Dentro da comuna na floresta onde jovens vivem em 'anarquia'
Rafa Para mora em Poole's Land há quatro meses. Todas as fotos pela autora. 

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Dentro da comuna na floresta onde jovens vivem em 'anarquia'

“Essa comuna te deixa morar de graça e te paga em drogas.”

Essa matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá.

Para os habitantes de Poole's Land, até cagar é um ato de rebelião.

A propriedade de 17 acres, localizada numa floresta na comunidade à beira mar de Tofino, Colúmbia Britânica, Canadá, não está ligada ao sistema de saneamento básico da área desde que abriu em 1988. Em vez disso, os moradores, aproximadamente 100 no momento, usam fossas sépticas.

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A entrada de Poole's Land.

Isso significa que eles se aliviam em privadas cheias de cedro que, segundo o gerente de Poole's Land, Michael Goodliffe, 47 anos, desinfeta tudo. Quando pergunto o que eles fazem depois que um banheiro fica cheio, ele diz "pá". "Você não fica com nojo?", insisto, ao que ele responde "o que me dá nojo é jogar esgoto sem tratamento no oceano" – se referindo ao que o resto dos moradores da cidade faz. Ele continua me contando uma anedota sobre um dos moradores que acrescentou uma certa cerimônia à limpeza das fossas, usando um terno com gravata e cartola enquanto realizava a tarefa chata.

Regras para entrar. Mas com certeza tinha bebidas no local.

Basta dizer que o pessoal de Poole's Land não dá muita bola para convenções. Na verdade, parece que eles jogaram as convenções, ideais capitalistas e, até certo ponto, a higiene, numa das grandes fogueiras que fazem à noite, e não se arrependem.

Agora você deve estar imaginando: o que exatamente é Poole's Land?

Fiquei sabendo do lugar pela manchete: "Essa comuna em BC te deixa morar de graça e te paga em drogas". A matéria retratava Poole's Land como uma ecovila onde as pessoas moravam em troca de realizar trabalhos no local, ou eram pagas em cogumelos psicodélicos.

Passei um dia lá tentando descobrir se é esse mesmo o caso, e resumindo, a resposta depende de para quem você fizer a pergunta. Todo mundo que conheci disse que os moradores não são mais pagos em cogumelos, o que aparentemente desaponta vários recém-chegados que leram a mesma matéria que eu. Por US$ 10 por noite, Poole's Land é um lugar barato para viajantes que passam por Tofino em viagens de surfe e jovens que trabalham na cidade durante a temporada de verão. Mas outros moram ali há anos e veem o lugar como seu lar e seus moradores como família. Poole's Land também tende a atrair pessoas marginalizadas, pobres ou com problemas mentais.

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Michael Goofliffe é um gerente de Poole's Land.

Caras como Goodliffe, que moram em Poole's há décadas, se ressentem da caracterização de seu pedaço secreto do paraíso como uma "comuna de drogas", apesar das drogas fazerem mesmo parte da cultura. Quase todo mundo que encontrei estava bolando um baseado ou usando um bong. Enquanto estava lá, fiz um passeio por um pequeno jardim de ganja e testemunhei pessoas comendo cogumelos e viajando de LSD e MDMA. Uma francesa me diz que vai tentar fazer malabares com fogo – o que parece algo arriscado mesmo nos melhores momentos – depois menciona casualmente que acabou de tomar um ácido. A vibe é parecida com de um hostel de férias que por acaso fica numa floresta. Mas tem mais que isso; parece que as pessoas estão aqui para se libertarem da monotonia de uma vida "de casa para o trabalho, do trabalho pra casa", se assentar, arrumar um trabalho de tempo integral, comprar uma propriedade. Como uma das moradoras, uma ex-sous chef de 24 anos chamada Cheyanne, coloca: "isso aqui não é um monte de hippies doidos chapados, é um monte de gente fodida se ajudando". Eles curtem chapar, ela acrescenta, "não com drogas, mas com a vida".

Cheyanne e Thomas Jackson no jardim de ganja.

Adquirida em 1988 por Michael Poole, um hippie apaixonado por alucinógenos, pela soma absurdamente pequena de US$ 50 mil, a terra e sua floresta são lindas em si. Há cedros, abetos antigos, lagos, além de ursos e pumas, me dizem, com trilhas e passarelas serpenteando por entre as árvores. Passeando por aqui, tentando não tropeçar nas raízes ou tábuas de madeira soltas, vejo uma mistura de abrigos improvisados, incluindo barracas, trailers, pequenas cabanas de madeira, casas nas árvores e vans personalizadas. Os moradores também compartilham uma cozinha, usando vegetais do próprio jardim para fazer as refeições da noite. A cozinha também é o único lugar com um sinal decente de celular.

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A cozinha.

