Música

O que os produtores musicais acham da redução de volume do Spotify

Você já deve ter visto ali nos nossos vizinhos do Motherboard que o Spotify reduziu o índice de loudness de sua plataforma para padronizar o som que se ouve por lá. Além das implicações econômicas e dos efeitos para a saúde auditiva dos seus clientes, a mudança levantou a bola para um debate sobre o presente e o futuro da produção musical.

Assim, resolvemos levar esse papo de volta para a galera que está do outro lado da cadeia produtiva da sonzeira, os produtores musicais e engenheiros de som do mundão afora. Trocamos uma ideia com gente do underground ao mainstream, passando por diversos estilos, do rock ao sertanejo, e do rap ao eletrônico. A maioria celebra a mudança e admite que os artistas nem fazem ideia do que o loudness representa. Mas, há também quem valorize a possibilidade de continuar fazendo som altão. Confira abaixo como foram os papos.

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Dudu Marote: “Não vou julgar o som altão”

Produziu a primeira coletânea de hip hop do Brasil. Um dos principais produtores do pop anos 90 do Brasil, com Jota Quest, Skank, Pato Fu e MUITOS outros no currículo. Também é um dos principais difusores da música eletrônica no país.

Noisey: Essa história de loudness é importante para você?
Dudu Marote: Musicalmente falando, isso não quer dizer muita coisa. Há músicas que você mixa e masteriza para dar mais dinâmica e outras para dar menos dinâmica. No atual momento, as coisas não estão sendo mixadas e masterizadas apenas para saltar. Isso tem outro motivo: é para você poder ouvir melhor no falante do seu celular. Para isso, as músicas estão sendo mixadas e masterizadas com muita super alta frequência — isso significa, todas as frequências que o vinil ignorava e que hoje estão exacerbadas. Isso não é nem uma tendência. É apenas a situação atual da música pop em 2017, 90% das coisas, eu diria, são feitas dessa maneira. Isso acontece porque muita gente ouve música no celular, então ela precisa soar bem nesses aparelhos. Agora, tu já foi num fluxo, mano? Hoje, estamos com uma adolescência funk. Então, a música é alta porque a música do fluxo é alta.

Mas música alta é algo bom ou ruim?
Quem sou eu para julgar o que as pessoas querem fazer para se divertir? Desde quando eu vou poder ter o poder para julgar a diversão dos outros. Isso é um grande equívoco. Se a pessoa para se divertir gosta de pescar, quem sou para dizer se isso é bom ou ruim?

Mas do ponto de vista da produção musical, é bom ou ruim? Muita gente afirma que a música alta é pouco dinâmica.
Por que pouco dinâmica? O que é drop? É a coisa mais básica dos dias atuais, quando você tira tudo e fica aquele momento em suspensão. O drop é dinâmico pra caramba! Eu não aceito rótulos. Tudo o que é lugar é comum não é comigo.

E o lance das super compressões?
Mas isso é estética, não é técnica. Muitos dos caras que dizem que a música de hoje é pouco dinâmica não saem na noite. Vai ver que são velhos que ficam em casa reclamando. Esse assunto é velho. Fiz uma entrevista sobre isso há uns 10 anos atrás. Esse assunto não existe. As pessoas não estão preocupadas com isso. Elas estão preocupadas em se divertir — 99% dos brasileiros está fudido e eles só querem se divertir. Se a música for alta ou baixa, tá tudo certo! O importante é que eu possa me divertir. Cada um faz a música que quer, do jeito que quer. Para mim, dizer que a música tem pouca dinâmica ou muita dinâmica é o mesmo que dizer que o punk é ruim porque só tem três acordes.

Então, você não se importa se alguém chega no seu estúdio pedindo música alta…
Depende da música que eu estou produzindo. Tem músicas que eu produzo que são super altas. Tem outras que não vão precisar ser tão altas. Essa escolha é estética. Se eu quero tocar no fluxo, como eu vou fazer? Se você vai fazer uma música para dançar, ela tem que caber no set dos DJs. Ou que não caiba e você seja um novo set.

O que você acha do padrão adotado pelo Spotify?
O Spotify faz o que quiser. Quem sou para dizer se é bom ou ruim. Cada faz as suas escolhas e vai pagar ou se beneficiar delas. O metro é um padrão. O quilo é um padrão. Então, adotar um padrão não tem problema nenhum. Mesmo dentro do padrão você soa mais alto ou mais baixo sem ferir o padrão. O bom do padrão é que ele indica qual será o normal ali.

