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Cineasta fala sobre 'Surviving R. Kelly': “Há mulheres que não têm medo”

dream hampton falou com o Noisey sobre seu novo documentário, que joga luz sobre as alegações de assédio sexual que cercam o cantor desde os anos 90.
KC
Queens, US
MS
Traduzido por Marina Schnoor
R. Kelly

A cineasta dream hampton tornou sua a missão contar as histórias que ninguém quer contar. Por décadas, hampton documentou a cultura do rap e suas intersecções, indo de uma carreira como jornalista musical para dirigir documentários como Treasure: From Tragedy to Trans Justice e Mapping a Detroit Story. Ano passado, hampton foi escalada como produtora-executiva de Surviving R. Kelly do Lifetime, uma série de seis horas examinando as alegações de abuso sexual cercando o cantor de Chicago.

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Depois da estreia em 3 de janeiro, o documentário em três partes atraiu 1,9 milhão de espectadores na primeira noite, um recorde para a rede voltada para mulheres. hampton, que usa seu nome em minúsculas como uma homenagem a bell hooks, conversou comigo por telefone por quase 45 minutos sobre as alegações que o público ignorou e como seria cancelar o cantor.

Noisey: Você disse que Surviving R. Kelly levou um ano e meio para ser feito, o que data da época da reportagem do BuzzFeed sobre uma suposta seita sexual. Foi aquela reportagem que te fez cavar mais fundo sobre essas acusações?
d ream hampton: No começo, eu também tinha minhas reservas. Eu sentia que Jim [Derogatis] tinha escrito sobre isso por anos. Eu não sabia que o documentário da BBC ia sair quando vi a reportagem, que pareceu diferente da nossa abordagem. Você não me vê nas filmagens. Não é uma jornada através dos meus olhos. Centramos nossa série nas garotas de um jeito que o doc da BBC não fez.

Eu achava que se as pessoas não se afastassem de R. Kelly depois que a fita vazou, elas nunca se afastariam. No começo eu achava que ele era um predador e, sendo muito generosa, que ele tinha uma preferência por meninas. Mas é muito mais que isso. Ele construiu sistemas de abuso contra essas garotas.

Quando começamos a entrevistar as garotas, as novas informações eram esmagadoras. Eu não sabia que ele era fisicamente abusivo até começar o projeto. Eu não sabia o grau em que ele as controlava quando estava com elas. Para muitas pessoas, ver com os próprios olhos e ouvir da boca dos envolvidos é mais poderoso que ler sobre um assunto. Ver essas mulheres de diferentes eras, uma por uma, dando seus testemunhos. Elas não se conheciam. Lisa Van Allen tem 20 anos a mais que algumas das outras garotas. São vinte anos entre essas mulheres e elas ainda têm a mesma história de sofrer abuso sério nas mãos de R. Kelly.

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A primeira exibição foi cancelada por causa de uma ameaça de atentado anônima em Chicago. Ano passado, no podcast do Man Repeller, você disse: “Não tem nada que eu tenha medo demais de encarar”. O que te fez ainda querer contar essa história?
R. Kelly precisa saber que há mulheres que não têm medo dele, que não foram enfeitiçadas por ele, que não querem nada além de que ele enfrente as consequências e experimente alguma justiça. Essa justiça pode parecer muitas coisas. Também pode ser uma morte social.

Na exibição você fez um paralelo entre o caso de Bill Cosby e as alegações cercando R. Kelly. Que tipo de impacto você espera que o documentário tenha?
Fazendo esse tipo de trabalho, você faz com boa fé. Espero que haja ativistas e organizações preocupadas em dar os próximos passos, porque o documentário pode ser um gatilho para muitas pessoas.

Há diversos relatórios sobre meninas negras e altas taxas de abuso; estamos sofrendo em silêncio. Eu gostaria muito de ver alguma ação da comunidade para essa questão. Não muito diferente do que vimos com o Black Lives Matter, não muito diferente do que vimos com violência racial e terrorismo racial. Estamos falando aqui sobre um problema sistêmico que simplesmente ninguém discutia.

Lembro várias vezes em que nós [a comunidade negra] tentamos falar sobre isso. Tempos como quando saiu A Cor Púrpura, tanto o livro como o filme. Tempos como o de For Colored Girls Who Have Considered Suicide When the Rainbow is Enuf de Ntozoke Shange. O efeito colateral foi enorme. Essas mulheres, Ntozoke e Alice, sofreram uma morte social, em vez de abordarmos isso na nossa sociedade. Meu sonho é que a comunidade leve a sério o que está acontecendo com meninas e mulheres negras.

