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Opinião

E-Toupeira. "Águias" à procura da sorte dos "dragões"

Este processo vai cair em saco roto? Difícil de prever. Uma coisa é certa, comparativamente ao tempo do "Apito Dourado", a Justiça está mais eficiente e menos condescendente.
Os benfiquistas preferiam que os problemas judiciais pertencessem ao reino da fantasia. Isto já ultrapassa a mera fumaça. (A oitava temporada da série "Game of Thrones", com Emilia Clarke, chega em 2019. Foto cortesia Warner Bros. Television Distribution)

O entendimento de quem observa o futebol nacional, sem ficar toldado pela frequente clubite, é a existência de um nível altíssimo de artimanhas para ganhar a qualquer custo. Das divisões secundárias à primeira Liga, a tentativa de influenciar resultados através de esquemas ilegais (há até estórias de corrupção com a oferta de garrafas de vinho), está inerente à pouquíssima cultura desportiva. Gosta-se mais do clube do que da modalidade em si. Agora, é a Benfica SAD acusada de trinta crimes no caso "E-Toupeira". Vinte e oito no âmbito informático, um de corrupção activa e outro de pagamento indevido de vantagens.

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Na cabeça dos acérrimos adeptos encarnados, há dúvidas de que o processo resulte em penas efectivas. Contudo, como a qualidade da Justiça é hoje diferente daquela que existia nos dias do "Apito Dourado", o receio de sanções no campo desportivo aumenta consideravelmente. Em consequência dos recentes acontecimentos, a Federação Portuguesa de Futebol resolveu abrir um inquérito. Para já, caiu um anátema sobre a instituição e o sucedido é reportado na imprensa estrangeira.

A diminuta credibilidade de Vieira

O desenrolar de escândalos à volta do Benfica tem sido ao ritmo de um TGV. A resposta da Comunicação do clube tem sido feita a cavalo. Lenta, inócua e com erros estratégicos. (Filme "Michael Clayton", 2007, com George Clooney. Foto cortesia Warner Bros.)

O Benfica está metido num imbróglio que parecia somente relacionado com a justiça comum. Alegadamente, o assessor jurídico, Paulo Gonçalves, pediu a oficiais judiciais (um deles, José Augusto Silva, preso há seis meses) para espiarem no sistema Citius vinte e seis processos, entre os quais, aqueles que envolviam as "águias" - antecipando eventuais buscas - e os dois maiores rivais. Utilizando a base de dados da Segurança Social, também houve nove personalidades ligadas à arbitragem vigiadas, com alegada intenção de extrair informação para os pressionar.

Ao estarem explícitos no "E-Toupeira" acessos a assuntos ligados ao futebol e por haver suspeitas de vantagens indevidas dadas a Júlio Loureiro - que desempenha funções nos tribunais e é ex-observador de árbitros -, ganha maior probabilidade de ser deduzida uma possível acusação na área desportiva. Entre as penas acessórias, o Ministério Público pede a inibição de participar em competições profissionais entre seis meses a três anos.

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Com estes indícios (solidificados por escutas telefónicas, mensagens electrónicas e vigilância presencial), a credibilidade do Vieirismo sofre um enorme rombo. Quando a SAD não se distanciou de Paulo "silêncio ensurdecedor" Gonçalves, desde que foi detido por uma noite e constituído arguido pela segunda vez (depois do caso dos e-mails), parte da massa associativa ficou incrédula. Pior deve ter ficado quando, segundo a acusação da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, Luís Filipe Vieira estaria a par das ofertas e teria autorizado as acções de um dos seus homens de confiança - Gonçalves foi antigo empregado do Porto e do Boavista e está acusado de 79 crimes. Afirmar que este actuava por conta própria é pouco crível, tendo em conta os regimes totalmente presidencialistas nos três históricos emblemas.


