra e então cobrir esses túneis com concreto, sal e outros materiais.

Esses depósitos, como os WIPP no Novo México, ou os planejados, como o Onkalo, na Finlândia, são projetados para durarem centenas de milhares de anos, sem vazamentos. Embora o plano ainda não seja perfeito (como é possível perceber pelo vazamento do WIPP em 2014), é o melhor que temos para lidar com aproximadamente 250 mil toneladas de lixo nuclear gerados ao redor do planeta.