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Sua série tem participações de John Legend, Sparkle e Wendy Williams. Foi difícil conseguir que as pessoas usassem sua fama para falar publicamente contra R. Kelly?
Foi muito difícil. John Legend é o único músico no documentário além de Sparkle. Acredite em mim, pedimos para todo mundo participar. Pedimos a Dave Chappelle. Pedimos ao JAY-Z. Pedimos a Erykah Badu. Abordamos todas essas pessoas. Foram mais nãos que sins. John Legend foi incrivelmente corajoso. Sei que John e R. Kelly têm papéis muito diferentes na nossa comunidade em termos do que ouvimos. John é muito mais mainstream, mas John é um garoto negro do meio oeste, como R. Kelly, cuja mãe teve um problema com crack quando ele era criança. Não era como se ele não soubesse quem o R. Kelly é em termos do tipo de predador que temos na nossa comunidade.

Tem uma alegação em Surviving R. Kelly de que Aaliyah e Kelly fizeram sexo, o que resultou numa gravidez. O que Barry Hankerson, o tio de Aaliyah que apresentou os dois, disse quando você o abordou?
Ele não ficou feliz, e pediu que parássemos de ligar pra ele, o que eu entendo. Uma das coisas que descobri fazendo esse documentário é que Kelly não está apenas destruindo a vida dessas garotas, mas famílias também.

Em “Audacity”, sua introdução ao livro de Rebecca Walker Black Cool: One Thousand Streams of Blackness, você menciona que seu irmão e o amigo dele deixaram um grupo de garotos entrar na sua casa, que depois tentaram te atacar sexualmente. Esse documentário mostra que vários homens testemunharam o comportamento de R. Kelly, e teve até momentos em que pais apresentaram suas filhas para ele. Como desafiamos a cumplicidade?
Sempre desafiei os homens na minha vida. Sejam da minha família ou rappers famosos de quem as pessoas sabem que sou amiga. Quer eles tenham uma plataforma ou não, tenho sido aquela pessoa, mesmo arriscando relacionamentos pessoais. Você tem que entender que quando diz alguma coisa para alguém sobre o comportamento dela, você pode se ver fora de um círculo de amizade por um tempo.

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Lembro de Jay tocando “Supa Ugly” para mim e eu dizendo a ele que Carmen [Bryan] não era jogo justo. Aquele verso sobre “camisinhas no banco de trás” é ridículo. Lembro de dizer a Big que aquele verso sobre roubar joias de mulheres grávidas [“Gimme the Loot”] era passar dos limites. Eu e Biggie éramos próximos na época. Lembro de saber os detalhes sobre ele e suas namoradas e desafiar o cara de então 22 anos sobre o jeito como ele tratava mulheres. Às vezes o Jay dizia “Entendi seu ponto, mas vou fazer mesmo assim”. Aí, alguns anos depois, ele me disse “Você tinha razão”.

Não estou encorajando todas as mulheres a apontar o dedo pra todo mundo. As reações negativas disso são muito reais. Não é uma questão de ser amiga de celebridades. Talvez seja melhor abordar esses assuntos nos seus relacionamentos íntimos. O patriarcado e a misoginia são sistêmicos. O jeito como garotas negras experimentam essas coisas é muito diferente. Elas tem a proteção que o patriarcado supostamente deveria fornecer negada.

Uma coisa que ficou na minha cabeça é como tanto as sobreviventes quanto os colegas o consideram um gênio musical. Qual sua opinião sobre separar a arte do artista?
A primeira vez que lidei com essa questão foi quando Pearl Cleage escreveu um livro chamado Mad at Miles. Ela pedia que as pessoas parassem de ouvir Miles Davis depois que a autobiografia dele com Quincy Troupe foi lançada, onde ele falava sobre abusar de Cicely Tyson. Tentei parar de ouvir Miles Davis, mas aí me apaixonei e comecei a ouvir a música dele de novo.

Uma das coisas sobre R. Kelly, não muito diferente de Woody Allen, é que ele está se escondendo em plena vista. “It Seems Like You're Ready” e “Age Ain't Nothing But a Number” são ele basicamente se gabando de seu comportamento predatório em suas letras. Não tenho sido a melhor modelo disso, mas consegui parar de ouvir R. Kelly.

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Entrevista originalmente publicada no Noisey US.

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