O padrão do Spotify pode acabar afetando a maneira como as pessoas produzem música?
Com o padrão, você já sabe onde é o “volume 10”. Se você conseguir botar volume 13 dentro do volume 10, pode ser uma escolha estética. Trabalhar no volume 5 é uma escolha estética também. A arte de fazer a música sempre tem um mistério. Mesmo a música pop, hiper comercial, também tem um mistério. Se não tivesse o mistério, qualquer um conseguiria fazer. Como o Alok, que é um DJ popular há bastante tempo, vinha fazendo músicas boas mas só estourou quando juntou com o Bruno Martini e com o Zeeba? Porque essa fórmula dos três juntos deu certo. Esse é o mistério. Nem eles sabem porque deu certo. Esse mistério vai continuar independentemente do padrão. Tem produtores que vão seguir o padrão e outros não. Cabe aos engenheiros de masterização sempre procurar se adaptar ao padrão. É muito relativo dizer que vai existir uma regra porque a vontade das pessoas cada dia é uma.

Luiz Café: “Fiquei emocionado com a mudança do Spotify”

Se você ouviu rap brasileiro nos últimos dez anos, certamente trombou com algum trabalho envolvendo o produtor e engenheiro de som, de Marechal à Don L e Emicida.

Quando você está fazendo o seu trampo, o índice de loudness é importante?
Luiz Café: Na verdade, é o contrário. Isso importa mesmo para gravadoras e artistas porque eles fazem questão de ter a parada bem alta para tocar ao lado de outros artistas. Mas, com isso, você acaba perdendo um pouco da música. Trabalho com algumas pessoas que não adianta fala para eles “essa música vai perder algo essencial, vai perder energia, vai perder vibração. Vamos deixá-la no limite, onde ela acontece. Se deixar muito comprimido, muito alto, vai ser difícil até da gente balançar”. E eles [os artistas] dizem: “Não, não. Taca-lhe alto!”. Às vezes, a gente acaba sem recurso. Se não fizer o que o cliente pede… Alguma coerência acaba perdendo. Quem trabalha com áudio não gosta de som alto. Nenhum engenheiro de master que eu conheço gosta disso.

A gravadora ou o artista que pede o som alto tem consciência de onde isso vai tocar, tipo streaming, MP3 ou CD? Ou é só o som alto que importa?
Eles não falam exatamente “quero que soe alto porque vai tocar em tal lugar”. Eles quase que não entendem isso. Eles acreditam que se o som tá tocando um pouco mais baixo é porque tá faltando alguma coisa para soar profissional ou soar grandioso. Acho que isso é um pouco de ignorância nessa área.

De certa forma, eu consigo entender artistas underground querendo soar “alto” como as suas referências gringas. Essa angústia existe também no povo do mainstream e nas grandes gravadoras?
Na maioria dessas pessoas, para não dizer em todas elas. Eles querem o som alto e não adianta falar o contrário. Em música pop, por exemplo, eu já faço pensando nisso. Não é na master que eu tomo essa decisão. Começando a mixar a bateria, eu já faço pensando no volume alto. Na mix, você já tem o recurso de comprimir os elementos que precisam ser comprimidos. No baixo, se você quer um resultado mais alto, você já tem que usar o compressor para que o grave apareça mais alto. O que acontece é que, às vezes, as pessoas chegam aqui com uma mixagem com pouca compressão e pedindo “pressão no som”. Dessa forma, você acaba estragando a música, porque a mixagem tá dizendo que ela tem que respirar. Pô, comprime a bateria na mixagem e dê uma polida na master! A master não é necessariamente para dar volume. Dependendo do estilo, ela serve para deixar o som balanceado e para recuperar alguns elementos.

Os artistas já pedem mix ou master para plataformas diferentes?
A maioria dos trabalhos é assim: “preciso disso para ontem”. Então, não dá muito para pensar. Tem que fazer e entregar o trabalho da formas que eles pedem. Quando já é um artista de casa, conhecido, eu ofereço master para cada tipo de serviço. Quando é gravadora ou artista novo, acabo não oferecendo e eles acabam não pedindo. Quando rola tempo, eu coloco na mesa várias possibilidades. Mas, na maioria das vezes, não há tempo. A gravadora vem, pede um padrão de “tal música”, e você tem que fazer isso. Às vezes, eu sinto que não chegou nem no volume pedido, estou sentindo que já está desagradável, e aviso. Eles dizem: “não, tá bom!”. Acabou virando um padrão de música alta.