Apesar da paisagem bonita, não pude deixar de notar que o acampamento não é exatamente imaculado. Há uma boa quantidade de lixo, recicláveis e bitucas de cigarro espalhados pelo chão, e as pessoas cheiram… de uma maneira bem natural. Cruzei com uma toalha pendurada num varal coberta de manchas marrons. Me dizem que há um chuveiro quente aqui que poucas pessoas usam.

"Não tomo banho há dois anos, uso apenas o mar", diz Hubert, um surfista de 23 anos com dreads descoloridos. Hubert se mudou para Poole's sete meses atrás, mas mora numa van há três anos. Ele dorme numa pequena cabana de madeira com seu labrador preto e atualmente está no processo de fazer pranchas de surfe para vender, então Poole's o está ajudando a montar sua oficina.

Hubert.

Sem nem piscar, Hubert, Goodliffe e outros caras apontam o lago marrom atrás deles e me dizem que bebem dele e o usam para tomar banho também. (A cor se deve aos troncos e galhos de cedro morto no fundo.)

"Fora o visual e uma cobertura de limo, é limpo como água da chuva", diz Josh Pawton, 23 anos, um neozelandês que é relativamente novo em Poole's, enquanto alguém acrescenta "ninguém teve diarreia ainda".

Matt, um rapaz moreno de 20 poucos anos e uma personalidade animada contagiante, descreve Poole's como "anarquia", o que ele parece achar ser sua melhor e pior qualidade.

"É a linha tênue entre tudo é permitido e ter algum senso de direção."

Matt perto o lago de onde ele diz beber.

Ele diz que o lugar é uma zona livre de julgamentos, e como para provar seu ponto, relembra um encontro com uma mulher que achava que podia controlar o clima com a mente; uma pessoa que acreditava ter contatos intergalácticos; e um cara que dizia que trabalhava para o Anonymous, e que deixou com Matt seu passaporte e um monte de equipamentos de câmera caros.

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Mas mesmo parecendo uma fantasia hippie, Poole's não tem uma reputação muito boa na cidade.

Alguns anos atrás, o lugar supostamente era o lar do astro viral Kai, o caroneiro da machadinha, AKA Caleb Lawrence McGillvary, que mais tarde foi acusado de assassinato.

"O ônibus mágico."

"Muitas vezes, se você diz para seu chefe que mora em Poole's Land, já era. Por causa da higiene, se você serve comida e eles descobrem que você mora na floresta…", diz um cara de 25 anos chamado Adam. Muita gente repete um mantra aparentemente conhecido que diz algo como "se sua bicicleta sumiu, você encontra em Poole's Land".

Quanto a drogas, Goodliffe, que cresceu numa comuna em Manitoba, me diz que Poole's não é uma parada para traficantes. Quando pergunto por que ele quer tanto mudar essa reputação, ele diz "isso mina a integridade do lugar. O mandamento aqui e manter as pessoas seguras, não vender drogas". (Há kits de naloxona para overdose no local.)

Goodliffe diz que já expulsou pessoas por trazerem cocaína para as instalações e até por dar alucinógenos para pessoas com problemas mentais, o que ele acha perigoso.

"Cresci com um pai que usou LSD a vida inteira. Já vi os efeitos a longo prazo. Isso causa doenças mentais."

Maddy Termer, 19 anos, mora em sua van.

Ele acha que Poole's é uma escolha natural para pessoas com problemas mentais porque elas são aceitas aqui e podem pagar.

"Elas não têm dinheiro e estão procurando por uma comunidade", ele diz, apontando que um dos residentes sofre de paranoia esquizofrênica.

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Pergunto a Goodliffe se ele acha estranho morar com um bando de gente de 20 e poucos anos, mas ele parece pensar que estaria mais deslocado num cenário tradicional.

"Gente da minha idade quer ter uma caminhonete, morar numa casa e trabalhar das 9 às 18h. Essa não é a minha gente", ele diz. "Quando as pessoas se trancam em pequenas caixas nas cidades, elas se sentem isoladas."

Claro, nem todo mundo está em Poole's Land indefinidamente. Thomas Jackson, um moço de 23 anos com cara de bebê vindo de London, Ontário, está aqui há apenas três semanas e já planeja sair. (Ele admite que os banheiros são muito toscos para o seu gosto.)

Fogueira.

Naturalmente, para alguém de sua idade, Jackson diz que o que torna Poole's Land realmente especial é o fato de que ele não consegue sinal do celular aqui. "Isso te faz voltar 10 anos. As pessoas conversam umas com as outras aqui", ele diz.

Ele me guia pela floresta até uma casa na árvore chamada "a Pirâmide", quando para e diz "a coisa de estar fora da rede, ou da vida de hippie, é que no final das contas você ainda vai ficar velho. As pessoas ainda têm estresse em suas vidas. Você não vai escapar".

Talvez não, mas Poole's Land parece o lugar perfeito para tentar.

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