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LGBT+

Querem gongar a Parada da Diversidade de Balneário Camboriú

Na cidade do prefeito apoiador de Jair Bolsonaro, governa-se para a maioria, não para as minorias.

Eles não estão pedindo privilégios ou pencas de “acué” – gíria gay para dinheiro, citada no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Estão pedindo a liberação de uma das pistas da Avenida Atlântica, na orla de Balneário Camboriú (SC), para passagem da 6a Parada da Diversidade num domingo (18).

Ante a resistência da administração da cidade de 130 mil habitantes, é pedir muito.

Foi assim nos últimos anos: a manifestação LGBT dependeu de liminar judicial para acontecer – o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) precisou intervir com mandados de segurança em 2014, 2016 e 2017 para garantir a possibilidade de realização da parada gay. Na última vez, a Secretaria de Turismo alegou que a marcha LGBT não tinha “apelo turístico”, “atrapalha o trânsito” e não desperta interesse para a prefeitura.

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A saga se repete nesta sexta edição: os organizadores protocolaram pedido de apoio municipal no dia 10 de agosto, mas, às vésperas da parada, não receberam resposta.

A 6ª Promotoria de Justiça de Balneário Camboriú recebeu na manhã desta quinta-feira (8), prazo estipulado pelo MPSC, a resposta oficial da prefeitura recusando apoio à parada. “O que acontece no presente caso é um atentado aos princípios da isonomia, igualdade e liberdade das pessoas que buscam, dentro dos limites permitidos em lei, ganhar o seu espaço e tentar minimizar a discriminação que paira neste país”, informou a promotoria à reportagem. O promotor Jean Michel Forest está avaliando instaurar inquérito civil para apurar ato de improbidade administrativa à prefeitura balneocamboriuense por eventual discriminação.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa indicou o secretário Miro Teixeira, do Turismo, como porta-voz da prefeitura.

“Recusamos o pedido fundamentados no Decreto Municipal 7773/2015, que estabelece apenas eventos organizados pela prefeitura. Já proibimos diversas marchas ali, só autorizamos eventos previstos na lei. Fechar a avenida no domingo é um caos. Não sou evangélico e não tenho nada contra a questão homossexual, mas eles insistem em fazer essa passeata num espaço público – e não pediram só autorização, pediram infraestrutura e banheiro, o que é ônus para os cofres públicos”, disse-me serenamente o secretário.

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(À Marcha para Jesus, que também atravessa a Avenida Atlântica, a administração oferece infraestrutura. Tramita o projeto de lei 250/2017 que propõe incluir a marcha no calendário oficial da cidade, a acontecer anualmente, no mês de novembro).

Na terça, Teixeira já tinha sinalizado a resposta negativa: “Não tem interesse para o município. […] [A Parada] ofende pessoas que são cristãs, conservadoras. Aqui não é vale-tudo, que façam o evento em São Paulo ou no Rio de Janeiro. […] Nós governamos para a maioria, não para a minoria”, declarou à jornalista Dagmara Spautz, do NSC Total.

“Nós governamos para todos, respeitando a vontade da maioria, como todo país democrático”, emendou-me Teixeira. “Balneário é uma cidade cosmopolita, que recebe todo tipo de público, temos inclusive boates LGBT há muito tempo. Não temos nenhuma discriminação”, comentou.

O discurso que minimiza minorias traz certos ecos: “Não tem essa historinha de Estado laico, não. É Estado cristão. E quem for contra, que se mude. Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar às maiorias“, bradara Jair Bolsonaro (PSL), em fevereiro de 2017.

A bela Balneário Camboriú ( BC Beach para os íntimos) é governada pelo prefeito Fabrício Oliveira (PSB).

Antes de assumir o posto na cidade catarinense, o político evangélico bombou em bem-humorados memes a partir de Brasília: nas tumultuadas sessões de abertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em abril de 2016, o então deputado federal suplente conquistou as câmeras da Câmara e estrelou posts com os dizeres “muso do impeachment” e “boy deputado magia”. Ao colunista Bruno Astuto, da Revista Época, ele relatou que seu perfil no Instagram saltou de 5 para 35 mil seguidores em questão de dias. O frisson passou: hoje, conta 36 mil.

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À frente da prefeitura, Oliveira contrariou a diretriz de sua legenda, o PSB - Partido Socialista Brasileiro, e declarou apoio a Bolsonaro. O presidenciável aceitou o afago político de bom grado – e gravou vídeo para agradecê-lo. No fim das contas, a cidade garantiu ao candidato da extrema-direita 71,42% dos votos válidos; no estado de Santa Catarina foram 75,92%.

A possível parada da parada sinaliza o que será ser LGBTQ no Brasil de Bolsonaro.

O organizador Fernando Lisboa reitera que a parada é independente e não necessita de verba pública. Inicialmente, a organização solicitou apoio logístico da guarda municipal, interdição de uma pista da avenida beira-mar e instalação de banheiros químicos ao longo do diminuto trajeto de 3,9 quilômetros: marcada para 18 de novembro, a marcha deve começar às 14 horas na Barra Sul, com caminhada até a Praça Almirante Tamandaré e fim de festa previsto para as 19 horas.

“Nós estamos até abrindo mão dos banheiros químicos, pra você ter ideia. Eles estão procurando pelo em ovo, então abrimos mão. Não estamos pedindo quase nada, só a liberação de uma pista na avenida”, diz Lisboa.

Hastear bandeiras arco-íris pela avenida apinhada de arranha-céus tem uma proposta política: trata-se de uma ação afirmativa para celebrar a diversidade sexual e combater a homofobia – o Brasil, diga-se de passagem, ainda é o país que mais mata LGBTs no mundo. “O objetivo, principalmente agora que vamos enfrentar um período nefasto a partir do novo governo, é dar vez e voz a todos e todas. É mostrar que existimos, estamos vivos e resistentes”, define Lisboa.

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“A cidade é cosmopolita, diversa e turística, mas é extremamente conservadora. É um paradoxo. Ou você se enquadra no padrãozinho e diz ‘amém', ou você é marginal e anarquista. Vou à tribuna e às ruas, levo informações sobre homofobia, levanto dados, mas, amada, eu prego no deserto. Todo dia é luta”, afirma o ativista.

Embalada pelo tema “por uma vida TRANSbordante”, destacando a visibilidade de travestis e transexuais, a edição deste ano espera cerca de 5 mil participantes, segundo o organizador.

Foi justamente o ativismo de travestis que impulsionou a história do movimento LGBT em Santa Catarina. De acordo com o sociólogo Fernando José Taques, professor do Instituto Federal Catarinense (IFC), elas passaram a se organizar e lançar suas reivindicações por direitos na década de 1990, abraçando depois outros segmentos.

Autor da dissertação Movimento GLBT em Santa Catarina: A Questão do Empoderamento, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2007, o sociólogo considera que a resistência à realização de manifestações pró-direitos dos LGBTs surpreende, mas não surpreende. “De um lado, a resistência não é de hoje e não está restrita a Balneário Camboriú. Outras cidades catarinenses também se mostram bem conservadoras”, diz Taques.

“De outro, a parada é um dos marcos de um movimento internacional – e permitir sua realização deveria ser uma discussão absolutamente vencida, pois há uma série de exemplos mundiais da legitimidade das reivindicações do movimento: eles não estão pedindo privilégios, mas reconhecimento de direitos iguais. É um anacronismo querer impedir uma parada LGBT, por isso é tão digno de nota esse posicionamento anacrônico – e por isso é importante insistir para realizá-la”, pondera.

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