O que você achou do padrão adotado pelo Spotify?
Fiquei emocionado! Que maneiro! Muitas vezes, esse jogo tá na mão de quem não entende. Se um engenheiro de master, ou alguém do tipo, tivesse no controle de distribuir o material, acho que seria diferente. Com esse padrão, as pessoas que não entendem vão respeitar e ficar seguras. Sem o padrão, com cada um por si, acaba que o seguro é o som mais próximo do que está mais tocado, independentemente se é alto ou baixo. Acho legal ter um padrão para a gente poder ouvir uma música melhor, tá ligado? Eu tenho escutado muita gente que anda num volume bom, tipo Kendrick Lamar. Ele poderia ter músicas altas, mas não faz. As músicas dele ficam num volume maneiro. O último disco do Dr. Dre também tá bom. Ele veio com essa onda de querer som altão, mas nesse último disco ele veio com o volume lá embaixo. Os caras que estão no topo estão se conscientizando disso. Acredito que isso tem origem no próprio streaming.

Nos trampos da galera “pra ontem”, você chega a observar os LUFS? Você usa essa medida para se guiar em relação ao loudness?
Na masterização é bastante importante você ter isso como monitor, mas não como parâmetro. Música é emocional. Você não ouve música, você sente. Tanto na mixagem quanto na masterização, você tem que sentir. Uma mixagem com bastante dinâmica, mesmo com volume baixo, pode soar grandiosa, porque você sente a música vibrando. A música muito comprimida dá um desconforto.

Quando um artista chegar agora no seu estúdio pedindo som altão, você vai avisar do padrão do Spotify? Isso vai ajudar na sua argumentação?
Depois um certo ponto você cansa de repetir as mesmas coisas. Então você acaba se adaptando para uma resposta mais objetiva. O meu caminho é “A ou B”. Eu mostro “esse é o volume ideal e esse é o volume que você quer”. E você escolhe. É isso.

Márcio Arantes: “Há um limite para que a música continue soando legal”

Graduado em contrabaixo em 2001, tocou com Tulipa Ruiz, Vanessa da Mata e Nando Reis. Seu trampo como produtor envolve nomes como Maria Bethânia, Tulipa Ruiz e Liniker.

O loudness é importante para o seu trabalho?
Para a produção de música não. Nela, a gente tem um critério estético para o jeito que você vai comprimir na hora da masterização. Isso depende do estilo que você tá produzindo. No pop, no hip hop e até em algumas coisas do rock, a gente aperta mais. Eles têm essa característica de soar um pouco mais alto, mas não chegamos a fazer isso por LUFS. Você vai por LUFS quando mais em finalização para TV. E essa é uma norma recente, de 2014 pra cá. Em música, você vê as coisas ainda em RMS.

As gravadoras e artistas normalmente pedem música alta?
Pedem sim. Existe uma situação na qual o artista pega a master dele, ou até em estágios anteriores, e ele compara com outros artistas. Ele pega lá um disco já finalizado e compara com o trabalho dele e percebe que não está soando tão alto. Então acaba existindo o pedido. É daí que vem essa treta toda porque a coisa foi ficando cada vez mais alta.

Você tem que fazer papel de psicólogo para acalmar artistas aflitos com o volume do trabalho?
Sim, já tive que fazer esse papel com o artista diretamente, mas acho que a coisa está ficando mais tranquila. A medida que você vai ganhando nome no meio, as pessoas vão confiando mais. E também não tenho uma cartela de artistas tão pop a ponto de ter essa coisa tão gritante. Esteticamente, eu já busco fazer mais comprimido em músicas mais pop. Mas tem um limite para que isso continue soando legal. E o papel do produtor em 40% do tempo é psicólogo.

Os LUFS podem mudar a maneira como é feita a produção musical?
Sem dúvidas. Chegamos num ponto onde temos dois extremos. Antes, tínhamos os poucos que consumiam vinil, muitos ouviam CD e alguns ouviam MP3. Depois, o número de quem ouve MP3 aumentou e diminuiu quem ouve CD. E hoje, tem pouquíssima gente ouvindo CDs e tem um consumo maior de vinil. No que diz respeito à finalização de um disco, isso naturalmente vai virar um critério. A gente vai acabar voltando para um estágio em que não se apertava tanto a compressão para deixar uma margem maior para que tudo soe bem. A referência vai ser o vinil e o digital das plataformas.