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No terreno do ridículo e da saloiada, estão as contrapartidas recebidas pelos oficiais de justiça para serem pretensamente corrompidos. O despacho menciona camisolas do SLB, bilhetes/convites para jogos, acesso a zonas vip no Estádio (com free food & drinks) ou a promessa de um "tacho" para o sobrinho de José Silva, no Museu Cosme Damião. Seja como for, parece que há quem corra o risco de perder o emprego e a dignidade por meia dúzia de tostões ("paixão clubística a quanto obrigas"…). Ou nem por isso. Na TVI, somando todas as prendas, o comentador Rui Pedro Braz fala em milhares de euros.

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O "E-Toupeira" está longe de ter condenações, mas pode ser a ponta do iceberg num tornado de evidências que está desgraçar a imagem do Benfica e, em última instância, levar o clube para a Segunda Liga (por mais que o comum dos cidadãos ache impossível). Ainda falta ver os resultados da Mala Ciao, dos famigerados e-mails e o processo que contempla fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Ultimamente, vendo o tamanho de casos judiciais marcantes em Portugal, dá impressão que os detentores da opulência fazem orelhas moucas desde o aprisionamento de um antigo primeiro-ministro. "Gente, isto de fazer trinta por uma linha, como se ainda estivessem nos anos 90, já era!", podia ser clamado num megafone. Com a provável saída de Joana Marques Vidal, como Procuradora-Geral da República, podemos ter de meter o megafone no saco. É triste se ela for dispensada.

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Alguns dirigentes dos crónicos candidatos ao título, têm agido de forma semelhante para vencer de maneira ilegítima. (Filme "Social Network", 2010, com Armie Hammer a desempenhar os gémeos Winklevoss. Foto cortesia Columbia Pictures)

Nos primeiros anos deste milénio, o FC Porto sofreu as consequências na praça pública por ter aliciado árbitros, usando entre outros meios, prostitutas (denominadas de "fruta"). As escutas do "Apito Dourado" foram parar às redes sociais e, dentro da normalidade expectável neste país, os habituais "inimigos" aproveitaram-se do escândalo para o humilhar. Neste ponto, é cómico ver o antigo atleta, José Calado, na CMTV, a ficar chocado com o "enxovalho" de que o Benfica está a ser alvo. Incrível.

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Apesar da troça por parte de terceiros, a questão dos danos na equipa principal era a preocupação central para os fãs. Não entrando em pormenores jurídicos, a percepção foi do Porto ter sido protegido de sentenças piores. No plano desportivo, o seu presidente esteve impedido de exercer por dois anos (e o pagamento de 10 mil euros), a SAD azul multada com 150 mil euros e a perda de seis pontos no campeonato 2003/2004, em que tinha vencido por larga vantagem (em 2017, a Federação anulou estes castigos, após a justiça civil ter decidido na mesma direcção). Como nestas coisas os "pequenos" servem de bode expiatório, o Boavista acabou por descer de Divisão. Posteriormente, foram revistos os factos e os axadrezados voltaram a jogar na Primeira.

Impõem-se duas questões. Na década passada, houve figuras dentro da justiça civil e desportiva - ou com influência nas mesmas - que deram uma grande "mãozinha" aos "dragões"? A visita de Pinto da Costa a José Sócrates, à prisão de Évora, em 2014, significou gratidão por uma suposta "ajuda" dada pelo primeiro-ministro, à altura dos Verões Quentes do "Apito Dourado"? Como a política é promíscua com os três grandes, nunca se sabe.

Do outro lado da segunda circular, os sportinguistas não têm motivos para se auto-elogiarem como "perfeitos transparentes". Além da Operação Cashball, onde André Geraldes é arguido - à data era o braço direito de Bruno de Carvalho -, os "leões" safaram-se de boa quando não foram implicados desportivamente por actos ilegais do antigo vice-presidente, Paulo Pereira Cristovão. Em 2016, o dirigente foi condenado a quatro anos e meio de pena suspensa, por dois crimes de peculato no âmbito de um caso em que tentou incriminar o árbitro José Cardinal. Como podes ver, mudam-se as cores, mas a mentalidade de muita gente no futebol tem um fio condutor deveras idêntico. Para ganhar, os fins justificam os meios ilícitos. Que pobreza de espírito.


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