Você faz diferentes masters para diferentes plataformas?
Faço uma para digital, incluindo CD e streaming, e uma para vinil. A master para vinil tem uma amostragem de estéreo um pouco mais fechada. Não é tão grande quanto no digital. Você tem que segurar as frequências graves e as frequências agudas. Rola uma diminuição nas altas e nas baixas senão o sistema não aguenta. A agulha pula. Isso não afeta tanto na audição. É quase unânime entre os técnicos que a versão de vinil sempre é melhor do que a digital.

Qual é a sua opinião sobre a medida do Spotify?
Acho ótima! É uma ótima saída para que a gente consiga um resultado mais artístico, tecnicamente melhor. Eu espero que isso não afete o som como uma ferramenta de compressão, porque se isso acontecesse, eu acharia invasivo, como acontecia alguns anos atrás com o rádio. Mas acho legal padronizar tudo.

Mesmo que isso exija que a música pop seja mais baixa?
Acho legal sim. A música pop tem uma linguagem com compressão maior e com menos variação dinâmica, que eu gosto. O pop precisa ter uma pressão maior. Mas, realmente ficou uma briga muito pesada. Dá para baixar alguns degraus e ainda continuar mantendo as estéticas.

Nave Beats: “Criamos uma geração acostumada com som alto”

O Nave simplesmente ganhou um Grammy Latino pela produção de “Desabafo”, do Marcelo D2. Trampa com MUITA gente boa e faz MUITO disco foda de rap e congêneres.

Esse papo de loudness é importante para você?
O lance de deixar a música mais alta não me importa. Eu sou adepto da ideia de que se você quer ouvir mais alto, você aumenta o volume do seu aparelho de som. Antes de qualquer coisa, a música precisa soar bem. Se você quer uma música super alta, tente botar naturalmente. É mais fácil você fazer uma música que não tenha quase nada, minimalista o bastante para ela ser alta o bastante sozinha. Se você vai colocar bateria, baixo, guitarra, quarteto de cordas, voz e coro, essa música precisa de dinâmica. Então, isso varia muito do tipo de música que você tá produzindo.

A cultura da música alta já criou uma geração acostumada a produzir e a consumir música alta?
Sim! Você vai numa rave e o cara fica na frente da caixa de som. Óbvio que tem todo o lance do efeito das drogas rolando, mas há uma geração aí acostumada com som alto. Você vê o funk, o rap… Se a parada não tiver “pressão”, já soa meio estranho. Uma frase que eu ouço muito é “tá sem pressão”. E a pressão vem da compressão. O exemplo mais absurdo é o XXXTentacion. O primeiro hit dele que bombou no SoundCloud é uma música chamada “Look at Me!” e essa música é um show bizarro de compressão. Talvez, essa música não fizesse sentido se não fosse desse jeito. Ela é totalmente distorcida. E é um cara de 17, 18 anos fazendo esse som. Então, querendo remediar ou não o mal da parada, já tem uma geração inteira influenciada a ouvir e fazer música desse jeito, principalmente com esse lance de fazer música em laptop.

Quando a galera chega para você com a ideia de fazer som alto, você tenta argumentar contra?
O que eu falo para a molecada é “se você quer mais alto, vai no estúdio do cara mais foda e paga”. Tem coisas que você não vai conseguir num computador ou coisa do tipo. Para soar alto e agradável, a música precisa ser muito bem mixada.

Qual é a resposta dos artistas depois que você explica os aspectos negativos do som alto? Eles entendem ou é tipo “foda-se”?
No geral, é um foda-se. O público geral, que ouve no celular, tá cagando se aquilo foi gravado num Neumann 187 ou num Shure SM58. O público quer ouvir música. Veja o funk, que tem música não tão bem gravadas. Esse lance romântico do som, a massa não compartilha muito. Isso é mais a gente, que vive de música.

Existe diferença entre os compressores digitais que muita gente usa, tipo o Ozone, e aqueles usados em estúdios milionários?
Para estilos de música que não são de origem eletrônica, acho que faz uma diferença absurda. Mas isso faz diferença quando você trabalha com um engenheiro de som especializado em masterização, um cara que já sabe onde e como encontrar os erros. É o que eu aconselho, se a pessoa tiver grana, obviamente: trabalhe com um engenheiro de som experiente.

O que você achou da medida do Spotify de adotar um padrão de loudness?
Gostei pra caralho! Eu não gosto de ouvir música alta. Quando vou num show, eu não tento ficar perto do palco para conseguir ouvir. Se o Spotify está colocando um padrão em tudo, acho isso lindo. Se você colocar numa playlist aleatória com 30 artistas diferentes nivelados, eu agradeço.

Você acha que isso vai influenciar a maneira como se produz música?
Para alguns artistas, isso talvez se torne um parâmetro — um nível de qualidade que é preciso atingir a partir de agora. Mas, em compensação, tem todo esse lance de uma geração inteira criada ouvindo música alta. De repente, o Spotify pode ser a ponta de um iceberg. Acredito que de alguma maneira isso vai impactar a música que algumas pessoas fazem. Talvez, com a velocidade que a informação tem circulado, a gente veja os resultados disso antes do que a gente imagina. Vejo isso com bons olhos e o meu ouvido agradece.

Pedro Luce: “Os artistas ainda não conhecem esse assunto”

Guitarrista da banda paulistana Cupin, Luce é um dos produtoras da Freak, produtora e selo que já lançou trabalhos das bandas Mel Azul, Garotas Suecas e Raça.

Na produção de trabalhos musicais, você presta atenção nos LUFS?
Numa mix musical, às vezes eu jogo no medidor para ter uma ideia de em quanto tá batendo, mas não tem nenhum requerimento e a gente geralmente não pauta a produção artística de acordo com os LUFS. Só me atento mais a isso quando o trampo é para TV.

Existe a preocupação de como os trampos vão soar em plataformas de streaming diferentes?
Com certeza! As plataformas variam, mas o som é o mesmo. É o mesmo arquivo que vai para todas. Então, ele vai soar igual em todas. Mas a gente não faz masterização dos discos aqui. A gente trabalha com dois ou três engenheiros de master diferentes.

Os artistas que chegam até vocês demonstram preocupação ou conhecimento de loudness e assuntos relacionados?
Ainda não. Isso é um assunto muito novo. Até 2013, isso praticamente não existia como um padrão de mercado. Agora é que tá chegando um pouco mais do pessoal da produção de filmes, mas da produção artística nada.

Mas os artistas que chegam até você pedem os discos com volume altão?
Posso dar meu próprio depoimento de quanto eu enchi o saco do Felipe Tichauer no disco da minha banda [Cupin], lançado em outubro do ano passado. A gente mandou para a master em fevereiro e lançou só em outubro. Quando ele mandou, achei bem legal. Mas daí quando comparei com o disco de outra banda, achei bem mais baixo. E pedi para ele aumentar mais. Ele falou, “olha, eu não gosto de apertar muito”. Eu pedi para que ele apertasse mesmo assim, porque o disco não podia fazer feio. No final, ele apertou pra caralho a contragosto. Ele disse, “não tô curtindo, mas tá aqui o que você pediu”.

O padrão do Spotify dá uma ajuda para os artistas independentes?
Não é bem uma ajuda, mas dá uma liberdade para você mixar e masterizar o som do jeito que você quiser e não com tudo lá em cima. Muitos dos artistas independentes que nem se preocupam com isso acabarão beneficiados. O som deles vai soar mais normal em relação aos outros. Mas isso também é relativo. Muitos artistas mixam e masterizam em casa, e não mandam para um masterizador. Na maioria dos casos, os trampos indie são masterizados com o Ozone, que já tem uns presets que jogam o som lá em cima. Às vezes, uma master feita em home studio vai soar mais alta do que uma feita por um masterizador responsável.

Então, no final das contas, o target do Spotify é bom ou ruim?
Acho que é bom porque tira o peso de ser obrigado a ser o mais alto. Pode mixar procurando o melhor equilíbrio e não o máximo.

Rodrigo Guess: “O sertanejo tem muito potencial para ser dinâmico”

No rolê desde 2005, Guess é parça do produtor Dudu Borges e trampou como engenheiro de mixagem e masterização com quase todos os artistas do sertanejo atual, como Bruno e Marrone, Maiara e Maraisa, Gusttavo Lima e Marília Mendonça.

O loudness é importante para você?
Sim, claro. A maneira como as pessoas fazem música muda de tempos em tempos, então estamos vivendo uma outra era. Vou usar um exemplo com carros: antigamente, você tinha o Fusca, que não tinha tanta tecnologia mas que te levava de um lugar para o outro. Hoje em dia, você tem carros com um monte de coisas e faz o mesmo papel. As coisas vem ficando mais claras em relação ao áudio. Antigamente era meio ofuscado, você não tinha tanta definição. Os equipamentos que reproduziam também não tinham tanta definição. Antes, as pessoas precisavam ir para um puta estúdio para captar o som da melhor forma possível. Hoje, o cara faz um CD dentro do quarto com o notebook e sai tão bom quanto se ele tiver dedicação.

A música sertaneja é produzida de maneira alta?
Na realidade, produtores e empresários querem que a música soe mais alta que a de seus concorrentes. Isso foi gerando a guerra de volumes. O cara manda a música para a rádio e quer soar tão alto quanto a que vem antes ou depois. Mas a música que já chega alta no rádio só tende a piorar. No meu ponto de vista, isso é uma bobagem, pois com a música alta você acaba escondendo muitos detalhes. A música sertaneja brasileira tem muita informação, o que torna difícil fazê-la soar alta e ao mesmo tempo mostrar esses detalhes. A música pop internacional soa alta, mas lá fora eles têm um jeito diferente de produzir música. As músicas não têm tantos elementos tocando ao mesmo tempo. Então, é possível colocar esses elementos em bastante evidência. Sobra espaço para mixar e finalizar de forma que não fica uma massaroca de coisas.

Então, como está a música sertaneja atual em termos sonoros?
Ela tem muitas informações, mas elas poderiam ser melhor distribuídas durante a música. Hoje em dia, a maioria dos produtores vai gravando os instrumentos e, na maioria das vezes, eles ficam rolando na música toda. Poderia ser melhor distribuído para não ficar sem dinâmica, sem contar uma história. A música tem que passar uma certa emoção e você vem construindo isso desde o começo.

A música sertaneja então tem bastante potencial para ser bem dinâmica…
Tem potencial e existem músicas muito boas no mercado. Alguns produtores em mais evidência podem conseguir fazer isso. Acredito que com a influência do eletrônico de fora, com essa onda meio reggaeton, está começando a dar uma mudada. Está começando a se construir esses climas na música. O problema é que tem muita coisa igual no mercado. Um artista estoura e vem o outro e quer fazer na mesma onda porque acha que vai estourar também. Tive uma situação com um DVD que eu fiz. Dois meses depois do trabalho entregue, o pessoal foi assinar com uma gravadora e eles começaram a comparar o disco que eu tinha feito com outros. E eles começaram a falar, “ah, o do fulano está mais alto, a voz está mais alta, o som está mais brilhante”. Tive que abrir a mix toda de novo para deixar mais perto do que eles queriam. Rola muito isso aqui no Brasil. O pessoal tem medo de assumir uma identidade que fique diferente e que possa virar uma tendência.

Então, não basta o arranjo ser parecido. Até o volume tem que ser o mesmo?
Exatamente. O volume tem que estar lá nas alturas. A galera parece que não entende esse lance de respeitar o volume, principalmente os artistas e os empresários, que na maioria das vezes são leigos. Se você fala um negócio desse pro cara, só falta ele te bater.

O que você achou da medida do Spotify?
Acho a ideia muito boa. Mas isso precisa realmente entrar em vigor para que os artistas e empresários percebam isso. Acho que no futuro, teremos que entregar dois tipos de master: uma para o digital e outra para CD que vai para as rádios. Seria legal se as rádios adotassem esse padrão também. Assim, essa ideia começaria a ganhar força entre os artistas.

Interessante que para alguns estilos, a rádio nem faz parte dessa equação do volume…
A rádio para o sertanejo é muito importante porque é lá que se divulga o trabalho.

A padronização no streaming vai influenciar a produção de música?
Vai influenciar mais na finalização, tanto na mixagem quanto na masterização. Consequentemente, acredito que isso acabará influenciando na maneira de produção. De repente, o produtor que for mais inteligente já começará a pensar como tudo vai soar desde o início do processo.

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